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Curto-Circuito: uma proposta de jogo para o ensino de circuitos elétricos

Short Circuit: a game proposal for teaching electrical circuits

Cortocircuito: una propuesta de juego para la enseñanza de circuitos eléctricos

Gabriel Santos Ortiz
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul , Brasil
Luciano Denardin
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil

Revista de Ensino de Ciências e Matemática

Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil

ISSN-e: 2179-426X

Periodicidade: Trimestral

vol. 12, núm. 3, 2021

rencima@cruzeirodosul.edu.br

Recepção: 19 Março 2021

Aprovação: 23 Abril 2021

Publicado: 06 Junho 2021



DOI: https://doi.org/10.26843/rencima.v12n3a35

Una nueva publicación de artículo publicado en REnCiMa, de iniciativa de sus autores o de terceros, queda sujeta a la expresa mención de la precedencia de su publicación en este periódico, citándose el volumen, la edición y fecha de esa publicación

Resumo: Neste artigo, faz-se um relato de experiência apresentando um jogo de cartas envolvendo os conceitos de circuitos elétricos. O relato visa a compartilhar o jogo com outros professores e analisar seu potencial pedagógico na motivação e no estímulo às múltiplas inteligências dos estudantes. As atividades foram realizadas com aproximadamente 30 estudantes do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. O caso apresentado fez parte de um estudo maior sobre pluralismo metodológico e inteligências múltiplas no ensino de circuitos elétricos. A pesquisa na qual a experiência se insere possui natureza qualitativa e os dados foram obtidos por meio de observações e registro em áudio das aulas. Os registros foram transcritos e analisados por meio da Análise Textual Discursiva. O texto descreve as regras e os elementos constituintes do jogo e discute alguns exemplos de circuitos elétricos que podem ser elaborados. Por fim, relata-se a experiência ao utilizá-lo em sala de aula e analisa-se os dados coletados à luz da teoria das inteligências múltiplas. Por sua natureza social e desafiadora, o jogo se mostrou uma interessante ferramenta para estimular diferentes inteligências e aumentar a motivação e a participação dos estudantes no processo educacional.

Palavras-chave: Jogos Educacionais, Circuitos Elétricos, Ensino de Física, Inteligências Múltiplas.

Abstract: In this article, an experience report is presented proposing a game of cards involving the concepts of electrical circuits. The report aims to share the game with other teachers and analyze its pedagogical potential in motivating and stimulating students’ multiple intelligences. The activities were carried out with approximately 30 High School students from a public school in Porto Alegre, Rio Grande do Sul. The case presented was part of a larger research about methodological pluralism and multiple intelligences in electrical circuits teaching. The research in which the experience is inserted has a qualitative nature and the data were obtained through observations and audio recording of classes. The records were transcribed and analyzed through Discursive Textual Analysis. The text describes the rules and the constituent elements of the game and discuss some examples of electrical circuits that can be elaborated. Finally, our experience using the game in the classroom is described and the collected data are analyzed based on the theory of multiple intelligences. Due to its social and challenging nature, the game proved to be an interesting tool to stimulate different intelligences and increase student motivation and participation in the educational process.

Keywords: Educational Games, Electrical Circuits, Physics Teaching, Multiple Intelligences.

Resumen: En este artículo, se hace un informe de experiencia presentando un juego de cartas que involucra los conceptos de circuitos eléctricos. El informe tiene como objetivo compartir el juego con otros profesores y analizar su potencial pedagógico para motivar y estimular las inteligencias múltiples de los estudiantes. Las actividades se realizaron con aproximadamente 30 alumnos de la escuela secundaria en una escuela pública de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. El caso presentado fue parte de un estudio más amplio sobre el pluralismo metodológico y las inteligencias múltiples en la enseñanza de los circuitos eléctricos. La investigación en la que se inserta el experimento tiene un carácter cualitativo y los datos se obtuvieron a través de observaciones y grabación de audio de las clases. Los registros fueron transcritos y analizados mediante análisis textual discursivo. El texto describe las reglas y los elementos constitutivos del juego y describe algunos ejemplos de circuitos eléctricos que se pueden diseñar. Finalmente, se relata la experiencia al usarlo en el aula y se analiza los datos con base en la teoría de las inteligencias múltiples. Por su naturaleza social y desafiante, el juego resultó ser una herramienta interesante para estimular diferentes inteligencias y aumentar la motivación y participación de los estudiantes en el proceso educativo.

Palabras clave: Juegos Educacionales, Circuitos Eléctricos, Enseñanza de la Física, Inteligencias Múltiples.

Considerações iniciais

Não é nova a discussão em torno do ensino tradicional de ciências baseado na ideia de transmissão do conhecimento de um professor que tudo sabe para os alunos tábulas rasas. De fato, a passividade de um aluno visto como depositório de informações só consegue gerar desmotivação e memorização momentânea de conceitos para a realização das provas, propiciando uma aprendizagem mecânica e sem significado. Pensando nisso, muitas metodologias vêm sendo pesquisadas e propostas com o intuito de colocar os estudantes lado a lado com o professor como sujeitos ativos nos processos de ensino e de aprendizagem.

Ainda assim, devemos considerar que a compreensão destes processos não é uma tarefa trivial, pois além dos mecanismos de aprendizagem humana continuarem nebulosos para a ciência, as pessoas são diferentes e suas maneiras de aprender podem, então, serem as mais diversas. Neste sentido, Gardner (1995) defende que a limitação das abordagens metodológicas tende a privilegiar os estudantes mais bem adaptados a estas metodologias e favorecer o desenvolvimento de certas habilidades e competências em detrimento de outras. Laburú, Arruda e Nardi (2003) contribuem ao debate sobre esta questão ao criticarem a ideia de que exista um método ideal e universal para ser aplicado em sala de aula, sugerindo que os professores deveriam adotar um pluralismo metodológico na sua rotina escolar.

Dialogando com esta ideia pluralista, os jogos educacionais podem ser grandes aliados em determinados momentos do processo educacional, superando o formato tradicional da sala de aula (SANTOS et al., 2020).

A palavra jogo, do latim ludus, significa diversão, brincadeira. Isto indica que um jogo pode possibilitar um ambiente motivador, agradável e rico em estímulos. Nesse sentido, Kishimoto (2017) preconiza que o jogo educacional apresenta tanto uma função lúdica quanto educativa, que devem estar em níveis de igualdade. Caso a primeira se sobressaia, o jogo será visto como mero entretenimento, ao passo que, caso a segunda se sobreponha em demasia, o jogo pode passar a ter o aspecto de um material didático tradicional. Ao jogar, nós experimentamos, descobrimos, aprendemos, dialogamos, inventamos, desenvolvemos habilidades e sensibilidade. Desta forma, o jogo não só incentiva a imaginação, mas também auxilia no desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas (ALVES; BIANCHIN, 2010; CARBO et al., 2019).

Além disso, os jogos se apresentam como uma oportunidade de socialização dos conhecimentos entre os estudantes, de forma que se eles forem organizados para estimular o trabalho em equipe na busca de um objetivo comum, eles ainda podem ser ótimos métodos para promover uma aprendizagem colaborativa (TORRES; ALCANTARA; IRALA, 2004). Isto posto, Armstrong (2001) e Antunes (1998) argumentam que jogos podem ser uma ótima ferramenta pedagógica para estimular diferentes inteligências, como a lógico-matemática e a interpessoal.

Neste trabalho, apresentamos o jogo de cartas denominado Curto-Circuito como sugestão de recurso didático a ser utilizado em sala de aula. O jogo proposto foi uma das atividades constituintes de uma unidade de aprendizagem sobre eletricidade desenvolvida com alunos do 3° ano do Ensino Médio de uma escola pública de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A atividade foi realizada em três turmas com aproximadamente dez estudantes em cada e fez parte de uma pesquisa maior sobre o pluralismo metodológico e as inteligências múltiplas no ensino de circuitos elétricos (AUTOR 1; AUTOR 2, ANO). Neste sentido, a experiência relatada fez parte de uma pesquisa qualitativa que utilizou a observação e o registro em áudio das aulas para a coleta dos dados. Os áudios foram transcritos e analisados por meio da Análise Textual Discursiva (ATD) com as inteligências múltiplas como categorias a priori (MORAES; GALIAZZI, 2016).

O objetivo do trabalho é relatar nossa experiência com o jogo, analisando seu potencial no estímulo de diferentes inteligências e na motivação dos estudantes. Almejamos também compartilhar e divulgar o jogo produzido, contribuindo com outros professores de física que possam se interessar na utilização dele em sala de aula na busca de uma aprendizagem mais ativa, lúdica e colaborativa. Por conta disso, direcionamos o foco do trabalho nas regras e orientações do jogo, bem como no relato da nossa experiência de implementação em sala de aula, analisando-a à luz das inteligências múltiplas (GARDNER, 1995). Acreditamos que a forma como apresentamos o relato possa facilitar e estimular colegas professores no uso deste recurso didático em aulas de física.

O desenvolvimento do nosso jogo foi inspirado na proposta do jogo Circuitando (DAMINELLI; SILVA; ALVES, 2017). Entretanto, optamos por construir um novo jogo (com diferentes cartas e objetivos) e não utilizar o apresentado por Daminelli, Silva e Alves (2017) em nossa atividade com os alunos. Esta escolha se deu uma vez que, no nosso entendimento, o jogo proposto pelos autores não atendia na plenitude os objetivos previstos na nossa unidade de aprendizagem. À vista disso, nosso jogo tem uma pequena semelhança ao Circuitando, contudo apresenta objetivos mais complexos, um maior aprofundamento conceitual e cartas mais elaboradas. As cartas foram desenhadas com o intuito de que as conexões dos elementos ocorressem de forma mais próxima da realidade, bem como trazem instrumentos como voltímetros e amperímetros que podem ser incluídos nos circuitos. Além disso, o processo de dedução dos circuitos a serem montados exigiu a aplicação de um maior número de conceitos vistos no conteúdo de circuitos elétricos, sendo necessário realizar cálculos envolvendo a 1ª Lei de Ohm e compreender as características dos circuitos com associação de resistores. Por todas estas razões, entendemos que o jogo aqui proposto se mostra desafiador aos estudantes.

O Apêndice traz o tabuleiro e as cartas do jogo Curto-circuito. As regras do jogo estão descritas na quarta seção deste artigo.

A Diversidade Humana e o Pluralismo Metodológico

Ao longo do século passado, diversas áreas, como a psicologia e a própria pedagogia, começaram a investir cada vez mais em investigações empíricas e quantitativas de seus objetos de estudo. A quantificação era um objetivo por si só, pois permitia que os estudos adquirissem uma imagem “mais científica” e de maior rigor metodológico. Foi neste período que surgiram as primeiras tentativas de quantificar a inteligência humana, sendo o teste de QI (quociente de inteligência) proposto por Alfred Binet o mais famoso e ainda muito usado (GARDNER, 1995).

Com o avanço e popularização dessas ideias, muitos cientistas começaram a criticar essa visão de inteligência universal e mensurável do ser humano. Gardner (1993) é um dos autores que rompe com esta visão por acreditar que ela não contempla a diversidade de capacidades humanas. Para ele, os testes de inteligência se limitavam a testar apenas alguns elementos da inteligência humana, esquecendo toda uma gama de capacidades tão importantes quanto as testadas. Um grande artista, por exemplo, poderia ir mal em um teste de QI se não tivesse as habilidades linguísticas e lógico-matemáticas necessárias, mas isto não faria dele uma pessoa menos inteligente que um matemático que obteve um resultado superior. O artista e o matemático só se tornaram inteligentes de formas diferentes. Assim, para Gardner (1993), a inteligência humana não é um dado a ser mensurado e quantificado em um teste padronizado, visto que as formas de expressão da inteligência são diversas. De acordo com ele, é possível dividir a inteligência em um espectro no qual cada elemento se relaciona com um diferente tipo de capacidade humana. Desta forma, ele classifica as seguintes inteligências: linguística; lógico-matemática; espacial; corporal-cinestésica; intrapessoal; interpessoal; existencial; naturalista; e musical (GARDNER, 2001).

Sob essa nova perspectiva de inteligência, Gardner (2001) sugere que os educadores também deveriam se adaptar e perceber que não poderiam mais continuar ensinando a todos do mesmo jeito. Assim, se as pessoas têm inteligências diferentes, elas também aprendem de formas distintas, sendo importante que os professores busquem metodologias variadas de ensino e de avaliação de forma a respeitar essas diferenças individuais. Dialogando com a teoria de Gardner, Armstrong (2001) apresenta diversas sugestões metodológicas para se trabalhar com as múltiplas inteligências em sala de aula. Um resumo das propostas do autor constitui o Quadro 1.

Na mesma linha, preocupados com a diversidade entre os estudantes, Laburú, Arruda e Nardi (2003) propõem a adoção de um pluralismo metodológico no ensino. Para eles, uma pluralidade de metodologias utilizadas ao longo do período letivo aumenta a chance de estimular a aprendizagem e o desenvolvimento de todos os estudantes, ao invés de priorizar aqueles com maior facilidade em aprender pelo método utilizado pelo professor. Sob essa perspectiva, os métodos de ensino são os instrumentos utilizados para se alcançarem os objetivos educacionais, não o objetivo em si, de forma que o professor deve ser flexível para evitar que um único método acabe se tornando seu foco em sala de aula. Assim, o pluralismo metodológico não rejeita os métodos já existentes, mas, sim, critica o uso de um método fixo, único, restrito e considerado universalmente válido. Todos os métodos, mesmo os menos populares, têm suas vantagens e desvantagens e podem ser válidos em determinadas situações (LABURÚ; ARRUDA; NARDI, 2003).

Quadro 1
Resumo das maneiras de ensinar visando às múltiplas inteligências
Inteligência Atividades de Ensino Materiais Ações do Aluno
Linguística Discussões, leitura, redação de diário Livros, gravadores, computadores Ler sobre uma coisa, escrever e falar sobre ela
Lógico-matemática Solução de problemas, experimentos científicos, cálculos mentais Jogos, materiais manipulativos Quantificar uma coisa, pensar criticamente sobre ela, colocá-la em uma estrutura lógica
Espacial Atividades artísticas, mapeamento mental Gráficos, mapas, materiais de arte Desenhar ou mapear mentalmente algo
Corporal-cinestésica Aprendizagem prática, teatro, esportes Equipamentos manipulativos Construir uma coisa, atuá-la, tocá-la, senti-la
Intrapessoal Instrução individualizada Materiais de auto avaliação, diários Conectar uma coisa à sua vida pessoal, fazer escolhas
Interpessoal Aprendizagem cooperativa, tutoramento de colegas Jogos, acessórios para teatro Ensinar uma coisa, colaborar e interagir com respeito a ela
Naturalista Estudo da natureza, consciência ecológica Plantas, animais Conectar algo às coisas vivas e a fenômenos naturais
Musical Aprendizagem rítmica, músicas que ensinam Instrumentos musicais Cantar uma coisa, fazer um rap com ela, escutá-la
Existencial Leitura, reflexão, debate Textos, filmes Refletir sobre questões essenciais
Adaptado de Armstrong (2001)

Além disso, como afirmam Laburú, Arruda e Nardi (2003, p. 2), “todo processo de ensino-aprendizagem é altamente complexo, mutável no tempo, envolve múltiplos saberes e está longe de ser trivial.”. Dessa forma, um professor alinhado à proposta pluralista deve ter consciência de que não existe solução pedagógica universal e pronta para todas as situações. O professor pluralista deve ser crítico, criativo e curioso, se mantendo sempre inconformado na busca pela abordagem mais adequada a cada contexto e estando sempre disposto a examinar, experimentar, inovar e arriscar novas abordagens (LABURÚ; ARRUDA; NARDI, 2003).

Jogos na Educação

Na tentativa de evitar o ensino tradicional, a aplicação de jogos no contexto escolar vem motivando diversas pesquisas que visam a melhorar a compreensão das possibilidades desta ferramenta pouco convencional (CARBO et al., 2019; SANTOS et al., 2020; BENEDETTI FILHO; SILVA; FAVORETTO, 2020).

O primeiro ponto a se destacar no uso de jogos na sala de aula é que o professor não deve se limitar ao jogar pelo jogar, sem se preocupar com o caráter educativo do jogo. Para Smole, Diniz e Milani (2007), a sociedade, por preconceito e falta de conhecimento, tinha o hábito de pensar na utilização de jogos nas aulas apenas como um passatempo para os estudantes, esquecendo do aspecto educacional. De acordo com Menezes (2008), o jogo se torna pedagógico quando consegue contribuir efetivamente para a aprendizagem do indivíduo. Pensando nisso, sua utilização em sala de aula deve ser planejada cuidadosamente. A aplicação de um jogo, assim como qualquer outro método, se for utilizada sem planejamento, contextualização e autocrítica do professor, sendo apenas uma tentativa de distrair os estudantes com algo diferente, não é capaz de garantir uma experiência significativa de aprendizagem.

Quando bem planejados, os jogos podem contribuir significativamente para criar um ambiente propício à aprendizagem, uma vez que os alunos ficam mais concentrados (MESSEDER NETO; MORADILLO, 2017). Além disso, o fato de os jogos não serem vistos como uma avaliação formal faz com que os estudantes se sintam mais à vontade para arriscarem respostas, testarem hipóteses e esclarecerem dúvidas, criando vínculos emotivos com o conteúdo estudado (MESSEDER NETO; MORADILLO, 2017; CARBO et al., 2019).

Ao jogar, o estudante precisa refletir, investigar, resolver problemas e se valer do seu conhecimento para definir uma estratégia e alcançar seu objetivo. Os estudantes veem os jogos educacionais como uma forma mais descontraída e divertida de aprender e isto pode refletir em um aumento da motivação em relação às questões escolares (SMOLE; DINIZ; MILANI, 2007).

Além do caráter cognitivo, o jogo, enquanto atividade social, propicia importantes momentos de interação entre os estudantes. Dessa forma, ao jogar os estudantes também têm a oportunidade de explorar relações interpessoais, trabalharem em equipe em busca de um objetivo comum e aprenderem colaborativamente (CARBO et al., 2019). De acordo com Torres, Alcantara e Irala (2004), a aprendizagem é colaborativa quando os sujeitos reconstroem seus conhecimentos por meio do diálogo e da troca de ideias de forma não hierárquica buscando alcançar um consenso. Assim, na sala de aula, a aprendizagem colaborativa pode ocorrer durante trabalhos em grupos com objetivos compartilhados e com os membros se auxiliando mutuamente na evolução do grupo na atividade. Pensando nisso, a formação de times e o estímulo ao trabalho em equipe durante os jogos podem ser importantes aliados em uma aprendizagem colaborativa. Por outro lado, o professor, enquanto mediador, deve estar atento ao espírito de competição que pode emergir durante os jogos. Ainda que os jogos possuam uma essência competitiva, “a competição em si não é boa ou má, ela é o que fazemos dela” (FERRAZ, 2009, p. 44). Portanto, a mediação do professor se faz importante para evitar reforçar comportamentos excessivamente competitivos relacionados ao individualismo e à seletividade.

Curto-circuito: Regras e Orientações

Nesta seção apresentamos as principais regras do jogo Curto-circuito. Como em qualquer jogo, o conjunto de regras não é rígido, sendo possível fazer diversas alterações caso o professor ou os estudantes acharem mais adequado.

- O jogo é disputado entre duas equipes. Sugerimos que sejam compostas por dois ou três estudantes.

- Cada time recebe um tabuleiro (Figura 1) no qual as cartas serão posicionadas a fim de construir o circuito elétrico.

Tabuleiro do Jogo
Figura 1
Tabuleiro do Jogo
Elaborado pelos Autores

- Cada time recebe uma Carta Desafio. A carta dará detalhes do circuito elétrico que o time deverá montar. A Figura 2 ilustra exemplos de cartas desafio.[1]

Cartas Desafio
Figura 2
Cartas Desafio
Elaborado pelos Autores

- Antes de partir para a próxima etapa, deve-se esperar até que as duas equipes tenham deduzido corretamente o circuito que devem montar. Caso julgue necessário, o professor pode auxiliar as equipes nesta fase do jogo. Se uma equipe tiver mais facilidade e deduzir seu circuito enquanto a outra está encontrando dificuldades, pode ser interessante incentivar os estudantes a auxiliarem os colegas do time adversário, amenizando o sentimento de competição que pode emergir durante um jogo. Esta etapa é importante, pois como o jogo só começa quando ambos os times souberem os circuitos a serem montados, ele passa a depender mais da sorte do que do domínio do conteúdo, não deixando os estudantes com maior dificuldade em desvantagem.

- Depois que as equipes planejarem corretamente as montagens dos seus respectivos circuitos, as cartas (Figura 3) são misturadas. Cada equipe recebe inicialmente quatro cartas aleatórias. O time deve analisar quais cartas serão úteis para alcançar o seu objetivo e quais não serão.

- As equipes decidem qual delas começará a comprar as cartas. Isto pode ser realizado de diversas formas, como jogando um dado, par ou ímpar, entre outros.

- No turno do seu time, é possível comprar UMA carta do monte ou a última carta que o time adversário descartou.

- As equipes não podem ficar com mais de quatro cartas na mão. Se uma delas estiver com quatro cartas no início de seu turno deverá primeiramente descartar uma para depois comprar outra.

- Uma vez colocada no tabuleiro, a carta não pode mais voltar para a mão ou ser descartada. A única possibilidade é deslocar as cartas de posição no tabuleiro.

Cartas do Jogo: (a) fontes, (b) fios
condutores, (c) lâmpadas, (d) Carta-coringa, (e) amperímetros e (f) voltímetro
Figura 3
Cartas do Jogo: (a) fontes, (b) fios condutores, (c) lâmpadas, (d) Carta-coringa, (e) amperímetros e (f) voltímetro
Elaborado pelos Autores

- Cuidado com os valores das tensões! As lâmpadas foram projetadas para funcionarem com tensões específicas, portanto devem ser ligadas respeitando esses valores.

- A carta Coringa permite que o time pegue uma carta da mão do adversário (sem olhar).

- O jogo termina quando um dos times conseguir construir corretamente o circuito da carta desafio.

- As cartas Amperímetro e Voltímetro devem ser guardadas para serem utilizadas caso o time adversário complete seu circuito.

- Se uma equipe completar o circuito, mas o time adversário possuir alguma carta do tipo Amperímetro e/ou Voltímetro esse time poderá solicitar que a equipe que finalizou a montagem insira o medidor em seu circuito, informando o valor que seria lido por ele. O time que possui a carta medidor escolhe o dispositivo (lâmpada/fonte) que deverá ser realizada a leitura. Como o circuito já está completo, o time que tiver que inserir o medidor no seu circuito poderá pegar livremente cartas do monte para adaptar o circuito de maneira adequada para a correta inserção da carta de medição.

- Se a equipe posicionar o medidor de forma equivocada no circuito ou errar o valor que seria indicado pelo medidor, o time adversário poderá retirar uma carta do circuito da equipe e o jogo continua.

- Se um time realizar um curto-circuito durante a partida, estará automaticamente fora do jogo.

Para facilitar a compreensão do objetivo do jogo, apresentamos, nas figuras 4, 5 e 6, alguns circuitos montados de acordo com alguns dos desafios apresentados anteriormente na Figura 2. A Figura 4 ilustra as montagens dos circuitos dos Desafios 1 e 5 e a Figura 5 exibe os circuitos dos Desafios 6 e 9. A Figura 6 apresenta duas possibilidades de circuitos que cumprem os requisitos do Desafio 7.

Circuitos completos
do Desafio 1 (a) e do Desafio 5 (b)
Figura 4
Circuitos completos do Desafio 1 (a) e do Desafio 5 (b)
Elaborado pelos Autores

Uma primeira análise de alguns circuitos prontos pode sugerir que suas deduções são simples. Entretanto, observando com mais atenção é possível constatar que para respeitar as quedas de tensões nas lâmpadas é necessário aplicar a 1ª Lei de Ohm em diversos cenários e refletir sobre todas as possibilidades. No Desafio 7 (Figura 6), por exemplo, verifica-se que podem ser montados dois circuitos diferentes que respeitam as especificações da carta desafio, mas o circuito que necessita de menos cartas para ser montado precisaria que a equipe percebesse a possibilidade de colocar uma pilha com a polaridade invertida em relação as demais. Este tipo de situação e as diversas possibilidades de montagem dos circuitos contribuem para que os estudantes aprendam durante o jogo, sugerindo que tal também possa ser visto com um momento de aprendizagem formativa.

Circuitos completos
do Desafio 6 (a) e do Desafio 9 (b)
Figura 5
Circuitos completos do Desafio 6 (a) e do Desafio 9 (b)
Elaborado pelos Autores

Possíveis circuitos
completos do Desafio 7
Figura 6
Possíveis circuitos completos do Desafio 7
Elaborado pelos Autores

Quanto à aplicação dos voltímetros e dos amperímetros, a Figura 7 exemplifica como os medidores podem ser utilizados durante o jogo. Por exemplo, se um time completar o circuito do Desafio 9, mas a equipe adversária possuir dentre suas cartas um amperímetro ou um voltímetro, ela pode solicitar que o time o conecte no circuito, indicando qual trecho do circuito deve ser medido.

No caso do exemplo da Figura 7 (a), a equipe adversária teria um amperímetro e pediria que fosse realizada a leitura da intensidade da corrente elétrica na lâmpada de 20 V. Para poder finalizar a partida, o time teria que dispor o amperímetro na posição correta (conectado em série com a lâmpada) e informar que a leitura indicada no medidor seria de 1A.

Circuito do Desafio
9 com a inserção de um amperímetro (a) e de um voltímetro
Figura 7
Circuito do Desafio 9 com a inserção de um amperímetro (a) e de um voltímetro
Elaborado pelos Autores

Já no exemplo apresentado na Figura 7 (b), a equipe adversária teria um voltímetro e solicitaria que ele fosse inserido no circuito de tal forma que fosse realizada a leitura de uma das lâmpadas de 10 V. Nota-se que, nesse exemplo específico, informar o valor que o voltímetro irá ler é uma tarefa simples caso o circuito esteja correto e a lâmpada esteja funcionando na tensão que deveria. Todavia, reorganizar o circuito e alocar o voltímetro de maneira correta implica no uso de alguns conceitos importantes.

Jogando o Curto-circuito: relato, análise e discussão

Antes de descrever o desenrolar do jogo e analisar nossa experiência, vale lembrar que as regras e cartas desenvolvidas são apenas algumas sugestões dentre as infinitas possibilidades que um professor poderia criar. Assim como nos inspiramos no jogo sugerido por Daminelli, Silva e Alves (2017), o professor que optar por desenvolver este jogo deve considerar o contexto dos estudantes e adaptá-lo da forma que lhe parecer mais relevante, uma vez que é essencial que os professores também reconstruam seus conhecimentos a partir de suas próprias concepções de ensino (DEMO, 2015).

Inicialmente, o professor pode separar a turma em grupos para realizarem diversas partidas paralelas. Em nossa atividade, cada partida foi realizada entre duas duplas (ou trios). Com os grupos organizados, entregamos uma folha contendo as regras para cada um. Neste momento, já foi possível observarmos o lado social e cooperativo que a atividade exige, como pode ser constatado na fala da Estudante B ao tentar ler as regras em voz alta enquanto seus colegas estavam conversando: Deu né, deu né! Deixa eu ler as regras aqui para gente continuar. (ESTUDANTE B)

A fala sugere que quando a atividade desperta o interesse dos estudantes, eles se tornam mais proativos e dialogam entre si buscando colaboração dos seus colegas. Neste sentido, esse momento reforça a perspectiva defendida por Armstrong (2001) de que o uso de jogos pedagógicos é uma boa forma de estimular a inteligência interpessoal (GARDNER, 1995). A Estudante B toma a frente da atividade, organizando a turma e fazendo a leitura em voz alta das regras para que o jogo logo começasse. Como preconizam Carbo et al. (2019) e Benedetti Filho, Silva e Favoretto (2020), esta desinibição é recorrente durante o uso de jogos em sala de aula.

Para iniciar o jogo, cada equipe recebeu uma carta desafio que informava algumas características do circuito a ser montado naquela partida. A partir dessas informações, o time teve que utilizar os conceitos da 1ª Lei de Ohm e das associações de resistores para deduzir quais cartas seriam necessárias para a montagem do respectivo circuito. Esse momento de dedução do circuito a partir da carta desafio (Figura 8) foi o mais complicado do jogo para os estudantes, pois eles deveriam usar do raciocínio lógico, da matemática e dos conceitos da física discutidos até então. No diálogo que apresentamos abaixo, observamos a linha de raciocínio do Estudante E para solucionar o problema:

(Estudante E) - Sor, a gente tem que montar um circuito paralelo com uma corrente total de 1 A. Estou pensando em fazer o cálculo da resistência equivalente por essa fórmula. Estou indo pelo caminho certo?

(Professor) - Essa é uma possibilidade, mas tu vais ter que calcular a resistência equivalente para todas as combinações de cartas possíveis. Acho que seria mais fácil tu analisares as possibilidades de corrente ramo a ramo.

(Estudante E) - Tá... Se eu colocar uma bateria de 10 V com uma lâmpada de 20 Ω e duas de 40 Ω, minhas correntes vão ser de 0,5 A, 0,25 A e 0,25 A, que somadas dá os 1 A.

Ainda que tenhamos apresentado exemplos específicos para o jogo sem utilizar o conceito de resistência equivalente e que tivéssemos explorado muito superficialmente esse conteúdo antes do jogo, o Estudante E foi capaz de deduzir uma sequência correta de cálculos com o conceito para resolver o problema colocado. Considerando que o estímulo à inteligência lógico-matemática (GARDNER, 1995) pode ocorrer quando o aluno avalia hipóteses, quantifica dados e os coloca em uma estrutura lógica (ARMSTRONG, 2001), acreditamos que o trecho apresenta um importante indício de estímulo a esta inteligência durante o jogo.

Além disso, como destacam Benedetti Filho, Silva e Favoretto (2020), é importante a mediação do professor durante o jogo para que os objetivos da atividade sejam alcançados, bem como para fomentar o diálogo entre os alunos e contribuir para que eles resolvam os problemas propostos. No caso da nossa proposta, a mediação do professor foi crucial para que os alunos fizessem a dedução do circuito e não se desmotivassem.

Recomendamos que este momento de solução do circuito desafio tenha duração de cinco a dez minutos, evitando que o jogo perca seu caráter lúdico e se aproxime de um material didático tradicional (KISHIMOTO, 2017). Nossa experiência sugere que um intervalo de tempo maior que este pode comprometer a motivação do estudante, pois ele pode ter a sensação de que passa mais tempo resolvendo os cálculos do que interagindo com seus colegas durante o jogo.

Estudantes deduzindo o circuito a ser montado
Figura 8
Estudantes deduzindo o circuito a ser montado
Acervo dos Autores

Outro detalhe que merece destaque é que se os estudantes tivessem que resolver esses circuitos como meros exercícios matemáticos, provavelmente a motivação para realizarem a tarefa seria menor. Esta hipótese é levantada uma vez que muitos trabalhos relatam o quanto o uso do jogo cativa e engaja os estudantes (SMOLE; DINIZ; MILANI, 2007; CARBO et al., 2019; SILVA et al., 2019; BENEDETTI FILHO; SILVA; FAVORETTO, 2020). Por se tratar de uma atividade divertida, atraente, desafiadora e de interação social, os estudantes não apresentaram resistência à proposta de resolver os exercícios e se interessaram em encontrar a resposta para desenvolver a atividade. Além disso, a etapa de dedução do circuito também é um momento no qual os estudantes podem aprender com os colegas e revisar alguns conceitos discutidos em aula. Estes aspectos são condizentes com o preconizado por Silva et al. (2019), que observaram que os estudantes se envolvem com as atividades do jogo e interagem entre si com a finalidade de solucionar os desafios propostos. Os estudantes argumentaram, elaboraram hipóteses e as testaram até chegar em circuitos finais condizentes com as cartas desafio, desenvolvendo habilidades que muitas vezes não são exploradas no ensino tradicional (BENEDETTI FILHO; SILVA; FAVORETTO, 2020).

Assim como identificado por Carbo et al. (2019), durante nossa experiência, a apropriação do conteúdo pelos alunos ficou evidente, fazendo com que eles se ajudassem e cooperassem para resolver o problema. Pensando nisto, concordamos com Armstrong (2001) ao defendermos que o uso de jogos, como ferramenta pedagógica, permite a aprendizagem colaborativa e o tutoramento de colegas, estimulando a inteligência interpessoal (GARDNER, 1995). Outros elementos da inteligência interpessoal relacionados à formação cidadã como o respeito ao próximo, ouvir o colega e aguardar a sua vez para falar (BENEDETTI FILHO; SILVA; FAVORETTO, 2020) também foram identificados nas observações realizadas.

Depois que ambos os times descobrirem o circuito a ser confeccionado, as cartas iniciais são distribuídas e começam as rodadas de compra e descarte de cartas (Figura 9). O tempo médio para que uma das equipes conseguisse completar seu circuito foi de 15 minutos (descontando o tempo de dedução do circuito), mas isso depende muito do número de cartas que o professor optar por colocar no baralho, assim como a relação entre o número de fontes, lâmpadas e fios.

Estudantes em busca
das cartas para a montagem dos respectivos circuitos
Figura 9
Estudantes em busca das cartas para a montagem dos respectivos circuitos
Acervo dos Autores

Na nossa atividade, tendo em vista as cartas desafio desenvolvidas, tivemos que pensar em uma relação entre as cartas que não desse clara vantagem a nenhum desafio específico. Nosso baralho foi constituído, então, por 96 cartas, sendo: seis fontes de 10 V, sete fontes de 20 V, doze lâmpadas de 10 V e 20 Ω, nove lâmpadas de 10 V e 40 Ω, oito lâmpadas de 20 V e 20 Ω, seis lâmpadas de 20 V e 40 Ω[2], oito cabos retos, treze cabos em “T”, vinte cabos com 90°, dois amperímetros com cabos em 90°, dois amperímetros com cabos em 180°, dois voltímetros e um coringa. Esse detalhe, não é trivial, pois criar desafios que, apesar de diferentes, tenham um nível de dificuldade semelhante e não tenham clara vantagem (pela maior presença de cartas no baralho) é uma tarefa complexa e que deve ser levada em consideração.

Ainda que não fique evidente nos diálogos registrados, a observação das atividades nos deu indícios de que o jogo também pode ter atuado como uma ferramenta pedagógica capaz de estimular a inteligência espacial (GARDNER, 1995). No nosso entender, em um primeiro momento os estudantes precisam visualizar mentalmente o formato espacial dos circuitos a serem montados e desenhá-los. A montagem dos circuitos em um estilo próximo ao de um quebra-cabeça é diferente daquele que eles esboçam nos cadernos (Figuras 8 e 9). Por esta razão, entendemos que isto obriga os estudantes, em um segundo momento, a transporem os elementos esboçados no caderno para as cartas disponíveis no jogo, posicionando-as de forma adequada no tabuleiro. Dessa forma, acreditamos que nossa experiência revelou uma possibilidade dos jogos que não estava evidente nas propostas de Armstrong (2001) para estimular as inteligências múltiplas em sala de aula.

Na nossa experiência, os grupos conseguiram jogar duas vezes durante um período de 50 minutos de aula e, a exemplo de Smole, Diniz e Milani (2007), Silva et al. (2019) e CARBO et al. (2019), demonstraram motivação para continuarem jogando, como pode ser identificado no diálogo com o Estudante T:

(Estudante T) - Aí sor! Conseguimos, olha só! Tá certo?

(Professor) - Isso aí, está tudo certo no circuito.

(Estudante T) - Feito! Dá pra jogar de novo?

(Professor) - Se vocês se organizarem aí rapidinho, vai dar tempo de mais uma partida.

Além disso, no diálogo acima não se identifica nenhum elemento relacionado à competição, a vencer ou perder, tampouco de desdém por parte do Estudante T com a outra equipe (por ela ter “perdido”). O aluno T está mais interessado em jogar novamente - possivelmente por todas as sensações e emoções que o jogo propicia (MESSEDER NETO; MORADILLO, 2017) – do que comemorar a “vitória” e expor os colegas. Esta atitude evidencia o quanto o jogo envolve e engaja os alunos, bem como destaca as relações de respeito com os colegas (SMOLE; DINIZ; MILANI, 2007; CARBO et al., 2019; SILVA et al., 2019; BENEDETTI FILHO; SILVA; FAVORETTO, 2020), também podendo ser um indicativo de inteligência interpessoal (GARDNER, 1995).

Ainda sobre a questão da competitividade que o jogo pode gerar, citamos uma frase importante dita pelo Estudante R ao perder uma partida: Tá bom, cada um ganhou uma. Tá bom, Tá bom! (Estudante R).

Em contraponto à ideia de competitividade que poderia surgir em um jogo, a fala do aluno indica um espírito esportivo saudável e boa relação com seus colegas, o que deve ser sempre incentivado pelo professor. A postura do Estudante R é diferente daquela identificada por Silva et al. (2019), uma vez que as autoras descrevem que os alunos, objetivando vencer a partida, faziam uso do blefe e de outros subterfúgios quando não sabiam a resposta certa. Talvez esta competitividade exacerbada esteja presente na própria proposta do jogo, uma vez que as autoras afirmam: “pois durante o ato de jogar, ações e operações são requisitadas aos alunos para que se chegue a um objetivo fim que seria ‘vencer’ o jogo” (SILVA et al., 2019, p.597).

No nosso ponto de vista o objetivo final do jogo em sala de aula não é a vitória ou a derrota, mas sim o desenvolvimento de inteligências, de habilidades e de competências, a construção de conceitos científicos e de vínculos sociais associados a todo o processo colaborativo que envolve a resolução do problema. No caso do nosso jogo, os conceitos científicos emergem na solução da carta desafio, enquanto muitas outras habilidades e inteligências são desenvolvidas durante o ato de jogar. O vencer ou perder é secundário e está, no nosso caso, mais associado à sorte da equipe com as cartas e das escolhas feitas para coleta e descarte destas.

A sociedade já é competitiva e entendemos que esta competição não precisa ser levada para dentro da sala de aula, de maneira que é importante o professor relativizá-la e minimizá-la, priorizando ações colaborativas e cooperativas. Assim, discordamos de Silva et al. (2019, p. 609) quando afirmam que o jogo oferece aos alunos “um objetivo seguido de uma necessidade de vencê-lo.” Explicitar a necessidade de vencer pode desencadear ações competitivas e dificultar a colaboração, bem como potencializar sentimentos como frustração, fracasso, impotência e falta de conhecimento.

Refletindo sobre isso, salientamos que aprender a se relacionar com o outro também pode nos ensinar muito sobre nós mesmos. Desse modo, entendemos que ao estimular o desenvolvimento da inteligência interpessoal, inevitavelmente colocamos o aluno em uma interação capaz de fomentar sua inteligência intrapessoal (GARDNER, 1995). Com isso em mente, acreditamos que o jogo proposto tem o potencial de trabalhar com pelo menos quatro inteligências em sala de aula (lógico-matemática, espacial, interpessoal e intrapessoal).

Considerações Finais

O jogo em sala de aula, como uma ferramenta a mais na qual o professor pode se valer dentre diversas metodologias, mostrou-se importante fator motivacional para os estudantes. Por sua natureza social e desafiadora, os estudantes se interessaram em realizar os cálculos necessários para poderem se divertir com seus colegas e fugir, mesmo que por apenas alguns minutos, da rotina à qual estão acostumados na escola.

Quanto ao potencial da atividade no estímulo às diferentes inteligências dos alunos, acreditamos que nossa proposta de jogo foi capaz de estimular quatro inteligências ao longo da experiência. A necessidade de interpretação dos desafios, o levantamento e o teste de hipóteses e realização dos cálculos necessários foi uma boa forma de trabalhar a inteligência lógico-matemática de maneira descontraída. O formato do jogo com um estilo próximo a um quebra-cabeça levou os estudantes a imaginarem mentalmente a organização dos circuitos no espaço do tabuleiro, estimulando, ao nosso ver, a inteligência espacial. Por fim, acreditamos que o jogo, assim como outras atividades pedagógicas de caráter mais socializador, tem um importante papel em incentivar o desenvolvimento da inteligência pessoal (tanto interpessoal quanto intrapessoal).

Desta atividade não emergem apenas os conceitos que vão surgindo para realizar os cálculos, mas também risadas, brincadeiras e colaboração entre os colegas. Não à toa, esta atividade foi uma das preferidas dos estudantes durante a unidade de aprendizagem desenvolvida e foi muito bem avaliada por eles. Do ponto de vista do professor, ela possibilitou abordar de forma lúdica os cálculos de circuitos elétricos que, descontextualizados, gerariam resistência por parte dos estudantes. Entendemos ainda que o jogo possibilita que os estudantes aprendam com seus colegas, trabalhem em equipe e de forma cooperativa, bem como desenvolvam diferentes habilidades.

A partir dos resultados positivos dessa experiência e com a ideia de professor inconformado do pluralismo metodológico (LABURÚ; ARRUDA; NARDI, 2003), convidamos os professores a buscarem, assim como nós, cada vez mais novas formas de reconstruir o conhecimento científico por meio de jogos educativos.

Referências

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Notas

[1] No fim da seção, apresentamos montagens dos circuitos finais de alguns desses desafios. Junto às regras, aconselhamos apresentar aos estudantes alguns exemplos de circuitos montados para facilitar a compreensão do objetivo do jogo.
[2] Considerando que a proposta de jogo está aberta a mudanças, levantamos aqui a possibilidade de trabalhar com os valores nominais de tensão e potência das lâmpadas ao invés de utilizar valores de resistência elétrica. No contexto em que realizamos o jogo, optamos por não envolver o conceito de potência elétrica, pois nos pareceu que ficaria muito complicado para os estudantes naquele momento.

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