Artigos

Contributo para a caracterização dos modelos pedagógicos no ensino de Ciências no Ensino Básico

Contribution for characterization of the pedagogical models in Basic Education Science teaching

Contribución a la caracterización de modelos pedagógicos en la enseñanza de la Ciencia en la Educación Básica

José Manuel Carmo
Universidade do Algarve , Portugal

Revista de Ensino de Ciências e Matemática

Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil

ISSN-e: 2179-426X

Periodicidade: Trimestral

vol. 12, núm. 3, 2021

rencima@cruzeirodosul.edu.br

Recepção: 11 Janeiro 2021

Aprovação: 12 Março 2021

Publicado: 22 Maio 2021



DOI: https://doi.org/10.26843/rencima.v12n3a16

Una nueva publicación de artículo publicado en REnCiMa, de iniciativa de sus autores o de terceros, queda sujeta a la expresa mención de la precedencia de su publicación en este periódico, citándose el volumen, la edición y fecha de esa publicación

Resumo: Em Portugal, os programas de 1991 introduzem modificações com características "construtivistas" no ensino das ciências nos ciclos iniciais do Ensino Básico. Com o objetivo de caracterizar a metodologia utilizada na prática do ensino de ciências, este estudo revela o padrão de identificação com diferentes modelos pedagógicos dos professores dos 3º e 4º anos de escolaridade no contexto de um curso focado no ensino experimental do tópico "flutuação". Os resultados deste estudo são comparados com os obtidos num estudo anterior com professores de “Ciências da Natureza” dos 5º e 6º anos, alguns anos após a introdução dos programas de 1991. O perfil de ocupação do tempo letivo com situações típicas de ensino é consistente com os modelos escolhidos, com as mudanças metodológicas no ensino de ciências e com as características específicas da unidade de ensino. Um relevante aumento dos professores que identificam o seu ensino com modelos com características construtivistas e revelando um perfil de ocupação do tempo letivo com situações pedagógicas coerentemente menos marcadas pela ação do professor e mais pela atividade dos alunos, todavia, 30 anos após a reforma dos programas este aumento é reduzido.

Palavras-chave: Ensino Construtivista, Ensino de Ciências, Estratégias de Ensino, Perfil Metodológico de Ensino.

Abstract: In Portugal, the 1991 programs introduce modifications with "constructivist" characteristics in the teaching of sciences in the initial cycles of Basic Education. With the objective of characterizing the methodology used in the practice of science teaching, the study reveals the pattern of identification with different pedagogical models of 3rd and 4th grade teachers in the context of a course focused on the experimental teaching of the topic "floating". The results of this study are compared with those obtained in a previous study with 5th and 6th grade "Nature Sciences" teachers, a few years after the introduction of the 1991 programs. The profile of occupation of teaching time with typical teaching situations is consistent with the chosen models, with the methodological changes in science teaching and with the specific characteristics of the teaching unit. A relevant increase of the teachers who identify their teaching with models with constructivist characteristics and revealing a profile of occupation of teaching time with pedagogical situations coherently less branded by teacher’s actions and more by student activity, however, 30 years after the programs reform, this increase is reduced.

Keywords: Constructivist Teaching, Science Teaching, Teaching Strategies, Teaching Methodological Profile.

Resumen: En Portugal, los programas de 1991 introducen modificaciones con características "constructivistas" en la enseñanza de las ciencias en los ciclos iniciales de Educación Básica. Con el objetivo de caracterizar la metodología utilizada en la práctica de la enseñanza de las ciencias, el estudio revela el patrón de identificación con escenarios que representan diferentes modelos pedagógicos de profesores en los años 3 y 4 de la escolarización en el contexto de un curso centrado en la enseñanza experimental del tema "flotación". Los resultados de este estudio se comparan con los obtenidos en un estudio previo con profesores de "Ciencias de la Naturaleza" de los años 5 y 6, pocos años después de la introducción de los programas de 1991. El perfil de ocupación del tiempo lectivo con situaciones típicas en enseñanza es coherente con los modelos elegidos, con los cambios metodológicos en la enseñanza de la ciencia y con las características específicas de la unidad de enseñanza. Un aumento significativo en los profesores que identifican su enseñanza con modelos con características constructivistas y revelando un perfil de ocupación del tiempo lectivo con situaciones pedagógicas consistentemente menos marcadas por la acción del profesor y más por la actividad de los alumnos, sin embargo, 30 años después de la reforma de los programas este aumento es reducido.

Palabras clave: Enseñanza Constructivista, Enseñanza de Ciencias, Estrategias de Enseñanza, Perfil Metodológico de Enseñanza.

Introdução

Com o propósito de conhecer em que medida a perspectiva construtivista se incorpora no conhecimento profissional dos professores, Morelatti e colaboradores (2014), a partir da análise de conteúdo das descrições dos professores do desenvolvimento do ensino de um tema, quantificam a presença de comportamentos letivos centrados no professor, no aluno ou partilhados entre professor e aluno. A dimensão da presença de comportamentos centrados no aluno no início da aula caracterizaria uma estratégia de ensino que se afastaria do ensino transmissivo, tradicional, em direção a uma metodologia com uma orientação construtivista. No entanto, a presença de ações centradas no aluno no início de uma unidade de ensino não autoriza por si só, a assunção de um modelo metodológico.

A visão ativista no ensino de ciências (RIVERO et al., 2017), a sobrevalorização do envolvimento dos alunos em atividades manipulativas de tipo prático e laboratorial e a simulação artificial do método científico, características de estratégias de ensino guiado, verificatório, típicos de uma perspectivatecnológica, bem como da perspectivade ensino por descoberta poderiam apresentar o mesmo tipo de perfil de ocupação de tempo que modelos de tipo socioconstrutivista, tal como definido por uma diversidade de investigadores (PORLÁN ARIZA; RIVEROGARCÍA;MARTIN DEL POZO, 1998; PORLÁN ARIZA; MARTÍN DEL POZO, 2004;CACHAPUZ;PRAIA;JORGE, 2002)

Com o mesmo propósito, Porlán et al. (2011) solicitam a professores em formação, no contexto de um tópico concreto, o desenho de una sequência de atividades para o ensino. Utilizando uma metodologia de tipo descritivo-interpretativo analisam as produções escritas, relativamente a três aspetos -ideias dos alunos, conteúdos e metodologia- e identificam “unidades de informação significativas” que classificam em relação a uma matriz de referência teórica do que consideram desejável. Na mesma linha de investigação, Rivero et al. (2017) solicitam a professores em formação propostas de sequências didáticas para o ensino de um tema concreto que analisam em relação a aspectos como a "apresentação dos conteúdos aos alunos", "utilização didática das ideias dos alunos" e "sequência metodológica", classificando-as em três categorias, desde uma perspectiva tradicional ou transmissiva a uma perspectiva que designam “investigação escolar". No estudo de Rivero et al. (2017), após a frequência da disciplina “Didática das Ciências Experimentais” do curso para professores “de Primaria”, atingem o nível que se aproxima do nível de referência construtivista 42,4% dos alunos-professores, no domínio da “apresentação dos conteúdos”, 4,4% no domínio da “utilização das ideias dos alunos” e 19,6% do domínio “sequência pedagógica”.

Outra linha de investigação tem procurado inferir a orientação metodológica dos professores por meio de questionários sobre as convicções sobre ensino, currículo, metodologia e aprendizagem, na crença em que as práticas estão intimamente relacionadas com as concepções pessoais sobre ensino e aprendizagem (PORLÁN ARIZA; RIVERO GARCÍA; MARTÍN DEL POZO, 1998;PORLÁN ARIZA; MARTÍN DEL POZO,2004), ou pela sua opção de resposta em dilemas (MARTIN et al., 2014). Os dados obtidos no estudo internacional sobre ensino -TALIS (OCDE, 2014), na amostra relativa ao ensino primário, os descritores relativos a crenças educativas "construtivistas" recolhem entre 83 e 96% de adesão dos professores, sugerindo que a orientação construtivista traduz a cultura curricular vigente, no entanto os descritores que caracterizam a prática construtivista apenas estão presentes, sempre ou frequentemente entre 31 a 58% na prática dos professores. A revisão da literatura de Van Driel, Beijaard e Verloop (2001) destaca que os estudos focados na implementação de abordagens construtivistas na prática de ensino revelam que, embora os professores expressem conhecimentos consistentes com as ideias construtivistas, o seu comportamento letivo real revela-se mais tradicional. Investigações mais recentes vêm revelando a presença de comportamentos ou situações letivas, bem como de concepções de recorte epistemológico socioconstrutivista aparentemente convivendo com outras de cariz transmissivo ou tradicional (MARTINEZ AZNAR et al., 2002; HARRES et al., 2010;PEDRAJAS; LÓPEZ; MARTINEZ, 2016;GIL FLORES,2017).

O instrumento" Painel de Estratégias de Ensino" (autor, data 1) consiste em seis cenários que organizam de modos diferentes uma série de acontecimentos pedagógicos frequentemente presentes na sequência metodológica das práticas de ensino dos professores (quadro 1), redigidos numa forma suficientemente ampla para se constituírem como invariantes, isto é, serem comuns a sequências de ensino com diferentes orientações metodológicas. A ordem em que estes componentes pedagógicos surgem numa sequência de ensino determinaria a orientação metodológica dos respondentes: professores seguindo um modelo mais tradicional de ensino por "transmissão" de conhecimentos tenderiam a colocar no princípio da sua sequência os componentes centrados no professor (A, E, G, quadro 1), enquanto os com uma orientação "construtivista" se caracterizariam por iniciar as suas sequências por componentes centrados no aluno (C D, F, quadro 1).

Quadro 1
Acontecimentos Pedagógicos frequentemente presentes no ensino, independentemente da orientação metodológica adotada (autor, data 1)
Acontecimentos Pedagógicos frequentemente
presentes no ensino, independentemente da orientação metodológica adotada
(autor, data 1)
Organizado pelo Autor

Os seis cenários que compõem o "Painel de Estratégias de Ensino" (Anexo 1) organizam os acontecimentos pedagógicos (quadro 1) de modo diferente, oferecendo sugestões de sequências pedagógicas representativas de distintos modelos de ensino: Os cenários I e III começam por comportamentos centrados no professor e na transmissão de conhecimentos aos alunos, procurando estilizar sequências de ensino de tipo transmissivo. Por outro lado, os cenários V e VI pretendem enfatizar a atividade de aprendizagem do aluno e a atividade do professor como apoio ao trabalho de construção do conhecimento pelo aluno. Esses cenários representam sequências pedagógicas em que nas primeiras quatro posições há sempre, pelo menos três comportamentos centrados no aluno. Os cenários II e IV pretendem traduzir uma posição intermédia, com sabor "construtivista", numa sequência essencialmente "transmissiva".

A escolha de um cenário deste painel pressupõe a identificação do respondente com uma representação estilizada de prática, descrita por uma sequência composta por frases, também presentes nos demais cenários, que apenas diferem uns dos outros pela sua ordenação. Esta escolha exige uma opção refletida que traduz um pensamento pedagógico. No estudo referido, os 27% de docentes que optam por cenários "construtivistas" mostram um perfil docente que se diferencia por maior tempo ocupado no ensino com a “organização do trabalho”, “realização de experiências pelos alunos”, “relatórios e conclusões de trabalhos”, “consulta de outros livros” e “trabalho em grupo dos alunos” e menos com “diálogo do professor com os alunos”, “apresentação da matéria pelo professor” e “consulta do manual” (autor, ano 1).

As reformas curriculares pressupõem uma sensação em quem as promove e implementa de que se tornam necessárias mudanças no sistema da Educação, assim como pressupõem que serão “desencadeadoras de um desfasamento entre as intenções e a realidade dos contextos escolares” na crença em que elas resultarão em mudanças nas práticas pedagógicas que na realidade ocorrem (PACHECO, 2001). Se uma reforma em paralelo com alterações nos objetivos, nos conteúdos, na metodologia didática e na avaliação não suscita a correspondente alteração do currículo em ação, então tudo não passará de um intento político sem efeitos no quotidiano escolar.” (PACHECO, 2001, pp. 255-256). A Proposta Global de Reforma do Sistema Educativo de 1988 em Portugal (CRSE, 1988) e os programas para o ensino de ciências a que deu origem (ME, 1991), bem como as reformulações introduzidas desde então, caracterizam-se por um conjunto de pautas metodológicas que os definem como inovadores: centrados na educação em ciências como "cultura científica", balizados por orientações metodológicas que enfatizam o papel central do aluno na construção do conhecimento, determinam a atividade prática e experimental, apontam para práticas letivas em que o aluno se enfrenta com questões do seu quotidiano e do ambiente próximo, em que as suas conceções são desafiadas e confrontadas por meio da indagação concreta, em direção a uma gradual reformulação e sistematização do conhecimento (autor, data 2). Neste contexto esperar-se-ia uma evolução nas práticas dos docentes em direção a estereótipos alinhados com modelos com características socioconstrutivistas.

O propósito do presente trabalho é, a) contribuir para uma caracterização da metodologia que se utiliza na prática do ensino de ciências e b) comparar esta caracterização com a obtida alguns anos após a introdução dos programas de 1991.

Metodologia

Caracterização da amostra: Os resultados do presente estudo decorrem da aplicação dos instrumentos no início de um curso de formação contínua de professores, focado no tema “flutuação”, previamente a qualquer outra atividade, exceto questões meramente burocráticas.

Este curso insere-se no programa de âmbito nacional “Ensino experimental das Ciências no 1º ciclo do Ensino Básico”. Dos 65 inscritos num dos núcleos de formação abrangendo os municípios de Loulé, S.Brás de Alportel e Albufeira (região Algarve), consideraram-se os 43 que entregaram os instrumentos respondidos antes do início das sessões de formação. Importa destacar que este tema já exige o seu ensino através de “experiências” no programa oficial, que os materiais do programa de formação estão acessíveis e que muitos outros professores frequentaram este curso em anos anteriores, embora sobre um tema diferente, mas com a mesma metodologia.

Em paralelo, apresentam-se os dados correspondentes ao trabalho apresentado em 2001 (autor, data 1). Os dados de 2001 correspondem a uma amostra de 40% dos professores de Ciências da Natureza, dos 5º e 6º anos do Algarve, obtidos por envio postal para os coordenadores da disciplina nas escolas, por estes entregues aos docentes e devolvidos ao investigador também por via postal.

Neste contexto importa referir que em Portugal o 1º ciclo de Ensino Básico inclui os anos 1 a 4, lecionados em regime de monodocência, enquanto nos 5º e 6º anos o ensino de ciência é da responsabilidade de um professor especializado para a docência de Ciências da Natureza e de Matemática.

Painel de estratégias de ensino: Este instrumento descrito na seção anterior e reproduzido no anexo 1 solicita a seleção de entre os cenários apresentados (blocos I a VI), o que mais se aproxima do modo como organizou o início da Unidade Didática considerada, neste caso o tema “flutuação”.

Inventário de Situações Pedagógicas: Este instrumento, desenvolvido a partir do utilizado por Valente (1986), permite identificar o perfil de ocupação do tempo letivo a partir da percepção dos professores do tempo ocupado no seu ensino com um número de situações pedagógicas. Foi solicitado aos respondentes que para cada uma das situações pedagógicas indicadas (tabela 2, coluna esquerda), indicassem a percentagem de tempo que calculam que terá sido ocupado no ensino da unidade de ensino em foco, não podendo o total exceder 100. Como referido anteriormente, os professores que se identificam com cenários com características “construtivistas” revelam diferentes padrões de ocupação do tempo (autor, data1).

Resultados

Painel de estratégias de ensino

O gráfico 1 regista as opções dos inquiridos por cada um dos seis cenários pedagógicos e compara com os obtidos no estudo de 2001 referido (autor, ano 1).

Gráfico 1
Representação gráfica da distribuição dos professores pelos cenários do “Painel de estratégias de ensino” Atual: resultados obtidos no presente estudo; anterior: resultados obtidos no estudo anterior.
 Representação gráfica da distribuição dos professores pelos
cenários do “Painel de estratégias de ensino” 

                      

Atual: resultados
obtidos no presente estudo; anterior: resultados obtidos no estudo anterior.
Elaborado pelo Autor

O conjunto das estratégias representando um ensino mais radicalmente transmissivo (bloco I e III) são adoptadas de modo semelhante em ambos os estudos, correspondendo a 24,2%, no estudo anterior, e a 27,9%, no estudo atual, enquanto as do tipo intermédio (bloco II e IV) passam de 48,4% para 18,6% das escolhas dos respondentes no estudo atual; a percentagem de professores que se identifica com cenários correspondentes a estratégias conotadas com um ensino construtivista (bloco V e VI), quase duplica para 53,5% no estudo atual contra 27,4% de professores no estudo anterior (tabela 1).

Tabela 1
Percentagem de distribuição dos professores pelos cenários de estratégia considerados. Cenários que representam estratégias mais transmissiva (I+III), intermédia (II+IV) e de tendência construtivista (V+VI), no presente estudo (a) e no estudo anterior referido (b)
Estudo I+III II+IV V+VI
a-atual 27,9 18,6 53,5
b-anterior 24,2 48,4 27,4
Elaborado pelo Autor

Situações pedagógicas que se encontram no ensino

O gráfico 2 mostra a representação da distribuição do tempo alocado no estudo atual a cada uma das situações pedagógicas consideradas no instrumento “Situações Pedagógicas” distribuído pelos três grupos de estratégia considerados.

Gráfico 2
Representação gráfica da distribuição do tempo atribuído a cada uma das situações pedagógicas em cada um dos três grupos de estratégia considerados
Representação gráfica da distribuição do tempo atribuído a cada uma das
situações pedagógicas em cada um dos três grupos de estratégia considerados
Elaborado pelo Autor

O gráfico 2 permite evidenciar a existência de um perfil distinto de ocupação do tempo letivo entre os três grupos considerados. A tabela 2 mostra as médias de ocupação do tempo letivo para cada uma das situações pedagógicas consideradas no instrumento “Situações Pedagógicas”, colocando em paralelo os dados do presente estudo e os dados do estudo anterior referido (autor, ano 1). No presente estudo (tabela 2, colunas estudo atual), destaque-se que no grupo dos que se identificam com uma estratégia mais marcadamente transmissiva (cenários I e III), o “diálogo do professor com os alunos” (sit. 1), a “apresentação da matéria pelo professor” (sit. 2), a “realização de experiências pelo professor” (sit.3) e a “Consulta do manual” (sit. 5), no seu conjunto ocupam 39% do tempo letivo; enquanto no grupo dos que declaram adotar uma estratégia construtivista (cenários V e VI), a “realização de experiências pelos alunos” (sit. 6) e o “diálogo entre os alunos” (Sit. 10) são as situações em que mais tempo é ocupado, correspondendo a cerca de 35% do tempo letivo.

Pode verificar-se a existência de diferenças estatisticamente significativas para oito das situações pedagógicas entre o grupo dos que declaram adotar uma estratégia construtivista e o grupo dos que se identificam com uma estratégia mais marcadamente transmissiva. Os professores do “grupo transmissivo”, declaram ocupar mais tempo letivo “na apresentação de matéria pelo professor” (sit. 2), “realização de experimentos pelo professor” (sit. 3) e na “consulta do manual”(sit. 5). Por outro lado, os professores do grupo “construtivista” revelam uma maior ênfase no seu ensino com a “realização de experiências pelos alunos” (sit. 6), o “diálogo entre os alunos” (sit. 10), a “consulta de outros livros”(sit.14), o “Visionamento de vídeos, fotos ou slides” (sit. 15), o “trabalho em grupo dos alunos” (sit.16). Assinale-se que outras situações pedagógicas inquiridas, embora não atinjam a significância estatística, mostram o padrão esperado, nomeadamente, o tempo ocupado com o “diálogo do professor com os alunos”, a “organização do trabalho”, a utilização de “fichas de trabalho (formativas)” e a elaboração e apresentação de “relatórios e conclusões de trabalhos”.

Na tabela 2 é possível comparar com os resultados obtidos no estudo anterior (coluna Estudo anterior 2001), embora nesse estudo a comparação tenha sido feita entre o grupo construtivista (cenários V e VI) e o conjunto dos restantes. Destaque-se que, em ambos os estudos, o “diálogo do professor com os alunos” (sit. 1) e a “apresentação da matéria pelo professor” (sit. 2) no seu conjunto mantêm o mesmo nível relativo nos dois grupos de metodologia; em ambos os estudos duas situações pedagógicas são dominantes no grupo transmissivo, enquanto no grupo que se identifica com estratégias construtivistas, em ambos os estudos, as situações em que mais tempo é ocupado são a “realização de experiências pelos alunos” (sit. 6), o “diálogo entre os alunos” (sit. 10) e o “trabalho em grupo dos alunos”. A “realização de experiências pelos alunos” (sit. 6) ocupa no estudo atual uma parte significativa do tempo letivo, no grupo “transmissivo”, diferentemente do encontrado no estudo anterior, o que pode refletir o facto da unidade de ensino considerada exigir já no programa oficial deste nível de ensino, obrigatoriamente, a realização de experiências sobre flutuação.

Tabela 2
Médias de ocupação de tempo letivo com diferentes situações pedagógicas nos dois grupos considerados, no estudo atual e no estudo anterior
Médias de ocupação de tempo letivo com diferentes situações pedagógicas nos
dois grupos considerados, no estudo atual e no estudo anterior

a: Situações Pedagógicas (sit): itens do instrumento “Situações Pedagógicas”. Estudo atual: resultados obtidos no presente estudo. Estudo anterior: resultados obtidos no estudo anterior referido (autor, 2001). Coluna I+III e coluna I+III+II+IV agregam os resultados dos respetivos cenários pedagógicos que compõem o instrumento. Probabilidade de corresponderem à mesma população: **** 0,0001>p; *** 0,005>p>0,0001; ** 0,01>p>0,005; * 0,05>p>0,01.

Elaborado pelo Autor

Entre os dois estudos verifica-se uma diminuição em ambos os grupos da utilização do manual (sit. 5) e de fichas de trabalho (sit. 7). Ganha relevo no estudo atual o aumento do tempo gasto no “diálogo entre os alunos (sit.10) no grupo “construtivista”, assim como no grupo “transmissivo”, um aumento muito elevado do tempo ocupado com a apresentação de “relatórios e conclusões de trabalhos” (sit. 13) e “organização do trabalho” (sit. 4) eventualmente relacionada com a realização das atividades práticas a que o programa obriga.

Discussão e conclusões

A maioria dos professores (53%) abrangidos por este estudo identificam-se com cenários pedagógicos “construtivistas” e 28% com cenários marcadamente “transmissivos”. Estes valores acompanham os dados anteriormente referidos no estudo TALIS, em que a adesão declarada aos descritores que caracteriza a prática construtivista apenas está presente, sempre ou frequentemente, em 51,8% dos professores do ensino “primário” (OCDE, 2014, p.375). A estes dois grupos de professores correspondem diferenças quanto à dimensão da presença de situações pedagógicas nos seus ensinos, de um modo coerente com as expectativas: nos professores mais “construtivistas”, a ocupação do tempo letivo é dominada pela “realização de experiências pelos alunos”, pelo “diálogo entre os alunos”, pelo “diálogo entre o professor e os alunos”, pela “elaboração de relatórios e conclusões de trabalhos” e pelo “trabalho dos alunos em pequeno grupo”. Os dois grupos distinguem-se particularmente pelos seus padrões relativamente ao tempo letivo ocupado com a “apresentação de matéria pelo professor”, a realização de experiências pelo professor”, a “realização de experiências pelos alunos”, “trabalho dos alunos em pequeno grupo” e a utilização do manual e de outros livros. Note-se ainda que o recurso ao apoio audiovisual, se bem que atingindo uma diferença significativa entre os dois grupos, a pequena dimensão da sua presença impõe uma restrição na sua consideração.

Se compararmos os presentes resultados com os obtidos no estudo anterior referido, coincidente com a introdução da reforma curricular, podemos constatar um claro aumento na dimensão dos professores que se identificam com os cenários “construtivistas”. Como se fez referência anteriormente, o estudo atual incide sobre um grupo de docentes do 1º ciclo, com formação generalista e em monodocência, pelo que ganha relevo a comparação destes dados com os obtidos anteriormente com docentes especialistas no ensino de Ciências da Natureza e Matemática no 5º e 6º anos. Os padrões de ocupação do tempo revelam ser consistentes, em ambos os casos, com os cenários pedagógicos com que os respondentes se identificam. Destaca-se a sensibilidade do instrumento “Situações Pedagógicas” para registar que, no ensino de uma unidade didática em que o programa postula a realização de “experiencias sobre flutuação”, os professores do grupo mais transmissivo (cenários I e III) mostram valores mais altos, relativamente ao estudo anterior de 2001, tanto no item "realização de experiências pelos alunos "(sit. 6), como no item "realização de experiências pelo professor"(sit. 3) e aproximam-se dos valores do grupo construtivista no item "organização do trabalho"(sit. 4).

Vinte anos após a introdução da Reforma Curricular, uma nova geração de professores, na sua maioria formada já com base nos programas novos e supostamente formadas com base nas orientações metodológicas enquadradas em modelos de natureza socioconstrutivista logram uma mudança substancial no panorama metodológico do ensino de ciências, embora em quase metade dos professores persista uma perspectiva metodológica que se afasta do modelo desejado. Vinte anos depois, a mudança é reduzida. Se por um lado, o discurso do poder político, dos decisores curriculares, da investigação e dos próprios docentes, mudou substancialmente, por outro lado, é inegável a persistência de modelos anteriores nos modos como os professores se relacionam com a prática letiva, com o currículo e a organização escolar. Se uma reforma em paralelo com alterações nos objetivos, nos conteúdos e na metodologia didática e na avaliação não suscita a correspondente alteração do currículo na prática, então tudo não passará de um intento político sem efeitos no quotidiano escolar (PACHECO, 2001, p. 255-256). Nas palavras de Roldão (1999, p.12-15), “A mudança é real, mas, todavia, não na prática das escolas e a crise reduz-se a esta discrepância”.

As tentativas para caracterizar o ensino a partir das conceções dos professores sobre metodologia e ensino, apenas logram identificar uma realidade subjetiva fortemente determinada pelo discurso da autoridade, seja académica, seja da autoridade curricular. Independentemente de uma verdadeira adesão aos princípios, a transferência em direção a uma prática consistente não é automática e, sobretudo, não depende dos princípios que se subscrevem. Os dados da investigação revelam que, embora os professores expressem conceções e conhecimentos consistentes com as ideias construtivistas, o seu comportamento letivo real é substancialmente mais tradicional (VAN DRIEL; BEIJAARD; VERLOOP, 2001;MARTINEZ AZNAR et al., 2002;HARRES et al., 2010; MORENO; GATICA; SURDAY, 2012; OCDE, 2014;PEDRAJAS; LÓPEZ; MARTINEZ, 2016; GIL FLORES, 2017).

A metodologia utilizada por Rivero et al. (2017), embora permitindo uma compreensão mais profunda, exige um dispositivo de formação de longa duração e um investimento de tempo no seu acompanhamento dificilmente exequível com as tarefas de um formador num curso de curta duração e em estudos de maior amplitude. O confronto dos professores com representações estilizadas da prática derivadas de diferentes orientações metodológicas, permitirá uma identificação mais concreta com a representação pessoal da metodologia em uso na sua própria prática; o seu pensamento sobre a "ação de ensino" (MARTÍNEZ AZNAR et al., 2002). Os cenários pedagógicos que compõem o instrumento "Painel de Estratégias de Ensino" discriminam padrões de prática e revelam valores plausíveis, bem como são coerentes com o perfil de presença de “situações pedagógicas”. O "Painel de Estratégias de Ensino" permite uma fácil aplicação e leitura, possibilitando ser usado de forma rápida, tanto para grandes populações, como num processo de formação contínua, permitindo a adoção de uma metodologia que parte das representações sobre a prática anterior e sua explicitação, assim como o debate em direção à integração de novas conceções e novas propostas metodológicas para o ensino das ciências, geradora de uma nova cultura na educação científica.

Limitações e implicações

É uma limitação deste trabalho a comparação ser feita entre estudos com professores de grupos distintos e utilizando diferente metodologia na recolha dos dados, no entanto, tendo os professores do estudo atual uma menor formação especificamente no ensino de ciências, esta limitação é minimizada. Também, o facto de os professores no estudo atual estarem a iniciar um curso especificamente orientado para o ensino experimental de ciência num programa nacional bem conhecido, em que os materiais do programa de formação estão acessíveis e que muitos outros professores seus colegas poderão já ter frequentado, permite admitir alguma influência nos resultados.

O potencial deste instrumento exigirá na continuidade da investigação a sua aplicação em contextos novos e diversos, bem como aprofundar o significado das escolhas dos professores e do pensamento metodológico que os sustenta. Também exigirá o cruzamento com outros instrumentos e metodologias caracterizadoras das práticas concretas dos professores.

Referências

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