Artículos de Investigación

Imigração clandestina no Paraná, 2006-2017: uma análise a partir de dados da Marinha do Brasil - Diretoria de Portos e Costas*

Clandestine Immigration in Paraná, 2006-2017: An Analysis Based on Data from the Brazilian Navy Directory of Ports and Coasts

http://orcid.org/0000-0002-1689-3574 Márcio Sérgio Batista Silveira de Oliveira
Universidade Federal do Paraná, Brasil
http://orcid.org/0000-0001-8498-3726 Renata Brockelt Giacometti
Universidade Federal do Paraná, Brasil

Imigração clandestina no Paraná, 2006-2017: uma análise a partir de dados da Marinha do Brasil - Diretoria de Portos e Costas*

Tla-Melaua. Revista de Ciencias Sociales, vol. Esp., 2019

Benemérita Universidad Autónoma de Puebla

Recepção: 05 Agosto 2018

Aprovação: 27 Novembro 2018

Resumo: O fenômeno da imigração clandestina recrudesceu nas três últimas décadas em alternativa aos problemas internos que muitos países africanos, asiáticos ou latino-americanos enfrentam, desde as crises econômicas, passando por crises políticas e perseguições de toda sorte, até os problemas ambientais como secas, terremotos, dentre outros. O Brasil, apesar de apresentar números modestos, confirma a tendência geral de aumento da imigração clandestina, com dados girando em torno de 600 mil imigrantes. À diferença da Europa, o número de clandestinos que chegam em navios mercantes é igualmente pequeno. Entre 2010 e julho de 2017, 234 imigrantes clandestinos marítimos, oriundos de 27 nacionalidades, foram identificados no país como um todo, sendo o porto de Paranaguá, no estado do Paraná, um dos mais importantes locais de chegada. Apresentamos aqui um estudo sobre alguns desses casos, mostrando uma nova dimensão do fenômeno: o suposto desaparecimento de imigrantes.

Palavras-chave: Imigração, imigrantes, clandestinos, navios mercantes, rota marítima.

Abstract: The phenomenon of clandestine immigration has intensified in the last three decades as an alternative for the internal problems that many African, Asian or Latin American countries face; from economic crises through political crises and persecutions of all kinds, to environmental problems such as droughts and earthquakes among others.

Notwithstanding the modest figures, Brazil confirms an increasing general trend on clandestine immigration, with data revolving around 600 thousand immigrants.

Unlike Europe, where the number of clandestine immigrants arriving on merchant ships is small.

Between 2006 and July 2017, 234 maritime clandestine immigrants, from 27 nationalities, were identified in the country as a whole. The port of Paranguá, in the state of Paraná, became one of the most important places of arrival.

A report is presented on some of these cases, showing a new dimension of the phenomenon: the possible cases of disappearance of migrants.

Keywords: Immigration, immigrants, clandestine, merchant ships, sea route.

Resumen: El fenómeno de la inmigración clandestina recrudeció en las tres últimas décadas como alternativa a los problemas internos que muchos países africanos, asiáticos o latinoamericanos enfrenta, desde las crisis económicas, pasando por crisis políticas y persecuciones de toda suerte, hasta los problemas ambientales como sequías, terremotos, entre otros. Brasil, a pesar de presentar cifras modestas, confirma la tendencia general de aumento de la inmigración clandestina, con datos girando en torno a 600 mil inmigrantes. A la diferencia de Europa, el número de clandestinos que llegan en buques mercantes es igualmente pequeño. Entre 2006 y julio de 2017, 234 inmigrantes clandestinos marítimos, provenientes de 27 nacionalidades, fueron identificados en el país como un todo, siendo el puerto de Paranaguá, en el estado de Paraná, uno de los más importantes lugares de llegada. Presentamos aquí un estudio sobre algunos de esos casos, mostrando una nueva dimensión del fenómeno: los posibles casos de desaparición de migrantes.

Palabras clave: Inmigración, inmigrantes, clandestinos, buques mercantes, ruta marítima.

1. INTRODUÇÃO O FENÔMENO DA IMIGRAÇÃO CLANDESTINA RECRUDESCEU NAS TRÊS ÚLTIMAS DÉCADAS.

A título de ilustração, na Europa, desde os anos 1990, em torno do Mediterrâneo, cresceu muito o número de clandestinos encontrados nas praias ou em pequenas embarcações de fortuna.1 Diversos fatores estão na origem disso. Por um lado, a imigração clandestina vem se tornando importante alternativa aos problemas internos que muitos países africanos, asiáticos ou latino-americanos2 enfrentam, desde as crises econômicas, passando por crises políticas e perseguições de toda sorte, até os problemas ambientais como secas, terremotos, dentre outros3 ou às restrições de entrada aplicadas por diversos países, dentre os quais os Estados Unidos da América.4 Finalmente, o fato de que turistas, estudantes estrangeiros ou cidadãos com vistos de negócio podem tornar-se ilegais quando, após a cessação do período legal de permanência, decidem ficar no país que lhes permitiu entrar legalmente.5 Por outro lado, o aumento no número crescente de clandestinos explica-se também pelo maior controle das fronteiras, pela expansão da obrigatoriedade dos vistos e pelo uso compartilhado de dados pelas polícias fronteiriças nacionais nos diferentes países e blocos supranacionais.

Não obstante o crescimento recente, segundo dados da onu,6 aproximadamente metade dos imigrantes atuais não se arrisca em longos e incertos percursos migratórios, preferindo dirigir-se aos países limítrofes. Ainda assim, entre 1993 e 2008, 11.105 imigrantes morreram tentando entrar no continente europeu7 e, segundo depoimentos, após tanto esforço e privações, grande parte deles prefere morrer a retornar a seus países de origem. Por outro lado, Wenden (2013) afirma que uma das características dos movimentos migratórios atuais é a descoberta de novos destinos, seja no continente africano, seja na América do Sul. O Brasil, apesar de apresentar números modestos, confirma a tendência geral de aumento da imigração clandestina.

Em 27 de março de 2008, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (cnbb), com base em levantamento feito pelas diversas Pastoral do Migrante, anunciava a existência de 600 mil imigrantes ilegais residindo em solo brasileiro.8 Contudo, em julho de 2009, a mesma cnbb anunciava que os clandestinos seriam entre 250 mil e 300 mil, enquanto que a Associação Nacional de Estrangeiros e Imigrantes no Brasil contabilizava apenas 60 mil de ilegais.9 Em 6 de julho de 2016, o governo brasileiro aprovou uma lei que legalizava e permitia a residência permanente a todos os estrangeiros indocumentados. Naquele ano, o governo do estado de São Paulo estimava em aproximadamente um milhão o número de imigrantes não documentados, grande parte deles originários de países sul-americanos vizinhos ao Brasil. A disparidade dos dados acima e as medidas tomadas parecem indicar que estamos diante de um fenômeno de difícil mensuração devido, entre outros fatores, à sua própria natureza: o imigrante ilegal define-se pela invisibilidade social, jurídica e mesmo física, ou seja, cotidianamente, ele evita locais públicos, regiões policiadas, etc. Numa palavra, ele é e faz-se invisível.

Não obstante isso, entre 2006 e julho de 2017, 234 imigrantes clandestinos marítimos, oriundos de 27 nacionalidades, foram identificados no país como um todo. Desse total, os portos de Santos (no estado de São Paulo), Vitória (no estado do Espírito Santo) e Paranaguá (no estado do Paraná) registraram os números mais significativos, com 68, 28 e 25 clandestinos respectivamente, ou 51.7% desse total. A importância do Porto de Paranaguá, em relação ao tema da imigração clandestina, foi registrada pela imprensa local no ano de 2012. Naquele momento, noticiava-se a prisão de marinheiros de nacionalidade turca, acusados de atirar ao mar passageiros clandestinos.10

Porto de Paranaguá, Estado do Paraná,
Brasil
Porto de Paranaguá, Estado do Paraná, Brasil

Contudo, segundo Burtin & Maquet (2012), seja no Brasil, seja em outros países, pouco se sabe do perfil socioeconômico, das razões específicas nem mesmo do modus operandi desses “passageiros” que utilizam navios mercantes, algumas vezes intimidam tripulações e, por isso, são vistos como novas ameaças. Esse artigo enfrenta algumas dessas questões através de um estudo específico sobre 25 imigrantes clandestinos que desembarcaram no porto de Paranaguá (estado do Paraná) entre 2006 e 2017, realizando ainda um pequeno estudo de caso sobre duas situações específicas. Para isso, apresentamos inicialmente uma revisão da temática do imigrante clandestino no campo da Sociologia. Em seguida, mostramos essa realidade específica no Brasil, quando identificamos os portos de embarque, nacionalidades, destinos, processos legais, etc. Através de estudo de caso, analisamos a realidade de dois casos de imigrantes, que desembarcaram no estado do Paraná. Finalmente, apresentamos as conclusões deste artigo.

2. A SOCIOLOGIA DA IMIGRAÇÃO CLANDESTINA COMO PROBLEMÁTICA DE PESQUISA

A categoria de clandestino pode ser encontrada desde o século xvi. Nesse momento, fugindo à Inquisição, judeus portugueses, disfarçados de protestantes, procuraram refúgio e se instalam na Inglaterra da Rainha Elisabeth I (15581603), onde recriaram, clandestinamente, suas práticas comerciais e formas de sociabilidade religiosa.11 Michel Foucault12 afirma que dentre as práticas cotidianas da polícia inglesa nos séculos xiv, xv e xvi, a mais importante era a disciplinarização do espaço urbano, cujo objetivo era controlar a circulação de mercadorias e de pessoas. De certa forma, pode-se dizer que o clandestino é justamente aquele a quem foi negada a possibilidade de circular.

O lento processo de consolidação —séculos xivxix—dos Estados-Nação completou a estrutura de identificação e de controle da circulação, que foram especialmente importantes durante a época das grandes migrações (18701930). Fixando os direitos dos nacionais,13 os Estados estabelecem também os direitos e os limites de circulação dos não nacionais, e as condições gerais de entrada e saída em praticamente todos os países do mundo. De finais do século xix em diante, a circulação de indivíduos é documentada através da “invenção do passaporte” e dos vistos de permanência, de residência, de turismo, etc., consolidando definitivamente o estatuto jurídico internacional de cada cidadão. Nos eua foram criados ainda mecanismos de seleção de imigrantes com base em critérios educativos e geográficos.

No começo de 1917, o Congresso americano adota uma lei —e isso a despeito do veto sistemático do Presidente Wilson— que exclui os imigrantes adultos que tivessem fracassado no teste da alfabetização primária, o que teve por consequência afastar um número considerável de indivíduos originários de países europeus onde a escolarização não era uma prioridade. Além disso, a lei proibiu a entrada de pessoas originárias de uma “zona proibida” no Pacífico. (Torpey, 2000, p. 117, nossa tradução).14

A inclusão de novos mecanismos restritivos nas leis migratórias encontra seu lugar de execução exemplar, um misto de porta de entrada e espaço de triagem que funcionou entre 1892 e 1954, em Ellis Island, Museu da Imigração desde 1990. Nesse local, uma bateria de testes físicos, mentais e sanitários pretendiam assegurar a qualidade do imigrante que ingressava nos eua.15 A inclusão de mecanismos restritivos espalhou-se também para outros países americanos, do Caribe à Argentina, como mostramos mais tarde. Já na Europa, o caso da França,16 país imigrantista, é exemplar.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a escassez de mão de obra e a necessidade de reforçar as forças armadas através de novos contingentes provocaram um fluxo importante de estrangeiros. A partir da declaração de guerra, após o decreto de 2 de agosto de 1914, os estrangeiros residentes no território nacional são submetidos a ter consigo uma “permissão de residência” que eles devem solicitar às autoridades (About, 2007).

Estrangeiros, em cada um dos espaços onde circulam, passam a ser qualificados de ilegais (indocumentados ou clandestinos), a partir de critérios de nacionalidade, de entrada e/ou permanência nos espaços nacionais. A passagem do documentado ao indocumentado marca o nascimento da criminalização do ato de migrar.

Graças à instituição da obrigatoriedade da documentação, os deslocamentos passaram lentamente a ser um monopólio estatal, alienando os indivíduos de seus direitos de circulação. Estabeleceu-se assim o quadro social e legal para o surgimento do imigrante não documentado, ilegal ou clandestino. Estrangeiros, em cada um dos espaços onde circulam, passam a ser qualificados de ilegais (indocumentados ou clandestinos), a partir de critérios de nacionalidade e de entrada e/ou permanência nos espaços nacionais.

A passagem do estrangeiro documentado ao estrangeiro indocumentado marca também o nascimento da criminalização do ato de migrar. Além disso, surgem ali as bases para a formação tanto dos estudos migratórios e da sociologia da imigração, subcampo que se impôs nos eua no interior da chamada Escola de Chicago quanto dos estudos sobre clandestinos. Enquanto problemática de pesquisa, a sociologia da imigração clandestina surge nesse contexto preciso com foco i) naqueles que não deveriam migrar, chamados de ilegais ou clandestinos, e ii) nos procedimentos jurídico-burocráticos organizados pelos Estados nacionais ou blocos supranacionais, ou seja, nos processos de construção dos instrumentos legais de controle das migrações que, em sentido contrário, contribuem para a consolidação da soberania administrativa e política, nos planos nacional e internacional, dos Estados modernos. Em resumo, os imigrantes ilegais (ou indocumentados) são um subconjunto dos imigrantes em geral. Surgem entre fins do xix e início do século xx e são classificados à medida em que aumenta o controle fronteiriço e os mecanismos de seleção de imigrantes.

3. CLANDESTINOS: UMA CATEGORIA NA SOCIOLOGIA

O tema dos clandestinos, em sociologia, é relativamente novo. John Torpey17 reconstitui a gênese dos estudos que abordaram tanto o processo de regulamentação quanto o de identificação nos seguintes termos, indicando assim o surgimento desse novo subcampo de estudos no interior da sociologia:

Os sociólogos do Estado começaram a abordar recentemente de maneira mais adequada a forma pela qual os Estados constróem uma relação durável entre si e seus sujeitos/cidadãos para fazer progredir seus projetos. Essa preocupação foi particularmente preeminente nos trabalhos de Anthony Giddens. Em seu estudo remarcável, O Estado-nação e a violência, Giddens deu grande atenção ao papel crescente da vigilância no desenvolvimento da “regra direta”. Ele observou que contrariamente aos “Estados tradicionais”, os Estados modernos pressupõem uma administração regularizada e que uma grande parte da capacidade administrativa necessária aos Estados modernos está enraízada na escritura. É pelos documentos escritos — tais como os documentos de identidade — que se efetua a maior parte da vigilância imposta pela administração dos Estados modernos [ ] (Torpey, 2000, p. 15).

Leo Lucassen18 afirma que, ao final da Primeira Guerra Mundial, o controle da circulação de estrangeiros tem seu foco voltado principalmente para o mercado de trabalho. Pela primeira vez na história os Estados, preocupados com os trabalhadores nacionais e com os contingentes de estrangeiros desempregados em seus territórios, passam a controlar e regular entradas e o acesso ao mercado de trabalho, normatizando inclusive formas de expulsão em casos de crimes comuns ou de greves de trabalhadores.

Pode-se definir inicialmente o clandestino como aquele aquele cidadão que entra em outro país de forma voluntária e que, ao não se apresentar aos órgãos responsáveis, viola a lei de migração daquele país. Regra geral, três situações19 definem o imigrante clandestino. Em primeiro lugar, temos aquele imigrante que se furtou ao controle fronteiriço e entrou clandestino em um país qualquer.20 Em segundo lugar, temos aquele estrangeiro que atravessou legalmente a fronteira, mas que prolongou sua permanência para além do tempo que lhe foi concedido. Em terceiro lugar, temos aquele estrangeiro que trabalha sem ter a permissão legal de fazê-lo. Trata-se aqui de um trabalhador ilegal, muitas vezes também chamado de clandestino.

A partir dos anos 1930, das três situações acima, especialmente na Europa, a clandestinidade era menos um problema fronteiriço do que de mercado de trabalho preferencialmente reservado aos nacionais.21 Mesmo assim, a presença do trabalhador clandestino não era considerada um problema, antes uma solução. Segundo avaliação feita ainda nos anos 1960, “[ ] dentre os 250.000 postos de trabalho na agricultura na Califórnia, ao menos 20% estavam ocupados por imigrantes clandestinos”.22

Ao final dos anos 1990 nos Estados Unidos, porém, uma mudança significativa ocorreu. Com a adoção de novos dispositivos legais, a imigração clandestina, ou seja, a entrada ilegal em um país terceiro, tornou-se um ato criminoso. A distância entre o imigrante ilegal (ou clandestino) e o criminoso tornou-se assim mais tênue. Analisando os imigrantes mexicanos nos Estados Unidos que se tornaram “criminosos” após a promulgação da lei sb 1070 no Estado do Arizona, Philippe Schaffhauser23 afirma:

Além disso, a criminalização de sua situação enquanto clandestino coloca-se com muita mais acuidade nos Estados de direito uma vez que ele é acusado, no fundo, de um crime sem vítima. Os acusadores são obrigados a tesouros de engenhosidade ou muita imaginação para construir um argumento visando justificar o caráter criminoso da migração clandestina, para construir assim o elo lógico e retórico entre um ato e sua sanção (Schaffhauser, 2011, p. 4).

O procedimento de criminalização desconsiderou o fato de que parte do mercado de trabalho norte-americano era ocupado por imigrantes clandestinos cujos salários eram inferiores àqueles dos trabalhadores nacionais. Daniel Veron24 afirma que a imigração clandestina contribui para desenhar uma cartografia econômico-administrativa do Estado, com seus centros de detenção, dados biométricos, normativas, estruturas jurídicas, entre outros. De certa forma, assim como ocorreu na época das grandes migrações, o clandestino atual produz involuntariamente mais Estado, mais controle e mais atividade econômica e, ao contrário do que se poderia imaginar, mais estereótipos, mais sensação de insegurança e menos integração.

As questões administrativa e criminal não eliminam outras dimensões da imigração clandestina. Em muitos casos, ela é considerada como um movimento de massa ou uma realidade incontornável (harraga),25 atraindo tanto trabalhadores desempregados quanto jovens escolarizados de setores médios tributários de uma grande “frustração social e política”, como é o caso dos norte-africanos que se misturam aos harraga e se dirigem atualmente à Europa.26 Por outro lado, há que se considerar a experiência do migrante clandestino. Muitas vezes, ela é descrita como individual e heróica, numa luta em meio aos coyotes e agenciadores ilegais, ou às forças policiais do Estado.27 De forma ambígua, portanto, podemos estar diante de uma experiencia emancipatória, no caso das mulheres estudadas por Letitia Trifanescu,28 mas também de um novo tipo de tráfico humano.

Resumindo, o fenômeno da ilegalidade tem realidade e visibilidades próprias. Não obstante, seria exagero afirmar que a sociologia da imigração clandestina constitui um subcampo com problemáticas distintas daquelas encontradas em outras áreas. Seus objetos de estudo encontram-se tensionados por diversas problemáticas conhecidas, desde aquela que diz respeito ao indivíduo migrante, seus percursos (meios empregados) e processos integrativos, até aquela que relaciona os Estados e ao direito internacional, passando pelo debate de fundo sobre os procedimentos jurídicos e processos sociais de classificação e de identificação. Finalmente, desenvolveu-se nos últimos anos um debate sobre os novos meios empregados nos deslocamentos clandestinos. Dos aeroportos, vias férreas ou rodoviárias, passou-se às vias marítimas. Embarcações precárias e superlotadas despertaram a atenção de governantes e da mídia mundial após as mortes ocorridas nos deslocamentos de sírios e congoleses, dentro outros, em direção à Itália e à Grécia, desde meados de 2011.29

O Brasil, como de resto outros países latino-americanos, não conhece situações de imigrantes chegando em pequenos barcos. Contudo, nos últimos anos, a presença de clandestinos tem chamado a atenção do poder público que começam a se organizar e debater o assunto, como mostramos a seguir.

4. CLANDESTINOS NO BRASIL: UMA ANÁLISE DOS DADOS ENTRE 2006 E 2017

A imigração clandestina na América Latina não é nem um fenômeno antigo, nem recorrente. Ao contrário, a proporção de imigrantes, em países como Argentina ou Brasil vem permanecendo estável nas últimas, enquanto que apenas o número de imigrantes haitianos no Brasil é fenômeno realmente novo e demograficamente importante (Baeninger, 2017). De maneira geral, pode-se dizer que o clandestino na América Latina se define basicamente pelo status (legal ou ilegal) de seu registro no mercado de trabalho. Bolivianos ou haitianos no Brasil sem Carteira de Trabalho assinada, ou seja, trabalhando sem registro formal. Em qualquer um desses países-destino, é menos a entrada ou o status jurídico da permanência do que a condição de emprego informal que caracteriza o migrante, embora sua permanência no país esteja legalizada.

Não obstante a realidade acima, como vimos, o número de clandestinos no Brasil aumentou significativamente nos últimos 15 anos e, fenômeno ainda mais recente, a chegada de imigrantes ilegais em navios mercantes vem surpreendendo as autoridades portuárias.

A atual legislação migratória brasileira30 afirma em seu artigo terceiro que a política migratória brasileira rege-se pelos princípios da “não criminalização da imigração” e da “acolhida humanitária”, dentre outros. O artigo 62 afirma ainda que não se procederá a deportação, expatriação ou expulsão de qualquer indivíduo “quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá́ colocar em risco a vida ou a integridade pessoal”. O caso dos imigrantes clandestinos desembarcados em portos brasileiros diz respeito a essa situação. Trata-se de imigrantes ilegais que, voluntariamente, incorreram em crime. Porém, antes de analisarmos esses casos, cabem alguns esclarecimentos.

A Marinha do Brasil31 é o órgão responsável pela instauração de inquéritos administrativos Inquérito sobre Acidente ou Fato da Navegação (iafn) quando da ocorrência de imigrantes clandestinos em navios mercantes que ingressam em águas jurisdicionais brasileiras.32 Entretanto, por se tratar de caso envolvendo imigrante, também é instaurado um inquérito junto à Polícia Federal,33 órgão subordinado ao Ministério Extraordinário da Segurança Pública, responsável pelo controle de entrada e permanência de estrangeiros. É o citado ministério que permite a abertura de processo de repatriação ou, em casos específicos, de obtenção do direito de permanecer em território nacional como imigrante. Normalmente, as duas instituições, Marinha do Brasil e Polícia Federal, trabalham em conjunto, apesar do foco da investigação ser distinto. Enquanto a Marinha do Brasil investiga se houve risco à tripulação dos navios mercantes e falha na segurança [dos navios] que tenha ocasionado o ingresso dos imigrantes clandestinos dentro da embarcação, a Polícia Federal investiga se a integridade dos clandestinos foi mantida, qual o motivo de ingresso (ou seja, qual foi o fator que, no país de origem, causou a migração em condições precárias), e as formas de repatriação ou autorização para permanecer no território nacional. No caso dos inquéritos administrativos instaurados pela Marinha do Brasil (iafn), aguarda-se inicialmente a conclusão destes pela Capitania dos Portos do local em que o imigrante clandestino desembarcou. Em seguida, o inquérito é encaminhado para o Tribunal Marítimo (tm) e, se for o caso, é instaurado um processo.

Ademais, é importante lembrar que existem rotinas de inspeção nas embarcações. A Organização Marítima Internacional institui regulamentos internacionais, como a Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana no Mar, estabelecendo aí as diretrizes para proteger a vida dos trabalhadores do mar (aquaviários). Nessa convenção existe uma norma que atribui responsabilidade aos governos (no caso dos países signatários da convenção em que ocorre a movimentação portuária) de modo que sejam implementadas ações visando impedir o ingresso de clandestinos a bordo. A mesma convenção estabelece que, antes da saída de determinado porto, o comandante do navio mercante deve efetuar uma inspeção em toda a embarcação de modo a evitar passageiros clandestinos.34 Quando os passageiros clandestinos não são localizados nesta inspeção obrigatória,35 eles podem ser descobertos nas inspeções diárias realizadas pela tripulação ou ainda apresentarem-se voluntariamente, o que normalmente ocorre quando suas provisões se esgotam.

Vejamos agora os dados fornecidos pela Marinha do Brasil (Diretoria de Portos e Costa – dpc)36 sobre clandestinos encontrados em navios mercantes que atracaram em portos brasileiros durante o período de 2006-2017.

Tabela 1.
Número de navios provenientes de cada Porto de Origem transportando clandestinos.
Número de navios provenientes
de cada Porto de Origem transportando clandestinos.
dpc, 2017.

Tabela 2.
Número de clandestinos, por nacionalidade, que desembarcaram em portos nacionais entre 2006-2017.
Número de clandestinos, por
nacionalidade, que desembarcaram em portos nacionais entre 2006-2017.
dpc, 2017.

Tabela 3.
Número de clandestinos desembarcados, por estado ou cidade.
Número de clandestinos
desembarcados, por estado ou cidade.
dpc, 2017.

A tabela 1, denominada “Número de navios provenientes de cada Porto de Origem”, traz a indicação do porto no qual o navio mercante desatracou antes empreender a viagem internacional e adentrar em águas jurisdicionais brasileiras. É importante destacar que dentre os 234 Inquéritos de Acidentes ou Fato da Navegação (iafn) analisados (constantes no ofício dpc/2017, datado de 11 de julho de 2017), 121 deles, embora transportando clandestinos, ainda não haviam indicado a origem dos imigrantes clandestinos (tabela 1, penúltima linha). Contudo, percebe-se que dentre os 113 casos identificados, 99 clandestinos provinham de algum país africano, demonstrando forte concentração nessa origem.

Em relação à nacionalidade dos imigrantes clandestinos, verifica-se uma forte concentração de africanos oriundos do Golfo da Guiné, região conhecida, segundo Baptista e Zucatto (2014), pela pirataria marítima. São eles: 63 nigerianos, 28 camaroneses, 25 ganeenses e 19 guineanos, correspondendo a

56.96 % do total de imigrantes.

A tabela 2, “Número de clandestinos, por nacionalidade, que desembarcaram em portos nacionais entre 2006-2017” apresenta dado compatível com a tabela 1. Embora nem sempre seja possível confirmar a nacionalidade dos clandestinos, mormente por falta de documentos de identidade, dentre os 224 casos conhecidos (10 estavam em andamento), 206 clandestinos têm nacionalidade africana. Em consequência, pode-se concluir que a migração clandestina via marítima para o Brasil é essencialmente de origem africana.

Finalmente, a tabela 3, “Número de clandestinos (considerando todas as nacionalidades de clandestinos) desembarcados no estado/cidade de destino”, indica a quantidade de embarcações (com clandestinos a bordo) que chegaram em cada estado brasileiro (cidade de destino). Assim, no período em tela, chegaram ao Estado do Espírito Santo um total de 28 clandestinos por via marítima. Entretanto, por falta de dados, não foi possível correlacionar o porto de origem (tabela 1), com a nacionalidade do clandestino, tabela 2. Nem tão pouco foi possível correlacionar a nacionalidade do clandestino, tabela 2, com o porto de destino, tabela 3. A análise dos dados restringiu-se à sistematização global dos dados, para se ter uma visão geral da imigração clandestina existente no ocorrida no Brasil, no período de estudo, tendo como foco a rota marítima. Em síntese, pode-se dizer que os portos de origem restringem-se a 19 localidades distintas, sendo que parcela significativa dos inquéritos analisados apontam como origem países do continente africano.

Note-se enfim que a tabela 2 apresenta casos em que há mais de um imigrante clandestino por embarcação e todos eles são relacionados à mesma nacionalidade, como mostramos nos quadros abaixo, para o ano de 2016.

Ano de ocorrência 2016
Ano de ocorrência 2016
DPC, 2017, p. 01-02

5. CLANDESTINOS DESEMBARCADOS EM PARANAGUÁ ou COMO IMIGRANTES CLANDESTINOS DESAPARECEM EM TRAVESSIAS MARÍTIMAS

Nessa última seção, analisamos, ainda que brevemente, uma das situações mais surpreendentes em relação ao clandestino marítimo. Trata-se do seu “desaparecimento”, ou seja, uma vez descoberto no navio esse imigrante não é desembarcado em nenhum porto. Como explicar isso? Para efeitos de nossa análise, decidimos trabalhar com dois casos que estão, de certa forma, conectados. A relação entre os casos explica, em certa medida, porque esses clandestinos dificilmente aparecem nas estatísticas oficiais. Dito de outro modo, analisando esses casos acreditamos a migração clandestina em embarcações mercantes pode ser maior do que os dados revelam, como mostramos abaixo.

Ademais, é importante esclarecer que, aparentemente, há um sistema informal no qual os trabalhadores dos portos de origem auxiliam o ingresso de imigrantes clandestinos a bordo e, para não serem descobertos, eles escondem-se nos locais mais inusitados e perigosos, como na escotilha do porão num. 1, demonstrado acima).

Caso A.

No dia 31 de dezembro de 2013, a Capitania dos Portos do Paraná tomou conhecimento da presença de três imigrantes clandestinos a bordo da embarcação NM Huangyan Spirit.37 Nesse momento, foi instaurado o Inquérito Administrativo (iafn num. 25/2013), posteriormente transformado no processo nº 29259/2014 do Tribunal Marítimo.

Os três imigrantes clandestinos —Steve Solomon Fokang Kamga, Martial Atchimela e Gaspari Stephane Minfack— declararam-se camaroneses e foram encontrados quando o navio se encontrava em águas internacionais.

Segundo depoimentos prestados, o navio havia deixado o porto de Douala (República dos Camarões) no dia 2 de setembro de 2013. Antes da partida da partida da embarcação, na inspeção de rotina realizada por membros da tripulação do navio, nenhum clandestino foi localizado. Contudo, no dia 3 de setembro de 2013, os três imigrantes foram encontrados.

Em depoimento no curso do inquérito administrativo (iafn núm. 25/2013), descobriu-se que Steve teve adentrou o navio com o auxílio de uma corda. Martial e Gaspari, por sua vez, passaram-se por estivadores que trabalhavam no navio e adentraram pela rampa principal. Após o acesso, os clandestinos esconderam-se no topo e no fosso dos guindastes. Os dois primeiros —Steve e Martial— foram encontrados no deck do convés principal, às seis horas da manhã de 03/09/2013. O último deles, Gaspari, foi encontrado às oito horas e trinta minutos da manhã no convés principal, atrás do guindaste número dois.

Caso B

Esse inquérito possui relação direta com o primeiro, como demonstramos a seguir. Em 10 de setembro de 2013, a mesma Capitania dos Portos tomou conhecimento de que havia um clandestino a bordo da embarcação nm vtc Tiger.38 Assim, foi instaurado o Inquérito Administrativo iafn num. 49/2013, posteriormente transformado no processo (Tribunal Marítimo) num. 28843/2014, atualmente arquivado.

Segundo depoimentos prestados, o navio nm vtc Tiger saiu do Porto de Douala (República dos Camarões) no dia 2 de setembro de 2013. Antes da partida, como procedimento de rotina, foi realizada inspeção por membros da tripulação do navio, não sendo nenhum passageiro clandestino encontrado. Após a saída do porto, no dia 3 de setembro, mais uma inspeção de rotina foi realizada, igualmente não sendo encontrado nenhum passageiro clandestino. Apenas no dia 6 de setembro de 2013, por volta das duas horas da madrugada, um marinheiro de convés encontrou um passageiro clandestino, a bordo do mv vtc Tiger, quando o mesmo buscava alimentos. Descoberto, o passageiro clandestino foi conduzido a um camarote, e passou a receber água e alimentação todos os dias. Segundo o Inquérito, no dia 10 de setembro de 2013, por volta das oito e trinta da manhã, e apenas na presença do Imediato da embarcação (segunda pessoa na escala de comando), o citado passageiro teria se jogado no mar. Sob ordens do comandante da embarcação, o navio mv vtc Tiger acionou os procedimentos de busca de homem ao mar (tentativa de localização do citado passageiro) que, no entanto, revelaram-se infrutíferas.

Tal como no caso anterior, a presença de um imigrante clandestino no navio revela que existiram falhas nos procedimentos de prevenção de passageiros clandestinos tanto no porto de Douala e como também no navio mv vtc Tiger.

Casos A e B: algumas evidências e semelhanças

Analisando os dois casos, percebe-se que estão interligados, não apenas pelos portos de embarque e nacionalidade dos imigrantes clandestinos, como também por seu modus operandi. Nos depoimentos colhidos, fica claro que os clandestinos desses dois casos se conheciam previamente e podem ter preparado conjuntamente seus percursos migratórios.

Quando os três primeiros imigrantes —Steve Solomon Fokang Kamga, Martial Atchimela e Gaspari Stephane Minfack— foram interceptados, imediatamente indagaram sobre seu colega Nsangue Njoh Alain, um camaronês (sexo masculino, de aproximadamente 1,75 m de altura; 65 quilos; negro, cabelos curtos) que teria embarcado no navio mv vtc Tiger.

Fazendo uma leitura do inquérito (Caso B), há descrição de que o passageiro clandestino Nsangue Njoh Alain teria se jogado no mar, conforme declaração do Comandante e do Imediato daquele navio. As informações sobre esse passageiro clandestino (Caso B) são apresentadas pelos imigrantes clandestinos do navio anterior39, ou seja, pelos passageiros clandestinos encontrados no navio do nm Huangyan Spirit (Caso A), Steve Solomon Fokang Kamga e Gapaspari Stephane Minfack. Note-se que foram esses imigrantes clandestinos que indicaram o nome do passageiro clandestino que teria se atirado ao mar (Caso B).

Nos depoimentos constantes no Caso B (Inquérito Administrativo instaurado pela Marinha do Brasil IAFN num. 49/2013, Navio Mercante vtc Tiger), consta descrição de que no dia 10 de setembro de 2013, por volta das oito e trinta da manhã, quando o Imediato do navio teria ido alimentar Nsangue Njoh Alain, este teria saído correndo e teria jogado em alto mar, num ato que pode ser descrito como desesperado ou mesmo de suicídio. As testemunhas, Steve Solomon Fokang Kamga e Gapaspari Stephane Minfack (passageiros clandestinos do Caso A), afirmaram que Nsangue Njoh Alain não tinha razões para fazer tal ato, pois possuía família (esposa e dois filhos) em sua cidade natal, e era uma pessoa pacífica e sensata. Gaspari declarou ainda que ele e Nsangue Njoh Alain eram amigos e haviam dividido moradia durante determinado período em seu país de origem (República dos Camarões).

O depoimento de Gaspari é coerente com determinados fatos. O navio estava no meio do oceano Atlântico, vindo em direção ao porto de Paranaguá, sem embarcações próximas. O passageiro clandestino estava em uma cabine e sendo alimentado. Por que então teria saído correndo para se jogar ao mar? Seria possível pensar que algum tripulante ou comandante do navio teria interesse nesse ato? Apesar das muitas interrogações possíveis, o Inquérito revelou-se inconclusivo. Não ficou demonstrado a tentativa de suicídio, e não se chegou em nenhuma outra hipótese como, por exemplo, um homicídio.

A relevância dos casos trazidos consiste em demonstrar dois pontos. Primeiro, existe uma organização informal nos portos de origem a facilitar o ingresso dos imigrantes nos navios escolhidos. Segundo, no caso das imigrações clandestinas a bordo de navios mercantes, existem situações, descritas nos inquéritos oficiais (como o desaparecimento de passageiros clandestinos) que não estão tendo a devida atenção e, assim, não são objeto de novas investigações. Por fim, a presença dos três imigrantes clandestinos nos navios em questão revela que as falhas nos procedimentos de prevenção de passageiros clandestinos do porto de Douala (República dos Camarões) podem ter relação com a existência de organizações que estariam facilitando o embarque clandestino. A economia da migração clandestina sendo justamente a junção informal desses interesses diversos e não necessariamente concertados.

Lembremos assim que o objetivo de um inquérito administrativo é tão somente apurar as causas e responsabilidades sobre um acidente e fato da navegação, buscando encontrar meios de aumentar a segurança para o setor de transportes aquaviários. As causas sociais, econômicas ou políticas que estão na origem da migração clandestina não são aí analisadas. Tudo se resume a buscar procedimentos que podem ser melhorados para aumentar a segurança dos trabalhadores aquaviários e do comércio marítimo como um todo.40 Apesar disso, as autoridades brasileiras das Capitanias dos Portos têm conhecimento da existência de uma espécie de “organização informal”, atuando nos portos africanos. Alguns elementos revelam isso. Sabe-se, por exemplo, que há procedimentos básicos nesse tipo de migração clandestina, como 1) a compra de roupa idênticas à dos funcionários do porto; 2) a consulta ao sítio da internet: http://www.marinetraffic.com/, onde os candidatos à migração clandestina podem obter informação sobre o destino dos navios escolhidos; 3) a preparação coletiva da ação de embarque clandestino.41 Por mais que existam relatos nos inquéritos instaurados deste tipo de “organização informal”, isso não é considerado quando de uma análise mais geral da situação de migrantes clandestinos. Do mesmo modo, o desaparecimento de um imigrante clandestino, ainda que revelando problemas de segurança marítima, também não torna-se objeto de interesse nos inquéritos instaurados,42 o que se revela, no mínimo, incoerente com o objetivo de proteger os aquaviários.

A migração clandestina tem aumentado e revelado novas dimensões no interior das migrações internacionais. Aparentemente, estamos diante de organizações clandestinas que, ao permitem e/ou facilitar essas atividades, impulsionam práticas econômicas informais e/ou ilegais. É de se pensar que existam interesses econômicos no agenciamento dos percursos migratórias que grupos ou pessoas funcionem como coyotes, exatamente como ocorre na migração clandestina do México para os Estados Unidos. Dito de outro modo, há indícios que revelam uma “economia da migração clandestina” através de embarcações mercantes, impulsionada pelo aumento do comércio marítimo internacional. Note-se enfim que essa economia clandestina parece produzir um efeito na sociedade de origem através do reconhecimento social e simbólico que o migrante encontra em seus pares, familiares ou amigos. De certo modo, alguns clandestinos encaram estas viagens como profissão, pois, ao retornarem para seus países de origem, são reconhecidos por sua coragem, espécie de capital simbólico que pode ser transformado em capital econômico. Além disso, retornam com roupas novas e, em alguns casos, com recursos financeiros (dinheiro dos governos que os deportam como no Brasil), num movimento inverso ao descrito por Abdelmalek Sayad,43 ou seja, no lugar de uma “dupla ausência”, estaríamos diante de uma “dupla presença”.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme trazido acima, da análise dos dados fornecidos pela Marinha do Brasil Diretoria de Portos e Costas, em especial o ofício-carta do dpc/2017 de 11 de julho de 2017, não há informações sobre a presença ou número de imigrantes clandestinos que conseguem ingressar em território nacional, por via marítima, sendo descobertos em outros momentos e localidades ou “sem serem descobertos”. Supõe-se, contudo, que existam muitos outros. Entretanto, a implementação em portos nacionais do Código Internacional para Segurança de Navios e Instalações Portuárias (isps Code) tornou muito difícil ao imigrante passar pelo controle de acessos sem ser identificado. Teria ele que sair do navio mercante antes da atracação do navio; ou então, o passageiro clandestino necessitaria de auxílio para passar pelo rígido controle existente atualmente em portos nacionais.

O caso analisado, por sua vez, que indica o falecimento de um passageiro clandestino em rotas marítimas, é um forte indício de que existem outros casos de “desaparecimento” de pessoas em navios mercantes. Entretanto, estes “desaparecimentos”, por óbvio, não constam em estatísticas oficiais.

Outro dado relevante da análise do ofício-carta citado diz respeito aos portos de origem se restringirem a 19 localidades, sendo que parcela significativa dos inquéritos analisados apontam como origem apenas alguns países do continente africano. Mais especificamente, em relação à nacionalidade dos imigrantes clandestinos, verifica-se uma forte concentração de africanos oriundos do Golfo da Guiné, região conhecida pela pirataria marítima, conforme acima comentado. Assim, convidamos o leitor a refletir sobre a necessidade de aprofundamento das pesquisas no sentido de correlacionar as peculiaridades dos locais de origem e/ou a nacionalidade dos passageiros clandestinos às rotas marítimas existentes, de modo a aprofundar os estudos sobre migrações, contribuindo, assim para uma melhor compreensão do fenômeno.

Seja como for, a migração clandestina revela um traço marcante: trata-se do último recurso, o mais arriscado e aquele que mais chance de insucesso apresenta. Sua existência, portanto, parece estar menos ligada ao sucesso da empreitada do que a “economia da migração clandestina” e ao capital simbólico a ser conquistado pelo migrante. De forma geral, os migrantes clandestinos evidenciam um aspecto essencial no fenômeno das migrações: a mobilidade e seus benefícios apresenta-se como objetivo imediato. Dito de outro modo, o migrante clandestino não busca integrar-se no porto de destino nem construir nova vida. A cladestinidade é, em si mesma, um modo de vida tanto para os clandestinos quanto para aqueles que, nos portos de origem, trabalham para que ela ocorra. O desaparecimento de imigrantes apresenta-se assim como funcional a essa economia clandestina, uma vez que os custos de organização da viagem movimentam a economia nos portos de origem, não apresentando nenhuma relação com as embarcações mercantes. Ao contrário, o desaparecimento de clandestinos seria conveniente, não atrasaria a nova viagem nem submeteria a empresa marítima a nenhum constrangimento de ordem legal ou econômica.

Um último aspecto deve ser destacado: o novo papel de alguns portos de países latino-americanos como destinos privilegiados. O maior controle das fronteiras na Europa parece indicar aos novos migrantes, clandestinos ou não, outras destinações e vias menos controladas, em especial quando comparadadas aos aeroportos. Nos anos vindouros, as mais importantes economias da América do Sul e seus portos, muito provavelmente, verão aumentar seu número de clandestinos marítimos.

Agradecimentos

Agradecemos aqui ao contra-almirante José Luiz Ribeiro Filho, superintendente de Segurança do Tráfego Aquaviária, Diretoria de Portos e Costas, Marinha do Brasil, pelas informações, sobre inquéritos envolvendo clandestinos, utilizadas nesse trabalho.

Referências

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Notas

1 O controle das fronteiras comunitárias tornou-se ainda um dos principais temas no bojo das últimas disputas político-eleitorais europeias. Os partidos de direita e de extrema-direita aproximaram seus discursos e mostraram-se favoráveis ao fechamento das fronteiras aos imigrantes e/ou à expulsão dos que já adentraram a Europa.
3 Wenden, Catherine Withol de, La question migratoire au Ie siècle xx, Paris, SciencesPo Les Presses, 2013; Wu-Tiu-Yen, Nadia, L—immigration clandestine à Mayotte: un phénomène révélateur de l’incidence des changements climatiques sur la sécurité humaine?», Vertigo La Revue Électronique en Sciences de L’environnement, Hors-série num. 21, 2015. Disponível em: http://www.vertigo.revues.org/15798. Consulta 26 setembro de 2017.
4 A título de de exemplo, no último dia 18 de junho de 2018, 192 países ratificaram o texto da onu asseegurou direitos básicos aos migrantes, mesmo em situação ilegal, sem o apoio dos eua, para o qual o texto feria sua soberania. Para maiores detalhes. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/07/eua-sao-unico-pais-a-ficar-de-fora-em-pacto-global-da-onu-para-migrantes.shtml.
5 Os autores, em artigo publicados simultaneamente nos jornais New York Times e Estado de São Paulo, afirmam que de 2007 a 2014, mais imigrantes tornaram-se ilegais nos eua por terem permanecido naquele país após a expiração dos vistos temporários do que aqueles que se tornaram ilegais cruzando a fronteira. Davis, Kenan; Patael, Jugal K. e Yee, Vivian, A realidade sobre a imigração ilegal nos eua, Estado de São Paulo/The New York Times. Disponível em: http://internacional.estadao.com.br/noticias/gerala-realidade-sobre-a-imigracao-ilegal-nos-eua70001690308.
7 Informação constante na List of 11 105 documented refugee deaths through Fortress Europe, 6 mai 2008.
11 Gonzales-Bernardo, Pilar; Martini, Manuela; Pellus-Kaplan, Marie-Louise, Étrangers et sociétés. Représentaions, coexistances, interactions dans la longue durée, Rennes, Presses Universitaires de Rennes, 2009.
12 Foucault, Michel, Sécurité, territoires, populations. Cours au Collège de France 1977-1978, Paris, Du Seuil/ehess, 2004.
13 O historiador francês Gerard Noiriel sintetizou essa questão através da expressão “revolução identificatória” que, abrindo o largo capítulo do direito de asilo na Europa, fixou ao mesmo tempo o que ele denomina de “tirania do nacional”. Noiriel, Gérard, L—immigration: naissance d—un «problème» (1881-1883), Agone, num. 40, pp. 15-40.
14 Torpey, Jonh, The invention the Passeport. Surveillance, Citizenship and the State, Cambridge, Cambridge University Press, 2000, pp. 117.
15 Cannato, Vicent J., American Passage: The History of Ellis Island, Auckland, London, New Delhi, New York, Sydnei, Tokio. Toronto, Harper Perennial, 2010.
16 Porém além dos eua, foram numerosas também as formas de controle na Europa, em especial na França, país que, à época, mais recebeu imigrantes naquele continente. Ver: Philippe Rygiel, Le temps des migrations blanches. Migrer en occident (1840-1940), Montreuil, Aux Lieux d—être, 2007.
17 Torpey, Jonh, The invention the Passeport. Surveillance, Citizenship and the State, Cambridge, Cambridge University Press, 2000.
18 Lucassen, Leo, The Great War and The End of Free Migration in Western Europe and The United States: Explanations and Refutations, in Boecker, Anita (ed by), Regulation of Migration: International Experiences, Amsterdam, Het Spinhuis, 1998, pp. 45-72.
19 O imigrante judeu que entrou clandestinamente em vários países do mundo durante a Segunda Guerra Mundial configura uma quarta situação que, contudo, foge ao escopo deste trabalho. Para maiores detalhes, ver: Ben Khalifa, Riadh, L—Italie fasciste et l—émigration clandestine des réfugiés juifs en France (1939-1940), Revue européenne des migrations internationales, vol. 27, num. 3, pp. 165-176.
20 Saliente-se, contudo, que mesmo a entrada ilegal poderia ser legalizada posteriormente.
21 Houdaille, Jacques y Sauvy, Alfred, L’immigration clandestine dans le monde, Population, ano 29, num. 4-5, pp. 725-742.
22 Houdaille, Jacques y Sauvy, Alfred, L’immigration clandestine dans le monde, op. cit., pp. 736.
23 Schaffhauser, Philippe, La migration clandestine mexicaine comme un crime: commentaires sur quelques effets de la loi SB. 1070 de l—État de l—Arizona, Amnis, num. 10, p. 4.
24 Veron, Daniel, Cartographie de la frontière et topographie clandestine. Hommes et migrations, 2013. Disponível em: http://www.hommesmigrations.revues.org/2630. Consulta: 26 de setembro de 2017.
25 Termo árabe corrente na Argélia utilizado para descrever norte-africanos que tentam chegar, em barcos de fortuna, ilegalmente à Europa. Literalmente, significa “aqueles que queimam”, no caso, as fronteiras.
26 Hadif, Zied. L—épopée «des clandestins», Conserveries mémorielles, num. 13. Disponível em http://www.cm.revues.org/1318. Consulta: 26 de setembro de 2017.
27 Em estudo específico, Schurmans (2014) afirma que o tema do migrante clandestino se tornou um sub-gênero das produções cinematográficas, onde o tema da mulher escravizada sexualmente foi particularmente trabalhado (Garraio, 2011). Ver Schurmans, Fabrice, A representação do migrante clandestino no cinema contemporâneo: Efeitos e cenas de fronteira, Revista Crítica de Ciências Sociais, num. 105, pp. 93-112; Garraio, Júlia, Prostituição forçada de migrantes de Leste no cinema europeu contemporâneo”, e-cadernos ces, num. 14, pp. 77-102. Disponível em: http://www.eces.revues.org/897. Consulta: 14 de maio de 2018.
28 Trifanescu, Letitia, Processus d—émancipation et mise en récit de l—expérience migratoire clandestine, Recherches & éducations, num. 16, pp. 141-153.
29 Com efeito, não há praticamente um dia em que a imprensa mundial divulgue cenas de migrantes desembarcando em países europeus ou morrendo na tentativa de fazê-lo.
30 Lei Federal num. 13.445, de 24 de maio de 2017, que institui a chamada Lei da Migração.
31 Por disposição legal, a Marinha do Brasil é responsável pela segurança do tráfego aquaviário, pela prevenção da poluição hídrica e pela salvaguarda da vida humana no mar (nos termos do artigo 17, da Lei Complementar num. 17/1999).
33 Para maiores detalhes, ver o sítio: http://www.pf.gov.br.
34 Convenção sobre Facilitação do Tráfego Marítimo Internacional, 1965. Pretenso-Clandestino. Uma pessoa que esteja escondida em um navio, ou numa carga posteriormente embarcada no navio, sem o consentimento do armador, do comandante ou de qualquer outra pessoa responsável, e que seja descoberta a bordo do navio antes que ele tenha saído do porto. Clandestino. Uma pessoa que esteja escondida em um navio ou numa carga posteriormente embarcada no navio, sem o consentimento do armador, do comandante ou de qualquer outra pessoa responsável, e que seja descoberta a bordo do navio depois que ele tenha saído do porto ou na carga enquanto ela estiver sendo descarregada no porto de chegada, e que seja informada como um clandestino pelo comandante às autoridades competentes.
35 No ofício onde consta “águas internacionais” significa que os imigrantes clandestinos foram descobertos enquanto o navio estava navegando em “águas internacionais”, tendo sido entregues às autoridades brasileiras porque foi o primeiro país de atracação seja porque estavam a caminho do Brasil, seja ainda porque decidiram desviar sua rota para entregar um imigrante clandestino que havia sido encontrado a bordo.
36 Estes dados foram obtidos, a nosso pedito, junto a Diretoria de Portos e Costas, através de correspondência datada de 11 de julho de 2017, pelo Contra-Almirante José Luiz Ribeiro Filho.
37 Dados da embarcação: Embarcação nm huangyan Spirit; Bandeira Libéria; Porto de Inscrição Monróvia; Atividade Carga a granel; Proprietário Hongxin Prosperity Shipping Company Limited; e num. imo 9595369.
38 Dados da embarcação: nm vtc tiger; Bandeira Vietnam; Porto de Instrução Saigon, Atividade Carga a granel; Armador viet nam sea transport and chartering jsc; e num. imo 9180009.
39 Normalmente, os próprios tripulantes são testemunhas nos inquéritos. No caso em tela, o fato inusitado diz respeito às testemunhas externas aos membros da tripulação do navio mv vtc Tiger, no caso, os passageiros clandestinos descritos no Caso A.
40 Esses inquéritos são disciplinados pelas “Normas da Autoridade Marítima para Inquérito Administrativos sobre Acidentes e Fatos da Navegação (iafn) e para a Investigação de Segurança dos Acidentes e Incidentes Marítimos (isaim)”, normam-09/dpc, emitida pela Marinha do Brasil. Note-se um dos casos considerados fatos da navegação: “5) todos os fatos que prejudiquem ou ponham em risco a incolumidade e segurança da embarcação, as vidas e fazendas de bordo (como o caso da presença de clandestino a bordo)”. Significa dizer que a preocupação da Autoridade Marítima é a preservação da incolumidade e segurança da embarcação, da vida dos aquaviários e das “fazendas de bordo”. Disponível em: https://www.dpc.mar.mil.br/sites/default/files/normam09.pdf.
41 Além disso, informações obtidas no Inquérito Administrativo (Caso A) revelam ainda que essas práticas ocorrem também em portos da Nigéria. Os clandestinos que obtém sucesso informam aos seus conhecidos, nos próprios países de origem, que estão trabalhando em outro país.
42 Sobre este ponto, esclarece-se que, quando da instauração de um inquérito, uma das perguntas é se há vítimas. O objetivo do inquérito é saber se tais vítimas decorreram de má utilização de materiais de bordo, ou se houve falha nos procedimentos de navegação, visando sempre salvaguardar a integridade física dos homens que trabalham no mar.
43 Abdelmalek, Sayad, La double abscence, Paris, Seuil, 1999.
* Artículo de investigación. Recibido el 5 de agosto de 2018. Aceptado el 27 de noviembre de 2018. TLA-MELAUA, Revista de Ciencias Sociales. Facultad de Derecho y Ciencias Sociales. Benemérita Universidad Autónoma de Puebla, México / E-ISSN: 2594-0716 / Nueva época año 13, Suplemento Especial de Invierno (diciembre 2019 – marzo 2020), pp. 184-207.
32 Assim, é sua Diretoria especializada em questões afetas à segurança do tráfego aquaviário, a Diretoria de Portos e Costas dpc, que possui tais dados.
2 O caso dos imigrantes ilegais nos eua, ainda que histórico, é emblemático. Estima-se em 11 milhões o número de clandestinos (o México surge em primeiro lugar, tendo produzido 6.2 milhões desse total) residindo e trabalhando em restaurantes, arranha-céus, dentre outros, ou ainda encarcerados em centros de detenção.
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