Artigos

ARTICULAÇÕES ENTRE A ETNOBOTÂNICA E OS CONHECIMENTOS DA DISCIPLINA CIÊNCIAS DA NATUREZA

THE ARTICULATIONS BETWEEN ETHNOBOTANICS AND KNOWLEDGE OF THE DISCIPLINE NATURAL SCIENCES

Margô De David
Universidade Federal de Mato Grosso , Brasil
Maria Corette Pasa
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 5, núm. 2, 2017

revistareamec@gmail.com

Recepção: 19 Setembro 2017

Aprovação: 15 Novembro 2017



DOI: https://doi.org/10.26571/2318-6674.a2017.v5.n2.p249-264.i5625

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Resumo: O presente trabalho visa ressaltar as articulações cognitivas entre as áreas das Ciências da Natureza e a Etnobotânica no cenário educacional do ensino de Ciências no Brasil. A proposta metodológica partiu do conhecimento dos alunos e se estendeu aos familiares, que manifestaram diferentes categorias de usos das plantas, oriundas do conhecimento e cultura, reforçando a proposta de trazer a diversidade cultural e ambiental para dentro do currículo escolar.

Palavras-chave: Etnocategorias, Escola, Interdisciplinaridade, Várzea Grande, Mato Grosso.

Abstract: The present work aims to highlight the cognitive articulations between the areas of Natural Sciences and Ethnobotany in the educational scenario of Science teaching in Brazil. The methodological proposal came from the students' knowledge and extended to the families, who expressed different categories of uses of the plants, derived from knowledge and culture, reinforcing the proposal to bring cultural and environmental diversity into the school curriculum.

Keywords: Ethnocategories, School, Interdisciplinarity, Várzea Grande, Mato Grosso.

1. INTRODUÇÃO

A educação é o conjunto de atividades que busca transmitir conhecimentos teóricos e práticos, de forma sistemática (BRASIL, 2001). É um processo de humanização, interminável, que transcorre em ambientes e situações variadas e está relacionado à aquisição e articulação de conhecimentos empíricos e científicos, que pode ser compreendido como uma reorganização, incorporação e criação do conhecimento (RODRIGUEZ et al, 2007).

No ensino fundamental, a área de Ciências da Natureza tem por objetivo contribuir para que o estudante apreenda o mundo e suas transformações, situando-o como sujeito participante e componente integrante do Universo (BRASIL, 1998). Isso se torna possível a partir da utilização de conteúdos que possibilitam o contato do aluno com explicações científicas sobre o ambiente, os fenômenos da natureza, as transformações produzidas pelo homem e o reconhecimento das relações entre os seres vivos (LUDKE; ANDRÉ, 1996).

Os conhecimentos ou as representações construídas pelos indivíduos de uma sociedade são os conhecimentos derivados da primeira leitura de mundo por parte dos indivíduos, e da necessidade que os indivíduos têm de responder e resolver os problemas do cotidiano. Esses conhecimentos são passados de geração em geração, através da oralidade e do fazer, caracterizado como não sistemático (FLORENTINO, 2004).

A partir dos anos 70 destaca-se a importância de se valorizar ideias levadas pelas crianças para a sala de aula como base para o desenvolvimento de trabalhos que tinham como foco a utilidade das concepções dos educandos e seus saberes populares (MORTIMER, 1996).

A explicação da natureza através do ensino de Ciências da Natureza, no contexto dos sistemas educacionais brasileiros deve ser exercido entre saberes tradicionais ou locais e conhecimentos científicos, como forma de produzir conhecimentos e reforçando a produção de um currículo que nos proporcione espaço para envolver a interdisciplinaridade entre ciências, em especial e etnobotânica, que trata da relação do ser humano com as plantas que fazem parte da natureza.

Sendo a etnobotânica uma etnociência é possível admitir que o conhecimento é um processo dinâmico ao longo do tempo e que nos permite conhecer a interação entre natureza e o uso das plantas por comunidades tradicionais ou locais. Através do cotidiano das pessoas é possível estudar o ambiente, no que diz respeito à sustentabilidade e conservação da natureza, levando em conta a diversidade cultural que envolve as comunidades humanas. Esta diversidade de conhecimentos, emitidos culturalmente, refletem a construção histórica, social e cultural de aspectos que buscam identidades nas distintas realidades, através da organização espacial e temporal em seu cotidiano.

Através do estudo das Disciplinas Escolares e suas interfaces, o trabalho visa reforçar a importância da articulação cognitiva entre o ensino de Ciências da Natureza e os saberes etnobotânicos populares emitidos por estudantes e familiares no currículo de Ciências Naturais.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. Área de Estudo

O presente trabalho foi desenvolvido com alunos da Escola Estadual Professor Jercy Jacob localizada no bairro Água Vermelha no município de Várzea Grande, Mato Grosso (Figura 1). Posteriormente, foi estendido à comunidade escolar (familiares), moradores de quatro bairros da cidade: Água Vermelha, Bonsucesso, Cristo Rei e Santa Isabel.

Localização da Escola Estadual Professor Jercy Jacob, Várzea Grande – MT
Figura 1
Localização da Escola Estadual Professor Jercy Jacob, Várzea Grande – MT
Fonte: Google Maps (2016)

2.2. Metodologia

A metodologia em Etnobotânica modifica o foco da sala de aula do professor para o aluno, da informação para o conhecimento, da memorização para a aprendizagem. Equilibra teoria e prática, divide responsabilidade e tarefas, comunica e discute resultados e soluções de problemas. Trabalhos com Etnobotânica buscam mais que romper com as velhas aulas expositivas, unilaterais e pobres de estímulos: propõe um envolvimento da comunidade escolar e familiares com o conhecimento. É necessário avançar para novas formas de ensinar e aprender.

Durante as aulas de Ciências foi realizada uma explanação sobre a proposta da pesquisa e a relação que teria com a disciplina em questão, já que a abordagem principal seria sobre as plantas presentes nos quintais das residências.

Os alunos receberam um questionário que foi aplicado em sala de aula e, posteriormente, levado para casa para ser respondido junto com os pais. Desta forma, após o retorno dos questionários, evidenciou-se que eles residiam em bairros distintos. A partir deste resultado, optou-se por selecionar quatro bairros (Água Vermelha, Bonsucesso, Cristo Rei e Santa Isabel) para dar continuidade à pesquisa e realizar as entrevistas.

O contato com os informantes iniciou com um esclarecimento sobre a pesquisa, a exposição dos objetivos e a importância da colaboração de cada um. Este primeiro contato é de extrema importância para estabelecer um clima harmonioso entre pesquisador e informante, sendo fundamental para o desenvolvimento da pesquisa (CARVALHO, 2006).

Para auxiliar o desenvolvimento da metodologia foram utilizadas as técnicas: pré-teste, entrevista semiestruturada, observação direta, história de vida e turnê guiada. Foi utilizado um diário de campo e uma câmera digital para o registro de informações e o registro de imagens, respectivamente.

Segundo Godolphim (1995) a fotografia constitui um instrumento de pesquisa:

a) “... de produção de conhecimento etnográfico, onde é tomada como mais uma técnica de documentação, junto com o caderno de campo e o gravador, que se usa para registrar seus dados”.

b) “... como elemento de interação na devolução do material fotográfico, estimulando a relação com o grupo estudado e abrindo um campo de diálogo, de expressão da memória e das reflexões dos informantes sobre as imagens devolvidas”.

2.2.1 Coletas etnobotânicas

As coletas etnobotânicas consistiram-se de maneira informal, através de visitas nas residências em cada bairro.

Perceber de que forma o conhecimento etnobotânico é estabelecido demanda conhecer as comunidades, e o modo como ocorre a transmissão deste saber, através dos membros da família e do ambiente no qual convivem.

A coleta das amostras vegetais, sobretudo na fase reprodutiva e vegetativa, para montagem das exsicatas ocorreu durante as caminhadas exploratórias pelos quintais e unidades de paisagens adjacentes (roças e matas ripárias) junto com o informante. Após, foi realizada a identificação botânica e catalogação no Herbário Central da Universidade Federal de Mato Grosso, com a ajuda de técnicos especialistas deste local, permanecendo ali depositadas. A nomenclatura foi conferida por meio da base de dados do Missouri Botanical Garden, Saint Louis (http://www.tropicos.org). Entretanto, não foi possível coletar material botânico de todas as espécies, principalmente aquelas que afetariam o cultivo nos quintais dos informantes.

2.2.2. Análise dos dados

Os dados foram analisados de forma qualitativa e quantitativa.

Para a análise qualitativa foram utilizadas as informações obtidas nas entrevistas, nas observações diretas e, na revisão bibliográfica. As plantas citadas durante as entrevistas foram separadas em quatro etnocategorias de usos: Medicinal, Alimentar, Ornamental e Outros usos (lenha, madeira, proteção, sombreamento).

Na abordagem quantitativa foi calculado o Índice de Fidelidade, criado por Friedman et al. (1986) para as indicações de uso de cada espécie e modificado por Amorozo e Gely (1988); Vendruscolo e Mentz (2010); Pasa (2011). Desta forma, determinou-se as plantas mais importantes quanto à finalidade para os informantes locais.

a) Nível de Fidelidade: NF=Fid/Fsp X 100

Onde: NF = Nível de fidelidade

Fid = Número de informantes que indicaram o uso de uma espécie para uma finalidade maior

Fsp = Número total de informantes que citaram a planta para algum uso

b) A utilização do Fator de Correção é necessária pela diferença no número de informantes que citaram usos para cada espécie: FC=Fsp/ICEMC

Onde: FC = Fator de correção

Fsp = Número total de informantes que citaram a planta para algum uso

ICEMC = Número de citações da espécie mais citada

c) Porcentagem de concordância quanto aos usos principais: Pcusp=NF×FC

Onde: Pcusp = Frequência relativa de concordância quanto aos usos principais

NF = Nível de fidelidade

FC = Fator de correção

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A escola, os estudantes e a família

Os resultados deste estudo mostram que fazer ciência consiste em descobrir as relações existentes entre a natureza e o ser humano ao desvelar os fenômenos naturais e as relações entre eles. Por outro lado, mesmo antes da Ciência, o homem dispunha de técnicas, ações práticas construídas e aplicadas no seu dia a dia sem qualquer conhecimento científico institucionalizado para a preservação e/ou conservação do ambiente em que habita servindo de base para as interações pessoais com o ambiente natural.

Participaram do estudo 127 pessoas, entre alunos e familiares, moradores de quatro bairros. As entrevistas ocorreram nos períodos matutino e vespertino de segunda a sexta-feira e nos finais de semana, período em que alguns participantes apresentavam maior disponibilidade para emitir as informações.

A maior representação dos informantes foi do gênero feminino com 77% enquanto que o gênero masculino correspondeu a 23%. Diversos autores (AMOROZO, 1996; VIERTLER, 2002; VENDRUSCOLO e MENTZ, 2010; OLIVEIRA e PASA, 2013) observaram a predominância de mulheres em trabalhos de Etnobotânica. Estes autores relatam que os cuidados com os recursos vegetais ao redor da residência são de domínio feminino, pois elas são detentoras do conhecimento de espécies úteis para o bem estar familiar, já que passam a maior parte do tempo no lar. No entanto, os homens detêm um conhecimento maior das plantas mais distantes da residência, no caso aquelas do mato.

Em alguns testemunhos foi confirmada essa característica:

“Quando eu levanto, gosto muito de cuidá das planta, fico alegre por cuidá delas. Coloco água, não importa o tempo, acho que é dom. Aprendi isso com minha mãe e minha vó, lá no sítio onde a gente morava”. (Sra. A.C.)

“Eu tenho as planta aqui em casa porque gosto. A planta é tudo na minha vida, trouxe lá da cidade da minha mãe umas muda e plantei aqui nos vaso. Sempre que vou pra lá trago alguma planta. Quando eu fico sozinha, converso com elas e elas me entende”. (Sra. M.R.)

Quanto à escolaridade (52%) dos informantes possuem o Ensino Fundamental de completo a incompleto. Já para as outras categorias de ensino o percentual foi menor. Também para aqueles que informaram o Ensino Médio, a maioria não o completaram. Alguns informantes (12,5%) não frequentaram a Escola, o motivo está em alguns depoimentos como este a seguir:

“Não estudei porque meu pai não deixava. Pra ele, naquela época, mulher tinha que sabê cuidá da casa, dos filho e do marido. Não precisava estuda pra trabalha pros outro, tinha que sabe cuidá das coisa de casa. Isso que era importante na cabeça dele”. (Sra. M.M. V.)

Os quintais

Os quintais da área de estudo representam uma unidade de paisagem de extrema importância devido às distintas atividades nele realizadas: plantio de várias espécies e produção de alimentos; criação de pequenos animais, alguns utilizados para o próprio sustento e para um pequeno comércio; preparação de medicamentos caseiros; espaço de trabalho, de lazer e de socialização, entre outros.

Para Amaral e Guarim Neto (2008) os quintais representam além de um local de produção, visto que a multiplicidade dos trabalhos domésticos ocorre nestes espaços.

Esses quintais apresentam tamanhos variados, desde áreas pequenas com poucos metros até áreas grandes com mais de 300 m². Diversos informantes não souberam definir ao certo a respectiva área do quintal, pois em alguns casos não possuem uma delimitação com o vizinho. Geralmente a maior parte do quintal está disposta nos fundos da residência, como foi observado também por Pasa e Ávila (2010) em comunidade ribeirinha de Rondonópolis, Mato Grosso.

Quanto ao porte das plantas presentes nos quintais observou-se os estratos: herbáceo como plantas ornamentais, ervas medicinais e hortaliças; porte intermediário, os arbustos, como bananeira, limoeiro, mamoeiro e pitangueira; arbóreas, entre elas a mangueira, o abacateiro e o cajueiro.

Etnobotânica, manejo e conservação das plantas

A origem do conhecimento sobre o uso das plantas, especialmente as medicinais, foi através do conhecimento tradicional familiar, principalmente com a mãe e as avós. Para outros informantes o repasse de informações se deu com vizinhas, geralmente com idade mais avançada e através de fontes externas, como a leitura de livros, revistas e de programas de televisão.

A maior parte dos entrevistados afirmou que faz uso das plantas medicinais sempre que é necessário, e ainda por acreditar que elas não fazem mal à saúde. Quando um familiar adoece e o problema é considerado de menor gravidade, a primeira atitude é recorrer aos chás (por infusão ou decocção), xaropes, compressas e outros. Caso o tratamento inicial não obtenha bons resultados ou a doença se agrave o médico é então procurado.

As plantas medicinais são utilizadas como remédios caseiros, sendo a folha a parte vegetal com maior número de citações (86). Desta maneira, ocorre a conservação da planta para usos continuados já que não compromete o crescimento e reprodução da espécie com a coleta das folhas. Outras partes vegetais, entre elas a casca (29), o fruto (28), a raiz (21), a semente (12), a flor e o caule (11 citações cada uma) e o broto (nove citações) também são utilizados, porém com menor frequência.

As plantas herbáceas são cultivadas diretamente no solo, nos quintais maiores, entretanto nos quintais de porte menor são plantadas em pequenos canteiros, vasos ou latas. Algumas vezes quando o espaço é muito pequeno, também é possível encontrar cultivos suspensos em muretas, jiraus e até mesmo pendurados em muros ou paredes. Contudo as plantas de maior porte são plantadas em covas diretamente no solo.

O manejo é realizado com práticas de cultivo simples e de baixo custo. A manutenção do quintal é predominantemente feminina, porém, outros membros da família também realizam esta tarefa. O papel das mulheres é essencial na manutenção e na seleção das espécies a serem cultivadas, principalmente das medicinais, ornamentais e aquelas usadas como temperos. Às mulheres cabe varrer, juntar as folhas, irrigar as plantas, plantar, replantar, entre outras, e, muitas mencionam esses cuidados como uma forma de lazer. Já para os serviços mais pesados, principalmente nos quintais de maior porte compete aos homens, o roçar, por exemplo.

Diversos estudos referentes a quintais também apresentam o gênero feminino com a maior relação entre a manutenção do quintal, como exemplo na obra de Guarim Neto e Carniello (2008) que estudaram os quintais mato-grossenses.

Os relatos de alguns informantes evidenciam o valor da conservação dos recursos naturais que mesmo morando na cidade são para eles fundamentais. O orgulho que estas pessoas demonstram por ter suas origens no campo, na zona rural e deste lugar ter retirado seu alimento é ressaltado a seguir:

“Sempre eu gostei de plantá. Desde quando era pequena e morava na roça meu pai ensinava que se nós cuidava das planta elas dava o sustento pra nós”. (Sra. A.L.S.)

“Criei todos meus filho com o trabalho na roça... com a criação de animal... com a plantação... Tenho orgulho de ter vindo de lá. Mudei porque meu marido ficou doente e precisava trata na cidade. As pessoas tinham que dá mais valor pra isso...” (Sra. G.R.)

Etnocategorias e Consenso do Uso das Plantas

Neste contexto foram catalogadas 249 espécies vegetais distribuídas em 84 famílias botânicas. As plantas citadas pelos informantes foram distribuídas em quatro categorias de uso: (1) Alimentar – podendo ser in natura ou processado; (2) Medicinal – subproduto utilizado para diferentes tratamentos, prevenção e cura de doenças, de acordo com a medicina popular; (3) Ornamental – relacionada à estética e beleza do ambiente; (4) Outros usos – reúnem outras categorias, como lenha, madeira, proteção e sombra. As espécies mais expressivas estão alocadas na Tabela 1, bem como seus nomes populares e a forma pela qual cada espécie compõe uma fonte de recurso vegetal na região.

Pasa (2007) ressalta que a etnocategoria de uma planta pode ter valor acumulativo. Portanto, uma espécie vegetal pode pertencer a diferentes categorias de uso. Assim ser utilizada como alimentar, medicinal e ornamental e, o valor de uso de uma planta é diretamente proporcional ao seu número de usos.

Tabela 1
Plantas utilizadas pelos informantes da Comunidade Escolar com Frequência Relativa de Concordância quanto aos Usos Principais (Pcusp) igual ou superior a 50% . Várzea Grande, MT.
Nome Popular Nome Científico Família Categoria de Uso Hábito Pcusp (%) Alecrim Rosmarinus officinalis L. Lamiaceae M He 50 Algodão Gossypium hirsutum L. Malvaceae M Ab 50 Amora Morus nigra L. Moraceae A M Ar 50 Anador Justicia pectoralis Jacq. Acanthaceae M He 50 Avenca Adiantum aleuticum (Rupr.) C.A. Paris Pteridaceae O He 50 Babosa Alloe vera (L.) Burm f. Xanthorrhoaceae M He 66 Boldo Plectranthus barbatus Andrews Lamiaceae M He 66 Caju Anacardium occidentale L. Anacardiaceae A M Ar 50 Camomila Matricaria reticulita L. Asteraceae M He 50 Cana-de-açúcar Saccharum officinarum L. Poaceae A M Ou He 66 Capim-cidreira Cymbopogon citratus (DC.) Stapf. Poaceae M He 60 Cebolinha Allium fistulosum L. Amaryllidaceae A He 66 Erva-de-santa-maria Coronopus didymus (L.) Smith. Brassicaceae M He 50 Espada-de-são-jorge Sansevieria trifasciata Prain Asparagaceae O Ou He 60 Hortelã Mentha villosa Becker Lamiaceae A M He 50 Laranja Citrus sinensis L. Osbeck Rutaceae A M Ou Ar 66 Manga Mangifera indica L. Anacardiaceae A Ou Ar 70 Orquídea Orchis sp. Orchidaceae O He 60 Pimenta Capsicum albescens Kuntze Solanaceae A He 50 Quebra-pedra Phyllanthus orbiculatus Rich. Phyllanthaceae M Ra 60 Romã Punica granatum L. Pucicaceae A M Ab 50 Samambaia Nephrolepis biserrata (SW.) Schott Davalliaceae O He 50 Urucum Bixa orellana L. Bixaceae A M Ab 50
Legenda: Categorias de usos: A = Alimentar; M = Medicinal; O = Ornamental; Ou = Outros usos (lenha, madeira, proteção, sombra).
Hábito: Ab = Arbustivo; Ar = Arbóreo; He = Herbáceo; Ra = Rasteiro;.

A frequência relativa de concordância quanto aos usos principais (Pcusp) apresentou 10% das espécies com valor igual ou maior que 50%. Isso significa que essas espécies são utilizadas pela maioria dos depoentes. Entre as plantas mais citadas estão: manga (Mangifera indica L.) com 70%; babosa (Alloe vera (L.) Burm f.) e boldo (Plectranthus barbatus Andrews) com 66% cada, capim-cidreira (Cymbopogon citratus (DC.) Stapf.), espada-de-são-jorge (Sansevieria trifasciata Prain), orquídea (Orchis L.) e quebra-pedra (Phyllanthus orbiculatus Rich.), com 60% cada; anador (Justicia pectoralis Jacq.), avenca (Adiantum aleuticum (Rupr.) C.A. Paris), caju (Anacardium occidentale L.), hortelã (Mentha villosa Becker), romã (Punica granatum L.) e samambaia (Nephrolepis biserrata (SW.) Schott), com 50% cada uma.

Algumas espécies como Saccharum officinarum L. e Citrus sinensis L. Osbeck apresentam uma multiplicidade de usos, sendo alimentar, medicinal e com outros usos. A cana-de-açúcar (Figura 2) muito utilizada no feitio da rapadura por alguns depoentes e seus restos (folhagens, palha, bagaço) com uso na alimentação de animais (boi e vaca) e como adubo orgânico. A laranja foi mencionada para alimento, remédio (folhas) e sombreamento.

Cana-de-açúcar e o uso no
feitio da rapadura. Várzea Grande, MT.
Figura 2
Cana-de-açúcar e o uso no feitio da rapadura. Várzea Grande, MT.
Fonte: Acervo dos autores (2016)

Entre as plantas ornamentais (Figura 3) mais citadas estão a avenca (Adiantum aleuticum (Rupr.) C.A. Paris), a espada-de-são-jorge (Sansevieria trifasciata Prain), a orquídea (Orchis sp.) e a samambaia (Nephrolepis biserrata (SW.) Schott). A espada-de-são-jorge também é utilizada como protetora da moradia e contra o mau-olhado.

Espécies ornamentais presentes nos quintais das
residências. Várzea Grande, MT.
Figura 3
Espécies ornamentais presentes nos quintais das residências. Várzea Grande, MT.
Fonte: Acervo dos autores (2016)

As famílias botânicas com maior representatividade (Figura 4) foram Lamiaceae (39 citações), Asteraceae (37), Fabaceae (26), e Solanaceae (20), seguidas de Araceae (17), Rutaceae (16), Myrtaceae (15), Anacardiaceae (14), Curcubitaceae (13), entre outras.

Famílias botânicas mais
expressivas. Várzea Grande, MT.
Figura 4
Famílias botânicas mais expressivas. Várzea Grande, MT.

O propósito da investigação etnobotânica é a descrição do meio ambiente e como as comunidades escolar e familiar o interpretam, de acordo com as categorias o conhecimento e o uso das plantas em suas diferentes formas de utilização (DE DAVID; PASA, 2015).

No ambiente escolar o estudante traz para a escola as suas concepções alternativas acerca do meio do qual faz parte. Ocorre, então, uma correlação entre percepções populares da realidade biológica e os conhecimentos, associados à produção do conhecimento científico presentes na constituição do currículo. Desta forma, os depoentes (alunos e familiares) manifestam seus conhecimentos e manejos com as plantas no seu ambiente natural ou antropizado, através dos seus usos nas diversas etnocategorias e relatados através da história oral e através dos conhecimentos tradicionais ou locais (etnobotânicos) emitidos através da ciência.

4. CONSIDERAÇÕES

Ao articular os saberes empíricos no cotidiano escolar e familiar ao ensino de Ciências da Natureza, é possível que o professor sirva como instrumento articulador na construção de uma prática pedagógica real, proporcionando um diálogo entre os diversos saberes e suas culturas, e assim estreitando os caminhos entre fazer ciência e a realidade escolar.

REFERÊNCIAS

AMARAL, C.N.; GUARIM NETO, G. Os quintais como espaços de conservação e cultivo de alimentos: um estudo na cidade de Rosário Oeste (Mato Grosso, Brasil). Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 3, n. 3, p. 329-341, set.- dez. 2008.

AMOROZO, M.C.M. Os quintais – funções, importância e futuro. In: GUARIM NETO, G.; CARNIELLO, M. A. (Org.). Quintais mato-grossenses: espaço de conservação e reprodução de saberes. Cáceres, MT, UNEMAT, 2008. p. 15-26.

AMOROZO, M.C.M. A abordagem etnobotânica na pesquisa de plantas medicinais. In: DI STASI, L. C. (Org.) Plantas medicinais: arte e ciência – um guia de estudo interdisciplinar. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1996. p. 47-68.

BRASIL. Ministério da Educação. Educação para Jovens e Adultos: ensino fundamental: proposta curricular - 1º segmento/coordenação e texto final (de) Vera Maria Masagão Ribeiro. São Paulo: Ação Educativa, Brasília: MEC, 2001.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Ciências Naturais. MEC/SEF, Brasília. 1998.

CARVALHO, L.M.M. de. Estudos de Etnobotânica e Botânica Económica no Alentejo. 2006. 566 f. Tese (Doutoramento em Biologia - Sistemática e Morfologia) - Universidade de Coimbra, Coimbra-Portugal.

DE DAVID, M.; PASA, M.C. As plantas medicinais e a etnobotânica em Várzea Grande, MT, Brasil. Interações. Campo Grande, v. 16, n. 1, p. 13-25, jan./jun. 2015.

FLORENTINO, A. Fundamentos da educação 1. v.1, Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2004. 153p.

FRIEDMAN, J.; YANIV, Z.; DAFNI, A.; PALEWITCH, D. A. A preliminary classification or the healing potential of medicinal plants based on a rational analysis of an etnopharmacological field survey among Beduins in the Negev desert, Israel. Journal of Ethnopharmacology, 16, 275-287, 1986

GOGOLPHIM, N. A fotografia como recurso narrativo: Problemas sobre a apropriação da imagem enquanto mensagem antropológica. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 1, 2:161-185. 1995.

GUARIM NETO, G.; CARNIELLO, M.A. Quintais Mato-grossenses: espaço de conservação e reprodução de saberes. Cáceres: UNEMAT, 2008. 203 p.

LUDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. EPU: São Paulo.

MORTIMER, E.F. Construtivismo, mudança conceitual e ensino de ciências: Para onde vamos? Investigações em ensino de ciências, v.1, n.1, p.20-39, 1996.

OLIVEIRA, W.A.; PASA, M.C. Os quintais na comunidade de Santo Antônio do Caramujo: etnobotânica e saber local. In: PASA, M. C. Múltiplos olhares sobre a biodiversidade II. Jundiaí, Paco Editorial, 2013. p.47-74.

PASA, M.C. Saber local e medicina popular: a etnobotânica em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi Ciencias Humanas. Belém, v.6, n.1, p.179-196, jan-abr. 2011.

PASA, M.C. Um olhar etnobotânico sobre as comunidades do Bambá, Cuiabá, MT. Ed. Entrelinhas, Cuiabá, MT. 176 p. 2007.

PASA, M.C.; ÁVILA, G. Ribeirinhos e recursos vegetais: a etnobotânica em Rondonópolis, Mato Grosso, Brasil. Interações. Campo Grande, v.11, n.2, p.195-204, jul-dez. 2010.

RODRIGUEZ, C.A.; KOLLING, M.G.; MESQUITA, P. Educação em saúde: um binômio que merece ser resgatado. Revista Brasileira de Educação Médica. 31 (1): 3–4 - 2007.

VENDRUSCOLO, G. S.; MENTZ, L. A. Uso de plantas medicinais por uma comunidade rural de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. In: SILVA, V.A.; ALMEIDA, A.L.S.; ALBUQUERQUE, U.P. (Org.). Etnobiologia e Etnoecologia: pessoas & natureza na América Latina. 1ª Ed. Recife: NUPEEA, 2010. (Série Atualidades em Etnobiologia e Etnoecologia). p. 211-227.

VIERTLER, R.B. Métodos Antropológicos como ferramentas para estudo em Etnobiologia e Etnoecologia. In: AMOROZO, M.C.M.; MING, L.C.; SILVA, S.M.P. (Orgs). Métodos de coleta e análise de dados em etnobiologia, etnoecologia e disciplinas correlatas. Rio Claro, UNESP/CNPq. 2002. p. 11-29.

Notas

[1] Profª. MSc. pelo PPGCFA/UFMT. margodedavid@hotmail.com
[2] Profª. Drª. do Departamento de Botânica e Ecologia/IB.UFMT. PPG em Ciências Florestais e Ambientais. UFMT. pasamc@brturbo.com.br; pasaufmt@gmail.com

Ligação alternative

Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
HMTL gerado a partir de XML JATS4R