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ENSINO DE CIÊNCIAS EM ESPAÇOS NÃO FORMAIS À LUZ DA EPISTEMOLOGIA BACHELARDIANA
Huanderson Barroso Lobo; Daniela Sulamita Almeida da Trindade; Ronara Viana Cordovil
Huanderson Barroso Lobo; Daniela Sulamita Almeida da Trindade; Ronara Viana Cordovil
ENSINO DE CIÊNCIAS EM ESPAÇOS NÃO FORMAIS À LUZ DA EPISTEMOLOGIA BACHELARDIANA
TEACHING OF SCIENCES IN NON-FORMAL SPACE IN THE LIGHT OF BACHELARDIAN EPISTEMOLOGY
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol. 5, núm. 2, 2017
Universidade Federal de Mato Grosso
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Resumo: Este artigo apresenta os resultados de uma análise preliminar que busca refletir a epistemologia de Bachelard (1996) com o objetivo de investigar a noção de obstáculo epistemológico, considerando as concepções dos aprendizes sobre o ensino de ciências e apontando os entraves criados na formação de um espírito científico. Apresenta, ainda, modelos explicativos postos em ruptura, mediante à problematização do objeto estudado, apontando possibilidades de aproximação entre os temas científicos e os espaços não formais. A pesquisa de cunho fenomenológico, com uma abordagem qualitativa, é complementada com observações de campo in lócus realizadas durante o ano de 2016 em duas escolas; uma estadual, situada na zona norte e outra municipal, localizada na zona leste da cidade de Manaus – AM. Como estratégia da pesquisa, foram realizadas aulas dialogadas, produções textuais, desenhos e visitas ao Museu do Seringal Vila Paraíso (MSVP) e ao zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), como parte das atividades realizadas junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Os resultados apontam que as concepções iniciais dos estudantes sobre a relação entre a história do avanço da ciência e suas tecnologias, bem como a relação entre homem, ambiente e sociedade encontram-se dicotomizadas e distantes da realidade atual. Conclui-se que a visita a espaços não formais amplia as possibilidades de superação de obstáculos epistemológicos, contribuindo no processo de construção do conhecimento, conectando ciência e tecnologia e oportunizando a apropriação do conhecimento científico.

Palavras-chave: Ensino de Ciências, Obstáculos Epistemológicos, Concepções.

Abstract: This article presents the results of a preliminary analysis that seeks to reflect the epistemology of Bachelard (1996), with the objective of investigating the notion of epistemological obstacle, considering the conceptions of the apprentices on the teaching of sciences, pointing out the obstacles created in the formation of a scientific spirit. It presents explanatory models that are broken, through the problematization of the studied object, pointing out possibilities of approach between scientific themes and non formal spaces. Phenomenological research, with a qualitative approach, is complemented with in situ field observations made during the year 2016 in two schools; one state, located in the north zone and another municipal one, located in the east zone of the city of Manaus – AM. As a strategy for the research, we conducted dialogue classes, textual productions, drawings and visits to the Seringal Vila Paraiso Museum (MSVP) and the Zoo of the Forest Warfare Training Center (CIGS), as part of the activities carried out with the Post- Graduation in Education and Teaching of Sciences in the Amazon, of the State University of Amazonas (UEA). The results show that students' initial conceptions about the relation between the history of the advance of science and its technologies, as well as the relation between man, environment and society, are dichotomized and distant from current reality. It is concluded that the visit to non-formal spaces expands the possibilities of overcoming epistemological obstacles, contributing in the process of knowledge construction, connecting science and technology and providing the appropriation of scientific knowledge.

Keywords: Teaching Sciences, Epistemological Obstacles, Conceptions.

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Artigos

ENSINO DE CIÊNCIAS EM ESPAÇOS NÃO FORMAIS À LUZ DA EPISTEMOLOGIA BACHELARDIANA

TEACHING OF SCIENCES IN NON-FORMAL SPACE IN THE LIGHT OF BACHELARDIAN EPISTEMOLOGY

Huanderson Barroso Lobo
Universidade do Estado do Amazonas, Brasil
Daniela Sulamita Almeida da Trindade
Universidade do Estado do Amazonas, Brasil
Ronara Viana Cordovil
Universidade do Estado do Amazonas, Brasil
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 5, núm. 2, 2017

Recepção: 14 Agosto 2017

Aprovação: 14 Novembro 2017


1. INTRODUÇÃO

As representações dos alunos fornecem dados sobre a importância da participação dos conhecimentos prévios dos estudantes para a construção de novos conceitos, elas podem orientar a prática pedagógica. Necessitamos conhecê-las para elaborar estratégias que possibilitarão novas representações e aquisição de um novo saber.

Estudos ressaltam que os obstáculos epistemológicos devem ser tratados como concepções que resistem às mudanças, que não devem ser encarados como uma ausência de conhecimento ou como um fator puramente negativo (BROUSSEAU, 2002).

Para Astolfi (2004), superar um obstáculo requer várias operações intelectuais e motoras que não são feitas, necessariamente, ao mesmo tempo. Mas é necessário localizar o obstáculo, buscar aberturas e viabilizar uma reconstrução que é de caráter individual, subjetivo e intransferível.

Diante dessa perspectiva, verificamos a necessidade de realizar um estudo pautado em um olhar fenomenológico, buscando superar a abordagem fragmentada das disciplinas científicas, a necessidade de relacionar o ensino de ciências aos espaços não formais do Museu do Seringal Vila Paraíso (MSVP) e do Zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), que poderão suscitar o debate oral sobre hipóteses, a organização de informações por meio de desenhos e demais atividades didáticas que possibilitarão detectar os obstáculos epistemológicos (BACHELARD, 1996), a serem retificados no percurso de construção do conhecimento científico.

Nortearam este estudo as seguintes questões: quais espaços não formais e atividades experimentais podem favorecer o contato com o mundo percebido? Quais as concepções sobre história da ciência e avanços científico tecnológicos e a relação entre o homem e o meio (fauna e flora) que os alunos possuem e que tipo de obstáculos podem ser identificados?

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi realizada durante os meses de julho a setembro de 2016, em duas escolas; uma estadual, situada na zona norte e outra municipal, localizadas na zona leste da cidade de Manaus – AM. Como estratégia da pesquisa, foram realizadas aulas dialogadas, produções textuais, desenhos e visitas ao Museu do Seringal Vila Paraíso (MSVP) e ao Zoológico do CIGS, com a participação de 32 alunos de 8º ano e 38 alunos do 9º ano do Ensino Fundamental. As atividades aconteceram de forma simultânea, seguindo o mesmo roteiro.

• 1º Encontro: A primeira etapa das atividades foi, de imediato, a identificação e análise da representação dos participantes envolvidos na pesquisa, através da realização de desenhos e produções textuais sobre conteúdos da disciplina de ciências, relacionada ao Zoológico do CIGS (homem, ambiente e sociedade) e ao Museu do Seringal Vila Paraíso (história do avanço da ciência e suas tecnologias).

• 2º Encontro: Ocorreu nas escolas, através de debates e rodas de conversas a respeito de suas produções e do significado dos desenhos. Após as análises, traçamos algumas estratégias com o objetivo de superar os obstáculos identificados.

• 3º Encontro: Aulas expositivas e dialogadas sobre a função dos Zoológicos e Museus e os seus processos de ruptura, apresentamos as principais características e as mudanças ocorridas ao passar dos séculos.

• 4º Encontro: Aula-passeio no Museu do Seringal Vila Paraíso e no Zoológico do CIGS. Durante as visitas, buscamos, primordialmente, trabalhar com aproximações da verdade, refutando generalizações, possibilitando o contraditório e proporcionando experiências cognitivas e motoras.

• 5º Encontro: Realização de debates, produções textuais e desenhos com a mesma orientação utilizada no 1º encontro, a fim de verificar se houve novas representações sobre os conteúdos.

3. OS ESPAÇOS NÃO FORMAIS E AS ATIVIDADES EXPERIMENTAIS DO MUNDO PERCEBIDO

O processo de dar significado ao que foi captado pelos sentidos, possibilita a realização das conexões necessárias entre os objetos perceptíveis, tornando possível vê-los com mais abrangência. Ao verificar as variadas possibilidades para melhor compreender que os artefatos do Museu do Seringal Vila Paraíso, bem como, a fauna e a flora do Zoológico do CIGS, a percepção destes espaços descortina diversificadas possibilidades de desfechos de experiências, que vão além do cumprimento de um roteiro guiado ou de uma simples visita contemplativa.

É valido destacar que a preocupação em oferecer uma exposição temática interativa também está presente na proposta de estruturação do Museu do Seringal Vila Paraíso, no entanto, esta interação é sugerida ao observador que recorrerá ao seu repertório de sentidos, sentimentos e racionalidade, para atribuir um significado novo ao mundo percebido.

Visitado por estudantes, população local, turistas do Brasil e do Mundo (MACIEL, 2013), o ambiente do Museu do Seringal e o CIGS propiciam o diálogo, a divulgação de informações históricas sobre a Amazônia aos visitantes, ampliando a troca de experiências socioculturais como instrumento de ensino capaz de acionar o desenvolvimento cognitivo, social, afetivo e a ludicidade no bojo de uma aprendizagem sobre a relação histórica e sociocultural entre o ser humano e o meio ambiente.

O potencial pedagógico do Museu do Seringal Vila Paraíso e do Zoológico do CIGS, para o ensino de ciências, necessita de análises e reflexões científicas que possam interligar os recursos existentes nestes locais ao conteúdo da referida disciplina, levando em consideração os PCNs de Ciências (1998) e uma base epistêmica que sustente as orientações pedagógicas de ensino.

Localizado numa área ribeirinha do Município de Manaus – AM, entre o Igarapé[4] São João e o Igarapé Tarumã Mirim, o Museu do Seringal Vila Paraíso[5] [Figura 1], com seu conjunto de acervos e espaços cenográficos é administrado pela Secretaria de Estado de Cultura (SEC), cuja origem é proveniente das instalações do cenário das gravações do filme “A Selva” do diretor Leonel Vieira, com adaptação da obra homônima do escritor português Ferreira de Castro.


Figura 1
Visão frontal do Museu do Seringal Vila Paraíso
Fonte: TRINDADE (2017)

No percurso do Museu Vila Paraíso, os trajetos curtos, direcionam os visitantes a 11 espaços cenográficos: trapiche, barracão dos seringueiros, casarão do barão da borracha, barracão de aviamento, capela de Sra. da Conceição, casa de banho das mulheres, trilha das seringueiras, trapiche de defumação, casa dos seringueiros, cemitério e casa de farinha, contendo artefatos, imagens e documentos, que expressam as narrativas e “testemunhos” (BLOCH, 2001, p. 75) do cotidiano do seringueiro, já que foi “idealizado para contar a história do período áureo do extrativismo da borracha” (TRINDADE; AGUIAR e VIEIRA, 2016, p. 1).

O Zoológico do CIGS [Figura 2] possui uma área de 36 mil metros quadrados, divididos em três trajetos. São 22 espaços para abrigar os animais, um centro de veterinária, um aquário, um memorial, uma sala de educação ambiental e uma sala entomológica. O plantel do Zoológico é de 460 animais, rodeado de espécies de Flora que estabelecem um processo de interdependência.


Figura 2
Zoológico do CIGS
Fonte: LOBO (2017)

Desse modo, a visita ao Museu do Seringal e ao Zoológico do CIGS apresenta-se como uma proposta de atividade pertinente à educação não formal com variadas possibilidades para a comunicação e popularização da ciência como instrumento de cidadania e apreensão de bens naturais e culturais, inclusive pelas novas gerações. Todavia, isso requer a responsabilização de educadores e cientistas quanto ao ato de educar cientificamente o público-alvo, (CIÊNCIA E PÚBLICO, 2002) que corresponde aos estudantes de diferentes faixas etárias e visitantes em geral que usufruem deste ambiente singular.

O desafio posto seria o de instigar a alteração das experiências dos estudantes, por meio do estímulo à percepção e visualização refletida do seu próprio corpo com o mundo vivido e percebido. Segundo Bachelard (1996) e os PCNs de Ciências Naturais (1998), aprender e ensinar Ciências corrobora procedimentos fundamentais que incluem a investigação, a comunicação e o debate de fatos e ideias. A observação, a experimentação, a comparação, o estabelecimento de relações entre fatos ou fenômenos e ideias por investigação, a proposição e a solução de problemas, dentre os diferentes procedimentos de construção e reconstrução do aprendido (ASTOLFI, 2004), tendo em vista seus esquemas cognitivos e diferentes obstáculos de aprendizagem, no percurso da apropriação do conhecimento científico (BACHELARD, 1996).

4. OS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Visto que a atividade de aprendizagem é da ordem da cognição, o processo de ensino aprendizagem pode ser pensado e analisado em termos de obstáculos epistemológicos. Mencionados na obra: “A Formação do Espírito Científico” de Gaston Bachelard (1996), estas antirrupturas que obstaculizam a assimilação dos conceitos científicos, podem ser apresentadas como: a experiência primeira; o conhecimento geral; obstáculo verbal; conhecimento unitário e pragmático; substancialismo; realismo e o animismo.

O professor necessita estar atento para identificá-los, pois alguns destes fazem parte do cotidiano dos processos de ensino, e acabam tornando-se percalços para a formação do espírito científico. Daí a importância de conhecê-los e criar situações didáticas para superá-los. Neste viés, procuramos interligar os três primeiros obstáculos citados ao ensino de ciências, por meio das experiências perceptivas, nas ocasiões de visitas realizadas ao Museu do Seringal e Zoológico do CIGS.

4.1. A experiência primeira

Para Bachelard, a experiência primeira corresponde ao primeiro obstáculo a ser superado: “Na formação do espírito científico, o primeiro obstáculo é a experiência primeira, a experiência colocada antes e acima da crítica, crítica esta que é, necessariamente, elemento integrante do espírito científico” (BACHELARD, 1996, p. 29). Quando somos seduzidos por um espírito pré-científico, começamos a analisar os fatos com as emoções antes de buscar explicações racionais. Estão relacionadas às nossas experiências espontâneas de aprendizagem, motivadas, às vezes, por crenças e paixões coletivas e individuais.

Trata-se na continuidade de ações baseadas em concepções iniciais não questionadas pelos professores, pelos aprendentes ou mesmo pelo grupo, através do diálogo contraditório. Nas ocasiões de visitas realizadas ao Zoológico do CIGS, é necessário que os professores e estudantes discutam e problematizem a visão superficial do Zoológico como local destinado ao armazenamento de animais. Desse modo, abrindo questionamentos sobre o levantamento das espécies, seus habitats, modos de procriação, alimentação, dentre outros.

Durante a realização da visita ao Zoológico do CIGS, ao observarem o espaço das onças, os alunos puderam perceber a variedade de espécies, dentre elas: a onça sussuarana, a onça pintada e a onça parda, com ocorrência em várias regiões do Brasil. Neste momento da visita, os alunos demonstraram profunda admiração, de modo que seus gestos e falas denunciavam o fascínio que capturou seus sentidos.

A visita aos 11 espaços cenográficos do Museu do Seringal também prescinde à observação de temáticas que não estão expressas nas falas dos guias, ou mesmo nas exposições. Requer a problematização do que não foi dito ou escrito. Esse fato pode ser exemplificado com o diálogo a respeito das consequências da revolução do látex para a Amazônia e para o mundo. Na pauta do diálogo com os estudantes, durante a aula expositiva, identificamos que a preocupação geral das nações em buscar o desenvolvimento e a ampliação dos lucros, principalmente, a “partir de 1890, com a utilização dessa matéria-prima na indústria automobilística, provoca um aumento estimado na comercialização em longa escala, culminando com a contratação de mão de obra para aturar nessa atividade” (TRINDADE; AGUIAR e VIEIRA, 2016, p. 5).

Após o momento de diálogo, os alunos elaboraram cartazes com evocação de imagens e palavras, relacionadas ao estudo dos avanços científico-tecnológicos e a produção da borracha.


Figura 3
Cartazes com desenhos e palavras apresentados pelos alunos
Fonte: TRINDADE (2016)

O estudo de um fenômeno bem circunscrito e a busca da variação de atividades explicativas sobre um fenômeno particular, implica no enriquecimento da compreensão do conceito e prepara a matematização da experiência (BACHELARD, 1996, p. 38-39). O aprofundamento no diálogo sobre a visualização dos artefatos associados a um Seringal cenográfico fundamentou a análise de forma profunda, o fenômeno. Assim, os aprendentes puderam articular o espaço não formal, o conteúdo da disciplina de ciências, por meio da diversificação de atividades e experiências refletidas, a fim de ampliar as possibilidades de reflexão crítica.

Essas experiências das visitas aos espaços não formais, proporcionou aos estudantes, a oportunidade de observarem e interagirem com diferentes experiências sensitivas. Consideramos que essas experiências foram fundamentais para a construção dos conhecimentos, pois colaboraram com a ressignificação de situações, restauração de seus esquemas de pensamento a busca de soluções. Salientamos que esse é um processo pessoal que acontece de forma subjetiva.

4.2. O conhecimento geral

O crescimento do conhecimento científico para Bachelard foi prejudicado pelo que ele chamou de falsa doutrina do geral. O conhecimento a que falta precisão, ou melhor, o conhecimento que não é apresentado junto com as condições de sua determinação precisa, não é conhecimento científico. O conhecimento geral é quase fatalmente conhecimento vago (BACHELARD, 1996).

O espírito científico vai além dos conceitos oriundos do senso comum, do contrário, supera seus princípios, estabelecendo um novo sentido. O obstáculo do conhecimento geral pode ser percebido quando educador ou aprendente não têm conhecimento de um determinado assunto e utiliza sua percepção para explicar determinado acontecimento.

Giordan e Vecchi (1996) contribuem, nesse sentido, ao abordarem que as concepções dos alunos funcionaram como “modelos explicativos”, advindos de suas experiências de mundo vivido. Contudo, no intuito de ampliar seus níveis de alcance cognitivo, indica-se a elaboração de situações-problemas, organizadas na forma de atividades didáticas que façam uso de variadas ferramentas didáticas, substituindo a experiência primeira e o conhecimento geral (BACHELARD, 1996) pelo conhecimento científico.

Essa prática empirista fortalece o obstáculo ao fornecer um perigoso prazer intelectual na generalização apressada e fácil. De modo contrário, a psicanálise do conhecimento precisa examinar com cuidado todas as seduções da facilidade para chegar a uma teoria da abstração científica, verdadeiramente sadia e dinâmica (BACHELARD, 1996, p. 69).

Alguns conceitos “clichês” relacionados à compreensão de Museu como espaço reservado à guarda e contemplação de objetos e da ideia de Zoológico como espaço destinado à exposição de animais precisam ser desconstruídos. Convidamos os alunos a refletirem em grupo durante a visita os conceitos construídos pelo senso comum sobre esses espaços, essa estratégia educativa permitiu um investimento físico e psicológico, além de uma investigação intelectual e sistemática de análise, comparação e registros escritos, procurando inculcar nos aprendentes, os hábitos lógicos de investigação.

4.3. Obstáculo verbal

No obstáculo verbal, a explicação é constituída apenas com o uso de uma única imagem ou uma única palavra, atitude essa que caracteriza um espírito pré-científico. O uso de metáforas pode sugerir a compreensão errada de um fato. O perigo das metáforas imediatas para a formação do espírito científico é que nem sempre são imagens passageiras; levam a um pensamento autônomo; tendem a completar-se, a concluir-se no reino da imagem (BACHELARD, 1996).

O educador ao utilizar metáforas, com o intuito de “facilitar” a compreensão de um determinado assunto, pode construir conceitos distorcidos e acabar direcionando os alunos à formação de ideias errôneas ou confusas acerca de um conhecimento, já que o nível de alcance dos educandos não é igual e suas experiências são de cunho individual.

A utilização da generalização pode resultar em um conhecimento incompleto. Um fato interessante é a ideia de “veneno” associada à saliva dos insetos prejudiciais à saúde humana. No caso do mosquito Anopheles, vetor da malária, a fêmea do mosquito injeta uma substância infecciosa, ao picar a pele do ser humano.

Essa representação foi problematizada após a visita ao Museu do Seringal, haja vista que a expansão da venda de borracha no mercado internacional, para atender a fabricação de pneus de carros e outros objetos, aumentou a demanda de produção de látex nos seringais e provocou o avanço da malária entre os seringueiros. Ao adentrarem a floresta para realizar o trabalho de sangria do látex entre duas a quatro horas da madrugada, a fim de extrair a seiva, muitos seringueiros eram picados pelo mosquito vetor da malária e acabavam morrendo devido à precária alimentação e ausência de tratamento médico (REIS, 1953).

É importante que os estudantes se apropriem de forma concreta, racional e intelectual de representações explícitas do real, mediante à elaboração de um pensamento formal mais abstrato, em ruptura com as concepções que funcionam como um sistema de explicação pessoal e alternativa (ASTOLFI, PERFALVI e VÉRIN, 1998, p. 119-120).

5. AMPLIANDO AS REPRESENTAÇÕES

No decorrer e após as atividades realizadas com os alunos na escola e nos espaços não formais, percebemos a retificação de suas concepções em relação aos temas abordados. A superação de alguns obstáculos epistemológicos foi possível através das rupturas adquiridas nas experiências, estruturadas e planejadas intencionalmente, já que o valor didático da experiência depende da forma como é feita.

A experiência primeira caracteriza a ideia de coincidência entre pensamento e realidade que é recusada pela epistemologia bachelardiana. Durante a execução das atividades, procuramos apresentar os conceitos de modo que a qualquer momento pudessem ser contestados, sempre colocando a crítica e a análise profunda como elementos norteadores das discussões, afastando-se das características imediatistas desse obstáculo. Após a visita, os alunos passaram a socializar assuntos que não foram mencionados na primeira análise, como: extinção de espécie, desmatamento e resgate cultural.

Os clichês massificados pelo senso comum criam, muitas vezes, cenários irreais, que para Bachelard é a “atividade do pensamento empírico inventivo” (1996, p. 76). O obstáculo do conhecimento geral é citado nas falas que existem diversos animais agressivos no zoológico e que o museu é um local monótono por guardar objetos antigos, porém se percebe uma mudança quando à experiência da interação entre os estudantes e o espaço, mostra que os animais não eram como eles imaginavam e que o museu é um espaço repleto de história.

O obstáculo verbal merece uma atenção maior por parte do espírito científico de um educador que se utiliza de metáforas. Nessa atividade, não procuramos “facilitar” a compreensão de uma estrutura, mecanismo ou determinado fenômeno natural, utilizando metáforas ou signos comuns; todos os conceitos construídos sobre os avanços da ciência e tecnologia e homem, meio ambiente e sociedade foram pautados no princípio da facticidade. Analisando o comparativo do desenho, percebemos uma descontinuação desse obstáculo, observado na imagem abaixo:




O obstáculo verbal caracterizado também pelo uso da imagem é superado na medida em que o aluno conhece os espaços destinados aos animais, anteriormente sua representação associava esses locais a espaços de confinamentos, demonstrado no primeiro desenho através de espaços limitados, essas analogias dificultavam e criavam obstáculos para o aprendizado. Após a aula passeio, o desenho expressa um ambiente em que os animais ficam próximos do público, e seu espaço é semelhante ao habitat que teriam na natureza.

Percebemos a superação das impressões advindas da experiência primeira, do conhecimento geral e do obstáculo verbal. As aulas e a experiência da visita possibilitaram a retificação da ideia construída anteriormente. Foi necessário resgatar a crítica e confrontar o conhecimento com as condições que lhe deram origem para que os alunos realizassem essas rupturas.

6. CONSIDERAÇÕES

Ao relacionar o ensino de ciências em espaço formal e não formal com os obstáculos epistemológicos propostos por Bachelard, considerou-se as concepções dos aprendizes como modelos explicativos que necessitam ser interpelados por questionamentos, mediante à problematização das ideias superficiais. Desse modo, ao problematizar os obstáculos de experiência primeira, conhecimento geral e obstáculo verbal, com os estudantes, em ocasião de diálogos e visitas ao Museus do Seringal Vila Paraíso e Zoológico do CIGS, ampliam-se as possiblidades de aprendizagem sobre os avanços científico-tecnológicos, além da visão socioambiental da fauna e da flora amazônica, como abordagem de ensino impulsionadora de apropriação do conhecimento científico.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
ASTOLFI, J. P. El “error”, un medio para enseñar. Díada/SEP Biblioteca para la actualización del Magisterio México, 2004. Disponível em: https://prezi.com/.../elerror-un-medio-para-ensenar >. Acesso em: 22 de mai.de 2016.
ASTOLFI, J. P.; PETERFALVI, B.; VÉRIN.A. Como as crianças aprendem as ciências. Coleção Horizontes Pedagógicos. Tradução: Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget: 1998.
BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
BLOCK, M. A apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Ciências Naturais /Secretaria de Educação Fundamental. (Terceiro e Quarto Ciclo), Brasília: MEC /SEF, 1998.
BROUSSEAU, G. Epistemological obstacles, problems, and didactical engineering. In: BALACHEFF, N.; COOPER, M.; SUTHERLAND, R.; WARFIELD, V. (Ed. e Trad.). Theory of Didactical Situations in Mathematics. New York: Kluwer Academic Publishers, 2002.
CORRÊA, J. M.; GERHARD, P.; FIGUEIREDO, R. O. Ictiofauna de igarapés de pequenas bacias de drenagem em área agrícola do Nordeste Paraense, Amazônia Oriental. Revista Ambiente & Água. An Interdisciplinary Journal of Applied Science: v. 7, n. 2, 2012.
GIORDAN, A.; VECCHI, G. de. As origens do saber: das concepções dos aprendentes aos conceitos científicos. 2 ed. Porto Alegre: Artes médicas, 1996.
MACIEL, H. M.; FACHÍN TERÁN, A. O potencial pedagógico dos Espaços não formais na cidade de Manaus. Curitiba, PR: CRV, 2014.
MASSARANI, L.; MOREIRA, I.C.; BRITO, F. (Org.). CIÊNCIA e PÚBLICO: caminhos para a divulgação científica no Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Ciência, 2002.
REIS, A. C. F. O seringal e o seringueiro. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas. Governo do Estado do Amazonas, 1953.
TRINDADE, D. S. A.; AGUIAR, J. V. S.; VIEIRA, E. I. T. O Museu do Seringal Vila Paraíso: um recorte da história da ciência na passagem do século XIX para o século XX. Realize-Eventos e Editora. Anais III CONEDU. Disponível em: < http://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABALHO EV056 MD1 SA18 ID3423 03062016115330.pdf. >. Acesso: 22 de abril. 2017.
Notas
Notas
[4] Denominação regional dada aos riachos amazônicos, são cursos d’água de pequeno porte, caracterizados pelo leito delimitado, correnteza relativamente acentuada e baixa temperatura da água e seu leito tipicamente contém acúmulo de troncos e galhos caídos (CORRÊA; GERHARD; FIGUEIREDO, 2012, p. 215).
[5] Dados extraídos com base nos documentos da Secretaria de Estado de Cultura do Estado do Amazonas.

Figura 1
Visão frontal do Museu do Seringal Vila Paraíso
Fonte: TRINDADE (2017)

Figura 2
Zoológico do CIGS
Fonte: LOBO (2017)

Figura 3
Cartazes com desenhos e palavras apresentados pelos alunos
Fonte: TRINDADE (2016)



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