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O COMPÊNDIO GEOMETRIA ELEMENTAR DE H. B. LÜBSEN: UMA ANÁLISE A PARTIR DE SUAS QUESTÕES CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS
Antonio José da Silva; Marcos Denilson Guimarães; David Antonio da Costa
Antonio José da Silva; Marcos Denilson Guimarães; David Antonio da Costa
O COMPÊNDIO GEOMETRIA ELEMENTAR DE H. B. LÜBSEN: UMA ANÁLISE A PARTIR DE SUAS QUESTÕES CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS
THE H. B. LÜBSEN'S ELEMENTARY GEOMETRY COMPENDIUM: AN ANALYSIS FROM ITS CONCEPTUAL AND METHODOLOGICAL ISSUES
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol. 7, núm. 3, 2019
Universidade Federal de Mato Grosso
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Resumo: Este texto apresenta uma análise em perspectiva histórica do Compêndio de Geometria Elementar de H. B. Lübsen, traduzido do alemão para o português por Carlos Jansen, professor do Imperial Collegio D. Pedro II, em 1902. Para alcançar esse objetivo, apoia-se no quadro teórico da história cultural, nos estudos sobre história do livro didático e da história da educação matemática. O estudo se atém a caracterizar o contexto de sua circulação como livro didático, os aspectos relacionados à sua materialidade e a metodologia adotada por seu autor relacionada ao ensino da Geometria. Pode-se observar que esse livro circulou pelo Rio de Janeiro, por São Paulo e pelo Maranhão. Os conteúdos são apresentados via definições, problemas e teoremas que valorizam os aspectos teóricos e algébricos como meios de abreviar as demonstrações geométricas. A obra ainda se intitula de caráter prático, mediante à aplicação dos conceitos na resolução de questões ligadas ao cálculo de distâncias, volumes e nivelamento.

Palavras-chave: História da educação matemática, Livro didático, Geometria elementar, Maranhão.

Abstract: This paper presents a historical perspective analysis of the H. B. Lübsen Compendium of Elemental Geometry translated from German to Portuguese by Carlos Jansen, professor at the Imperial Collegio D. Pedro II, in 1902. It is based on the theoretical framework of cultural history, studies on the history of textbooks and the history of mathematics education. The study characterizes the context of its circulation as a textbook, the aspects related to its materiality and the methodology adopted by its author related to the teaching of geometry. It observes that this book circulated in Rio de Janeiro, São Paulo and Maranhão. The contents are presented by definitions, problems and theorems that value the theoretical and algebraic aspects as a means of abbreviating the geometric demonstrations. The book is still called practical, by applying the concepts in solving questions related to the calculation of distances, volumes and leveling.

Keywords: History of mathematics education, Textbook, Elementary geometry, Maranhão.

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Artigos

O COMPÊNDIO GEOMETRIA ELEMENTAR DE H. B. LÜBSEN: UMA ANÁLISE A PARTIR DE SUAS QUESTÕES CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS

THE H. B. LÜBSEN'S ELEMENTARY GEOMETRY COMPENDIUM: AN ANALYSIS FROM ITS CONCEPTUAL AND METHODOLOGICAL ISSUES

Antonio José da Silva
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Brasil
Marcos Denilson Guimarães
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Brasil
David Antonio da Costa
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 7, núm. 3, 2019

Recepção: 29 Outubro 2019

Aprovação: 14 Dezembro 2019


1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise histórica do Compêndio de Geometria Elementar de H. B. Lübsen, traduzido do alemão por Carlos Jansen, em 1902. Buscou-se caracterizar o contexto de sua circulação como livro didático, os aspectos relacionados à sua materialidade e a metodologia adotada por seu autor relacionada ao ensino da Geometria.

O exemplar deste livro, objeto de análise, foi adquirido em um sebo em São Luís/MA e pertence ao acervo pessoal de um dos autores deste artigo. As anotações presentes em várias partes do livro, inclusive com um nome registrado nas primeiras folhas, parecem indicar que esta obra tenha sido utilizada na ambiência escolar maranhense em tempos passados[4]. Todavia, em se tratando do grande número de anotações observadas em suas páginas, nada ainda pode ser concluído, o que se conjectura que esta obra fez parte do processo de formação de uma professora normalista da cidade de São Luís. Tal movimento de pesquisa inaugura, no âmbito do PPECEM/UFMA, pesquisas vinculadas à história da educação matemática[5].

O estudo histórico de uma obra didática no contexto escolar requer análises de vários aspectos relacionados às suas finalidades, aos usos, aos conteúdos, assim como entre outras características que compõe a materialidade deste objeto, tais como edição, produção, circulação, distribuição etc.

Mas como precisar o que é o livro didático? De que forma o livro didático se constitui numa fonte privilegiada para pesquisa? Como categorizar tais obras?

Apesar de ser um objeto bastante familiar e de fácil identificação, é praticamente impossível defini-lo. Pode-se constatar que o livro didático assume ou pode assumir funções diferentes, dependendo das condições, do lugar e do momento em que é produzido e utilizado nas diferentes situações escolares. (BITTENCOURT, 2004, p. 471)

A definição sobre o que é o livro didático mostra-se complexa, pois historicamente o livro se situa no cruzamento de três gêneros que participam do processo educativo: a literatura religiosa que originou os livros laicos “por perguntas e respostas”, retomando o método e a estrutura familiar dos catecismos; a literatura didática, técnica ou profissional que entre os anos 1760 e 1830 na Europa se apossou progressivamente da instituição escolar; e, a literatura de lazer, seja ela tanto de caráter moral quanto de recreação. Inicialmente essa última literatura surgiu separada do universo escolar, porém, mais recentemente, os livros didáticos incorporaram seu dinamismo e características essenciais (CHOPPIN, 2004).

De fato, essa complexidade do livro didático explica o interesse despertado nos diversos domínios da pesquisa. É uma mercadoria, produto do mundo da edição que obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercialização pertencentes aos interesses de mercado. Concomitantemente, trata-se de um depositário dos diversos conteúdos educacionais, suporte privilegiado para se recuperar os conhecimentos e técnicas consideradas fundamentais por uma sociedade em uma determinada época. O livro didático também é um instrumento pedagógico “inscrito em uma longa tradição, inseparável tanto na sua elaboração como na sua utilização das estruturas, dos métodos e das condições do ensino de seu tempo” (CHOPPIN, 1980, p. 1).

Este texto está estruturado da seguinte forma: a) informações iniciais acerca do livro didático de H. B. Lübsen e os objetivos traçados para este artigo; b) ênfase no contexto sócio-histórico em que essa obra foi traduzida e utilizada; c) análise da obra propriamente dita com discussão dos conteúdos; d) considerações finais.

2. O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO – final do século XIX

Hallewell (2012) destaca o pouco interesse das editoras no início do século XIX na produção e comercialização de livros didáticos utilizados no ensino primário e secundário. A atenção se voltava para o ensino superior. Esse quadro de interesse comercial começa a mudar com o Colégio Pedro II, fundado em 1837 no Rio de Janeiro, instituição que se torna modelo do ensino de matemática (como de outras disciplinas) no secundário (VALENTE, 2007).

Ao se investigar os usos que se fazem deste artefato multicultural, o livro didático, não se pode perder seu aspecto mercadológico, pois ao se ampliar seu foco de estudo se compreende toda a sua materialidade, ou seja, como mercadoria produzida para ser vendida e dar lucro, assim como resultado também dos interesses de seus produtores, no caso, os editores (MUNAKATA, 2012).

As concepções dos franceses sobre livro didático para alunos foram copiadas pelos educadores brasileiros e estabeleciam distinções entre os compêndios e os livros populares ou elementares, incentivando que estes fossem elaborados pelos mais célebres intelectuais como um gesto patriótico. Os políticos brasileiros incorporaram ideias iluministas que confiavam aos sábios a tarefa de difundir a “verdadeira ciência” (BITTENCOURT, 2008).

Na década de 1840, a editora dos irmãos Laemmert foi pioneira na comercialização e produção de manuais escolares da área de matemática confeccionados por autores nacionais. Havia queixas nas províncias pela falta de livros escolares produzidos no Brasil e adaptados às condições locais. A partir de 1846, vários livros encomendados por seus autores passaram a ser produzidos pelas tipografias locais que ampliaram o seu leque de trabalho para além das tradicionais impressões de jornais.

Com a ampliação do mercado, Laemmert e Garnier iniciam a competição pelo mercado dos livros didáticos. Bittencourt (2008) ressalta o negócio lucrativo sobre esse segmento comercial para as editoras, afirmando que o livro didático chegou rapidamente a ser o texto impresso de maior circulação atingindo uma população que se estendia por todo o país.

A primeira notícia de que a obra de Lübsen tinha sido traduzida e adaptada para o português por Carlos Jansen foi encontrada no noticiário do jornal O Paiz, do Rio de Janeiro, em 15 de fevereiro de 1893. Propriedade de uma sociedade anônima, O Paiz se intitulava como a folha de maior tiragem e de maior circulação na América do Sul. Com informações variadas e de naturezas diferentes, constituiu-se como um jornal diário que circulava no Rio de Janeiro, desde outubro de 1884. De acordo com dados apanhados na Hemeroteca digital, seu primeiro redator-chefe foi Rui Barbosa que se destacava por sua participação nas campanhas abolicionista e republicana. Seu sucessor foi Quintino Bocaiúva, um dos fundadores do Partido Republicano, figura eminente brasileira e responsável por consolidar o tom editorial que caracterizava o jornal em suas campanhas e posicionamentos marcantes.

Com tiragens que alcançaram, após a Proclamação da República, um total de 60 mil exemplares, a obra de H. B. Lübsen é apresentada como sendo um volume de 200 páginas com numerosas gravuras intercaladas no texto e que seu preço encadernado era de 4$000 (quatro mil contos de réis). É também informado que a presente obra, em suas mais de 25 edições, popularizou-se na Alemanha, “o que é prova do mérito em um paiz em que com tanta severidade são tratadas todas as sciencias” (O PAIZ, 1893, p. 6).

No ano de 1887, no noticiário de outro jornal, A instrucção publica, de publicação quinzenal dirigida por J. C. de Alambary Luz, editado no Rio de Janeiro, há a informação de que um novo livro acaba de ser editado pela casa dos Srs. Laemmert & C. Tratava-se, portanto, do mesmo compêndio de Geometria Elementar do professor H. B. Lübsen, muito popularizado na Alemanha, com suas quase trinta edições. Considerado como “um bom presente feito á didactica do nosso paiz e um auxilio poderoso a quem necessita de ter idéas precisas deste ramo das mathematicas [...]” (A INSTRUÇÃO PUBLICA, 1887, p. 86), o compêndio utilizava-se de muita clareza para estabelecer os princípios científicos, os quais eram colocados em prática por meio de exemplos de uso comum.

Onze anos depois, outra notícia é veiculada no jornal O Commercio de São Paulo, de fevereiro de 1896. A linguagem feita na apresentação do Compêndio é semelhante à apresentada no jornal O Paiz, de 1883, embora muito mais sucinta. Há também, assim como no supracitado jornal, a informação de que o Compêndio de trigonometria plana e esférica, do mesmo autor alemão, consistia noutra tradução por Carlos Jansen.

A esta altura alguns questionamentos se fazem necessários: por que uma obra tão importante como essa foi traduzida por Carlos Jansen e não por outra pessoa? Quem foi Carlos Jansen? Qual o seu interesse nessa publicação? Quais outros Estados, além de Rio de Janeiro e São Paulo, noticiariam a tradução e passaram a adotar em suas escolas? Esta obra pode ser considerada inovadora para o ensino de Geometria daquela época? O que circulava no Brasil sobre o ensino de Geometria no mesmo período?

Embora, de pronto, não se tenha todas as respostas para essas perguntas, o que se sabe é que, de acordo com Blake (1895), Carl Jacob Christian Jansen, era alemão, naturalizado brasileiro, com procedência militar, literária e jornalística. Entre 1880 e 1883, Carlos Jansen traduziu e adaptou o primeiro grupo de livros sobre Geografia Física, Geologia, Astronomia e Química, todos do catálogo da Laemmert. Naquela época, Jansen era professor da Escola Normal Imperial e, de 1883 em diante, assume como professor de língua alemã no Colégio Pedro II (LORENZ, 2007). Ainda de acordo com Lima e Souza (2015, p. 119), Jansen teve um papel importante na história da literatura infantil brasileira, “tendo sido o ‘pivô’ na gênese desse segmento”, deixando como herança cinco traduções literárias de clássicos para jovens em português brasileiro.

No prefácio da obra em língua portuguesa, Carlos Jansen afirma que, como visto anteriormente, já mantinha relações há anos com a referida editora em trabalhos didáticos e literários. E que foi da própria Laemmert & Cia. que partiu o convite para a adaptação do compêndio de Geometria Elementar de H. B. Lübsen. Apesar da difícil tarefa e do risco que aquilo representava, já que não era “professor especial e diplomado da materia” (LÜBSEN, 1902, p. 1), Jansen resolveu aceitar. Sua justificativa está logo a seguir.

Animou-se, porém, a lembrança da grande benevolencia com que o publico em geral acolhêra os meus trabalhos de adaptação, já anteriormente publicados, e a reflexão que no ramo em questão não era totalmente um desconhecido, justificada pela tradição, que me dizem ter eu deixado na Escola Normal desta corte, como professor de mathematicas, e bem assim nas mesas examinadoras, nas quaes julgo ter tido a fortuna de nunca envergonhar os meus illustres companheiros. Além disto seduzia-me singularmente o methodo seguido pelo autor alemão, methodo inteiramente adequado á nova direcção, que actualmente se imprime aos estudos entre nós. (LÜBSEN, 1902, p. 2)

Como observado na citação anterior, Jansen apresentava alguma aproximação com o conteúdo da obra. Ademais, sua afeição era também pelo método utilizado pelo seu conterrâneo, onde as proposições eram bem enunciadas e concatenadas logicamente, as demonstrações perfeitamente deduzidas e muito precisas (LÜBSEN, 1902).

O compêndio, segundo as informações noticiadas nos jornais, apelava para uma questão prática no ensino de Geometria. A recomendação era que o saber adquirido pudesse ser aplicado “nas questões de planimetria, nivelamento, agrimensura, no cálculo de distâncias e alturas inaccessiveis, na medição de volume, etc.” (A INSTRUÇÃO PUBLICA, 1887, p. 86), mostrando-se, assim, o caráter prático da obra. Para o jornal O Paiz, o referido compêndio

[...] tratou finalmente de mostrar a applicação immediata dos principios geométricos á resolução das questões elementares da planimetria, do nivelamento e da agrimensura, dando fácil comprehensão destas partes da topografia, as noções indispensáveis sobre alguns instrumentos topográficos. (O PAIZ, 1893, p. 6; grifos no original)

Em se tratando do termo “prática”, Frizzarini e Leme da Silva (2014) apontam que, no ano de 1894, a Livraria Francisco Alves publicou a primeira obra didática direcionada ao ensino primário de geometria em tempos republicanos, com o título de Primeiras Noções de Geometria Prática de Olavo Freire. Diferentemente da obra aqui analisada, a geometria prática de Freire é prática por que “inclue as construções com régua e compasso” (FRIZZARINI; LEME DA SILVA, 2014, p. 7). À primeira vista, parece que o lugar de produção das obras diz muito sobre seu caráter prático. Em outras palavras, uma obra que é direcionada para o ensino primário ganha singularidades próprias em relação a uma obra destinada à formação destes professores, algo muito mais técnico, “dando ao estudante a satisfação de mostrar que sabe utilisar o que aprendeu” (LÜBSEN, 1902, p. 2).

Mesmo com todas essas boas impressões trazidas pelos jornais e tendo em vista sua possível circulação pelo Rio de Janeiro e por São Paulo, num trabalho realizado por Lorenz e Vechia (2004), em que citam autores de livros didáticos de matemática utilizados no Colégio Pedro II no século XIX, não há indícios sequer de nenhuma referência ao compêndio traduzido por Jansen. Nomes como o de Leal, Lacroix, Ottoni e Drago, por exemplo, são tidos como referências no trato do ensino de Aritmética, Álgebra, Geometria e Trigonometria entre os anos de 1838 (data de fundação desse Colégio, referência no ensino secundário no Brasil) e 1898, alguns anos depois de já proclamada a República.

Todavia, na pesquisa realizada por Basei e Valente (2019), esses pesquisadores afirmam ter localizado um exemplar da obra de Jansen na Biblioteca do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP) e que, ao comparar seu índice com o programa de Geometria do professor Constante Affonso Coelho, identificaram “uma enorme semelhança: o programa praticamente representa uma transcrição do índice da obra de H. B. Lübsen” (BASEI; VALENTE, 2019, p. 128). Nesse sentido, tal constatação é indiciária de que a obra de Jansen circulou e estava sendo adotada em referências normativas apresentadas pela Escola Normal de São Paulo.

3. A OBRA DE H. B. LÜBSEN – estrutura física e análise do conteúdo

O exemplar traduzido para o português, objeto desta análise, está incompleto. Trata-se de uma edição de 1902, como anteriormente citado. Foi adquirido numa livraria que comercializa livros usados ainda no ano de 2010, isto é, num sebo em São Luís/MA. Pertence à biblioteca particular de um destes autores. Neste exemplar é possível observar diversas anotações sobre as questões estudadas nas páginas que as contêm e a assinatura de uma determinada proprietária: Maria do Carmo N. Teixeira (1º de abril de 1902), como informado nas primeiras linhas deste artigo. De acordo com Tourinho e Mota (2012), Maria do Carmo N. Teixeira foi “professora normalista laureada”, homenagem esta conferida somente àquelas pessoas que obtinham notas máximas na maioria das disciplinas, no decorrer do curso da Escola Normal de São Luís/MA e passavam a ter no salão de honra da escola seu retrato feito a crayon no estrangeiro.

O exemplar está incompleto, não possui as páginas de 03 a 16. Não possui capa, apresenta uma contracapa, uma folha de rosto e em seguida é apresentado o prefácio, que vai até a página 2.

Analisando propriamente o conteúdo da obra, conforme Figuras 1 e 2, pode-se observar que Lübsen dividiu sua obra em duas partes: I – Geometria Plana e II – Geometria do Espaço. Cada uma destas partes está subdividida naquilo que o autor chamou de “livros”. Isto é, para a Parte I – Geometria plana há 13 livros (Livro I – Linhas rectas, superficieis, curvas; Livro II – Dos círculos; ... até Livro XIII – Dos polygonos regulares). A parte II está reservada para os livros XIV – Da posição dos planos até o Livro XVIII – Aplicações algébricas. Há também um Apêndice que o autor chama de Geometria Prática. Nas Partes I, II e no Apêndice, destacam-se 217 elementos estruturais da obra como se fossem lições ou tópicos, listados sequencialmente permeando a obra de forma ininterrupta.


Figura 1
Sumário do Compêndio de Geometria
Fonte: LÜBSEN (1902, p. 195)


Figura 2
Sumário (cont.) do Compêndio de Geometria
Fonte: LÜBSEN (1902, p. 196)

Nesses 217 elementos estão presentes definições, problemas e suas soluções, proposições e teoremas. De acordo com o jornal O Paiz (1893), todos os teoremas tratados no compêndio têm suas demonstrações encaradas com todo o rigor e os problemas com soluções tratadas com completo fundamento. Estes elementos se caracterizam como “pontos”, ou seja, a menor unidade didática. Os pontos, tratam-se de expediente didático que permitem, por exemplo, acompanhamento do ritmo da matéria do professor ou mesmo das referências de estudos para futuras avaliações. Revelam-se como heranças de tempos passados onde a memorização era fundamental. Saber os pontos de cor era resultado de bom aproveitamento nas avaliações (VALENTE, 2007).

Logo nas primeiras páginas depara-se com ilustrações que se destacam através de um fundo preto. Este artificio, de acordo com Valente (2007) aparece anteriormente no texto didático de Ph. André, autor de Éléments de Géometrie, com inúmeras edições e a primeira delas publicada em 1870. Da mesma forma, o estudo de Soares (2014) também apresenta este mesmo artificio na obra de Timotheo Pereira no seu livro Curso de Geometria. Parece que tais matrizes eram compartilhadas entre as tipografias que serviam as editoras.

No que concerne à apresentação dos conteúdos, estas ilustrações são aliadas na compreensão de definições, problemas e teoremas que são propostos. Dizendo de outro modo, elas são utilizadas como elementos de representação do abstrato, favorecendo, assim, a concretização dos conceitos. De acordo com Dalcin (2002, p. 65), as ilustrações auxiliam no processo de “compreensão do conteúdo matemático sob vários aspectos, principalmente como meio pelo qual se incentiva a visualização e o processo imaginativo”. No caso do livro aqui analisado, pode-se observar pela leitura da Figura 3, a seguir, que a intenção do autor é transformar a linguagem verbal e escrita num procedimento geométrico acompanhado de uma demonstração algébrica.


Figura 3
Ponto 18, livro II
Fonte: LÜBSEN (1902, p. 35).

Sobre a presença da Álgebra neste manual, percebe-se na Figura 2 que há uma seção intitulada Appllicação algébrica. Sobre isso, o jornal O Paiz afirma que o auxílio da Álgebra seria para a resolução, simplificação e abreviação de muitas demonstrações geométricas, bem como de outras consideradas impossíveis. Em suma, a obra evidencia uma sintonia com as principais áreas do conhecimento matemático da época. Tudo leva a crer que o autor usou isso como estratégia para atingir um público maior de pessoas e, consequentemente, ter sua obra bastante elogiada e evidenciada.

Do original, em alemão, destaca-se o fato que a capa já dava ênfase ao pretenso caráter didático, como um livro detalhado de geometria elementar e geometria física dedicado ao autoestudo (self-education) e aos fins para a vida prática.

No prefácio da versão em português o autor/tradutor destaca que o método utilizado por Lübsen (1902, p. 2) é “[...] inteiramente adequado á nova direção, que atualmente se imprime aos estudos entre nós”. Destaca como ponto positivo da obra original, a concatenação lógica entre as proposições e seus enunciados, o rigor aplicado às demonstrações, “precisas”, de todos os “theoremas”, destaca ainda que os problemas apresentam soluções fundamentadas. As “applicações” práticas, descritas na obra pelo autor/tradutor, são tratadas com o intuito de proporcionar uma aprendizagem alicerçada na memorização e na utilidade do estudo da Geometria, com finalidade na satisfação e exibição do que aprendeu.

Lübsen escreveu livros em diversas áreas da matemática com o propósito da self-education, de 1855 até sua morte (STEINER, 2006). No prefácio do original em alemão, o autor ressalta o forte propósito de suas obras à vida prática do estudante. Destaca benefícios proporcionados pelo estudo da Matemática, em destaque a formalização do pensamento em matemática, que lhe daria capacidade de ler obras que assumem a matemática como linguagem. No prefácio da segunda edição o autor alerta para casos de plágio denunciados de sua obra, presentes em outras obras em publicações contemporâneas na Alemanha e na Irlanda.

Na Introdução o autor evidencia a origem da geometria como um produto das civilizações, em especial a egípcia. Relaciona a organização de Os Elementos, por Euclides (300 a. C.), às viagens feitas por ele pelo Egito. Atribui a Euclides a iniciativa de organizar a Matemática como um conjunto sólido de conhecimentos para uma posteridade e para serviço das ciências. A estruturação da introdução ocorre da seguinte forma: I - Origem conjectural da geometria; II - Objeto da geometria (extensão, corpos, superfícies, linhas); III – Finalidades da geometria (propriedades e construção das figuras e medida de extensão).

De início é feita a apresentação das noções de corpo, superfície, linhas e extensões (variáveis espaciais). Esse percurso de propósito conceitual é feito primeiramente com a noção de Corpo, evocando uma condição humana com alusão ao espaço físico. Para explicitar Superfície, o autor usa a noção de Corpo, e termina por relacionar com a noção de área. Os limites de uma área é o que é descrito na obra como linha, que por sua vez, o seu limite é estabelecido como ponto, o começo e o fim de uma linha.

Para Lübsen (1867, p. 4, tradução dos autores): “O ponto matemático [...] denota o limite no começo do fim de uma linha, não pode ser uma parte dele, e portanto, não pode ter nenhuma extensão, e portanto não pode dar nenhuma consideração adicional”. Com essa apresentação o autor caracteriza o ponto como objeto matemático único e não divisível, não o podendo colocá-lo como um elemento primitivo, tal qual faz a outras obras que seguem o modelo elementar de Euclides (SCHUBRING, 2003).

Lübsen ao tratar dessas noções, não nega a natureza particular e cognitiva desses objetos matemáticos (corpos, superfícies e linhas), assumindo-os como originados do pensamento humano. O ordenamento dessas noções diverge de abordagens contemporâneas à obra, que definem o ponto como elemento primitivo (SCHUBRING, 2003). Chama atenção a estrutura subsequentes às três iniciais: IV - Conceito de Geometria, V - Método da Geometria e VI - Sistema de Geometria. Em IV, Lübsen descreve a geometria como a Ciência das propriedades de construção e medição dos tamanhos espaciais. Em V, o autor sugere que muitas das proposições de geometria podem ser descobertas por mera sondagem, equivalente à empiria antecedendo a indução. Em VI, o autor trata da divisão da Geometria em Plana e do Espaço.

4. CONSIDERAÇÕES

Os registros encontrados no Compêndio de Geometria Elementar de H. B. Lübsen traduzido do alemão por Carlos Jansen indicam o pertencimento do exemplar a Maria do Carmo N. Teixeira, normalista laureada da Escola Normal de São Luís/MA, na turma do início do século XX. No entanto, o grande número de registros e apontamentos pessoais nas páginas da obra ainda não são suficientes para se inferir que esta obra foi utilizada na fase de formação da normalista, isto é, na Escola Normal – lugar de formação de futuros professores do curso primário. Fazem-se necessárias evidências mais contundentes.

Reconhece-se na obra de Lübsen uma organização que privilegia a apresentação da geometria a partir de elementos abstratos. Através das noções de corpo, superfície, linhas e extensões, o autor elucida os primeiros conceitos evocando a noção de corpo de uma condição humana e alusão ao espaço físico. Em geral, pode-se observar que a metodologia utilizada no compêndio se caracteriza pela apresentação de conteúdos por meio de definições que valorizam os aspectos teóricos. As figuras, que são apresentadas em fundo preto, simbolizam o enunciado dos problemas propostos. Essas servem ora como instrumento de auxílio à abstração, ora como ilustração das definições.

Ademais, cabe ressaltar que a obra de Lübsen se intitulava de caráter prático, destinada à vida prática do estudante, mediante à aplicação de conceitos na resolução de questões ligadas à planimetria, nivelamento etc.

Este estudo se interliga com tantos outros que se iniciam na ambição de melhor compreender a história dos processos de formação dos professores que ensinam matemática em âmbito maranhense. Tais estudos comporão as investigações de uma nova linha de pesquisa: Epistemologia e História da Ciência e da Matemática que se intenta implantar no PPECEM/UFMA.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
[4] Trata-se da inscrição nas primeiras páginas do livro “Maria do Carmo N. Teixeira (1º de abril de 1902)”.
[5] Este texto surge como desdobramento das aproximações de estudos e pesquisas realizadas por professores do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PPECEM) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Fomentado pelo edital do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia (PROCAD/Amazônia), edital 21/2018, da CAPES, procura-se articular e implementar uma nova linha de pesquisa no PPECEM, no caso, Epistemologia e História da Ciência e da Matemática com o apoio acadêmico do PPGECT.

Figura 1
Sumário do Compêndio de Geometria
Fonte: LÜBSEN (1902, p. 195)

Figura 2
Sumário (cont.) do Compêndio de Geometria
Fonte: LÜBSEN (1902, p. 196)

Figura 3
Ponto 18, livro II
Fonte: LÜBSEN (1902, p. 35).
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