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Agricultura familiar, segurança e soberania alimentar e nanotecnologia: onde estamos, para onde vamos
Paulo Roberto Martins
Paulo Roberto Martins
Agricultura familiar, segurança e soberania alimentar e nanotecnologia: onde estamos, para onde vamos
Revista TOMO, núm. 29, 2016
Universidade Federal de Sergipe
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Resumo: Em continuidade a reflexão realizada em 2007/2008 e publicada em 2009 por Martins et al., “Impactos das Nanotecnologias na cadeia de produção da soja brasileira”, o presente artigo tem por objetivo introduzir a questão do desenvolvimento das nanotecnologias e suas relações com agricultura familiar e a segurança e soberania alimentar no Brasil. Um panorama geral será apresentado em termos de como estamos no desenvolvimento das nanotecnologias aplicadas à agricultura. Apresenta-se quem no Brasil está trabalhando no desenvolvimento dessa tecnologia aplicada à agricultura, bem como será apresentada de forma sintética o que ocorre no panorama global. A partir dos ele- mentos anteriormente indicados e de princípios adotados neste trabalho relativos ao tema segurança e soberania alimentar será apresentado uma análise em termos prospectivos dos possíveis impactos do desenvolvimento das nanotecnologias aplicadas à agricultura em suas relações com a agricultura familiar brasileira e também os possíveis impactos nas questões relativas à segurança e soberania alimentar posta pelo desenvolvimento dessa tecnologia no caso brasileiro. Ao final apresentam-se algumas conclusões preliminares para a discussão pública.

Palavras-chave: nanotecnologias, desenvolvimento, agricultura familiar, segurança alimentar, soberania alimentar.

Abstract: Continuing the reflection carried out in 2007/2008 and publi- shed in 2009 by Martins et all, “Impacts of Nanotechnology in the production chain of Brazilian soy” , the present article aims to introduce the issue the development of nanotechnologies and their relationships with family agriculture and food secu- rity and sovereignty in Brazil. An overview will be presented in terms of how we are in the development of nanotechnologies applied agriculture. It is presented in Brazil who is working on the development of this technology applied to agriculture, and will be presented in summary form what happens in the global landscape. From the above listed elements and principles adop- ted in this paper on the subject security and sovereignty feeds will be presented an analysis in prospective terms of the possi- ble impacts of the development of nanotechnologies applied to agriculture in its relations with the Brazilian family farming and also the possible impacts on issues related to food security and sovereignty posed by the development of this technology in the Brazilian case. At the end we present some preliminary findings for public discussion.

Keywords: nanotechnologies, development, familiar agriculture, food security, food sovereignty.

Carátula del artículo

Dossiê “Nanotecnologias, Desenvolvimento e Meio Ambiente”

Agricultura familiar, segurança e soberania alimentar e nanotecnologia: onde estamos, para onde vamos

Paulo Roberto Martins
Renanosoma, Brasil
Revista TOMO
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
ISSN-e: 1517-4549
Periodicidade: Semestral
núm. 29, 2016

Recepção: 05 Maio 2016

Aprovação: 27 Junho 2016


1 Introdução

Em primeiro lugar cabe explicitar o que este artigo não preten- de ser. Não pretende ser um artigo de referência no que tange a caracterização do que seja a agricultura familiar no Brasil, bem como do que seja segurança e soberania alimentar, isto porque há um contingente de trabalhos importantes produzidos sobre esses temas ao longo de décadas. Aqui iremos eleger algumas dessas contribuições, sem refazer o debate entre as diversas vi- sões expressas pelos diversos trabalhos produzidos.

A decisão tomada e explicitada acima tem sua justificativa no que este artigo pretende ser. Pretende ser um artigo de referên- cia sobre as relações entre o desenvolvimento de nanotecnolo- gias no Brasil e a produção agrícola organizada por um conjunto de agricultores denominados de agricultores familiares, bem como as relações desta tecnologia ora em análise e a segurança e soberania alimentar no Brasil.

Nesse sentido, este artigo pretende ser inovador quanto ao tema proposto para análise e prospectivo no que tange ao futuro da agricultura familiar e da segurança e soberania alimentar, tendo em vista o desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil.

Com isso, este artigo pretende despertar a atenção de outros pesquisadores para com esse tema de pesquisa e também des- pertar nos formuladores de políticas públicas relativas à agricul- tura familiar e à segurança e soberania alimentar a importância de levar em conta a introdução destas tecnologias / nanotec- nologias no Brasil, com seus impactos nos temas objetos desta análise.

2 Nanotecnologia: conceitos e definições

O que o leitor verá a seguir está baseado no livro “Impactos das Nanotecnologias na Cadeia de Produção da Soja Brasileira”. Esse livro é o produto de uma pesquisa realizada com o apoio do NEAD/MDA (2).

Existe uma vasta literatura que apresenta conceitos e definições do que sejam as nanotecnologias. Segundo o Center for Respon- sible Nanotechnology, por exemplo, uma definição básica é que a nanotecnologia é a engenharia de sistemas funcionais na escala molecular. Em seu sentido original, nanotecnologia refere-se a projetada habilidade de construir coisas de “baixo para cima” (botton up), utilizando técnicas e ferramentas que estão sendo desenvolvidas atualmente para fazer produtos acabados e de alta performance (Center for Responsible / Technology.)

De acordo com o grupo canadense Erosion, Technology Concen- tration (ETC): As nanotecnologias referem-se à manipulação da matéria em escala de nanômetros (um bilionésimo de metro). A ciência em nanoescala opera no campo de um único átomo e mo- léculas. Na atualidade, as nanotecnologias comerciais envolvem materiais científicos, ou seja, materiais que são produzidos por pesquisadores aptos e que são mais resistentes e duráveis, utili- zando a vantagem que resulta da alteração que ocorre nas suas propriedades quando as substâncias são reduzidas à dimensão de nanoescala. No futuro, quando a auto replicação molecular, em nível de nanoescala, se tornar uma realidade comercial, as nanotecnologias caminharão para a manufatura convencional. Enquanto as nanotecnologias oferecem oportunidades para a sociedade, elas também podem trazer profundos riscos sociais e ambientais não apenas por ser uma tecnologia capacitadora de tecnologias para a indústria biotécnica, mas também porque ela envolve a manipulação atômica que poderá tornar possível a fusão do mundo biológico com o mecânico. Há uma necessidade urgente para se avaliar as implicações sociais de todas as nano- tecnologias [...]. (ETCGROUP, 2004)

A nanotecnologia pode ser apresentada em duas formas. Na pri- meira delas, a tecnologia caracteriza-se por dois aspectos princi- pais: 1) o prefixo “nano”, que é indicador de medida: 1 nano signi- fica a bilionésima parte de um metro, ou seja, 10-9 metros. Nesse caso, nanotecnologia refere-se somente à escala, e não a objetos; 2) refere-se a uma série de técnicas utilizadas para manipular a matéria na escala de átomos e moléculas que, para serem enxer- gadas, requerem microscópios especiais, muito potentes.

A título de ilustração, pode-se citar que um único fio de cabelo humano tem a dimensão de cerca de 80 mil nanômetros (nm) de espessura, enquanto 1 nm contém 10 átomos de hidrogênio colocados lado a lado. A conhecidíssima molécula de DNA tem o tamanho de aproximadamente 2,5 nm de largura, enquanto um glóbulo vermelho tem 5 mil nm de diâmetro. Ou, ainda ilustra- tivamente, um nanômetro corresponderia ao tamanho de uma bola de futebol em relação ao globo terrestre.

A segunda forma de se apresentar a nanotecnologia consiste em considerar a nanociência como o estudo dos princípios funda- mentais de moléculas e estruturas com uma dimensão entre 1 a 100 nm (nanômetros). A nanotecnologia seria, então, a aplica- ção dessas moléculas em nanoestruturas, ou dispositivos nano- métricos.

As partículas nano, embora sendo do mesmo elemento quími- co, comportam-se de forma distinta em relação às partículas maiores, em termos de cores, propriedades termodinâmicas, condutividade elétrica, etc. Portanto, o tamanho da partícula é de suma importância em relação aos efeitos que podem produzir, e porque muda a natureza das interações das forças entre as moléculas do material e, assim, muda os impactos que estes processos ou produtos nanotecnológicos podem causar ao meio ambiente, à saúde humana e à sociedade como um todo.

Mas, como se criam as nanoestruturas com objetivos indus- triais? Duas são as técnicas para se criarem nanoestruturas, com variados níveis de qualidade, velocidade e custos. Elas são conhecidas como bottom up (de baixo para cima) e top down (de cima para baixo). É preciso realçar que no início do século XXI a tendência de convergência entre essas técnicas está em curso.

A técnica bottom up proporciona a construção de estruturas áto- mo por átomo ou molécula por molécula, mediante três alterna- tivas:

1) síntese química (chemical synthesis), em geral utilizada para produzir matérias-primas, nas quais são utilizadas moléculas ou partículas nano;

2) auto-organização (self assembly). Nessa técnica, os átomos ou moléculas organizam-se de forma autônoma por meio de inte- rações físicas ou químicas, construindo, assim, nanoestruturas ordenadas. Diversos sais em formas de cristais são obtidos por esta técnica;

3) organização determinada (positional assembly). Nesse caso, átomos e moléculas são deliberadamente manipulados e coloca- dos em determinada ordem, um por um.

Já a técnica top down tem por objetivo reproduzir algo, porém em menor escala que o original e com maior capacidade de pro- cessamento de informações, como em um chip, por exemplo. Isso é feito mediante dois caminhos: engenharia de precisão ou litografia. A indústria de semicondutores vem realizando isso nos últimos 30 anos.

A ideia de que a matéria é composta por átomos já tem cerca de 2.400 anos, época em que o filósofo grego Demócrito defendia esta tese. Mas somente no final da década de 1950 é que ocorreu um fato que marcou o início da nanotecnologia em nossos tem- pos3: Richard Feynman (1960) afirmou que “Os princípios da fí- sica não falam contra a possibilidade de se manipular as coisas átomo por átomo”. Apontou, também, para o que seria, a seu ver, a principal barreira para a manipulação na escala nanométrica: a impossibilidade de vê-la.

Em 10 de agosto de 1982, 23 anos após a palestra de Feynman, a IBM conseguiu a patente do denominado microscópio de var- redura de tunelamento eletrônico (scanning tunneling microsco- pe – STM), que permite a visualização de imagens em tamanho nano. A partir desse microscópio outro foi desenvolvido, levan- do o nome de microscópio de microssondas eletrônicas de var- redura (scanning probe microscope – SPM), que permite visuali- zar e manipular átomos e moléculas.

O termo nanotecnologia foi utilizado primeiramente pelo professor Norio Taneguchi, da Universidade de Ciência de Tóquio. Ele usou esse termo para descrever a fabricação precisa de no- vos materiais com tolerâncias nanométricas.

Nos anos 1980, nano adquiriu nova conotação devido à publica ção do livro de K. Eric Drexler (1986) intitulado Engines of crea- tion: the coming era of nanotechnology. Em 1992, com a publicação da tese de doutorado do mesmo autor(4), intitulada Nanosystems: molecular machinery, manufacturing and computation, a nanotec- nologia ganhou novo impulso na comunidade científica.

2.1 O debate sobre os possíveis horizontes das nanotecnologias

Este debate tem como referência a questão relativa a dois tipos de inovação presentes no desenvolvimento científico e tecnoló- gico, a saber: inovações incrementais e revolucionárias.

As inovações incrementais ocorrem constantemente, segundo o ritmo de cada setor, consistindo em simples melhoria da gama de produtos e de processos existentes (inovação marginal ou se- cundária). No limite das aplicações das nanotecnologias, entre- tanto, poderão assumir características revolucionárias.

As inovações revolucionárias não se limitam a criar novos produtos e processos, mas originam uma série de novas atividades, afetando todos os segmentos econômicos e alterando a estrutu- ra de custos dos meios de produção e de distribuição.

A bibliografia em nanotecnologia já é bastante intensa e hetero- gênea. Para uma síntese do debate, pode-se utilizar o trabalho de Wood, Jones e Geldart (2003). Em grandes blocos, o debate pode ser referenciado em termos dos que acreditam ser a nano- tecnologia portadora de radical descontinuidade, enquanto os opositores a esta ideia advogam que a nanotecnologia apresenta somente uma continuidade evolucionária de outras tecnologias. Entre esses dois extremos também existem vários autores.

Entre os defensores da radical descontinuidade, podem-se citar K. Eric Drexler, Jamie Dinkelacker, The Foresight Institute, Bill Joy, Glenn Harlan Reynolds, Damien Broderick, Mark Suchman, Mihail Rocco. Esse conjunto de autores pode ser denominado de “nano-otimista”.

No campo oposto, se tem os evolucionaristas, cujos expoentes, entre outros, são George M. Whiteside, Richard E. Smalley, Phi- lip Ball, Denis Laveridge, Gary Stix. Esses podem ser denomina- dos de “nanopessimistas”, na medida em que entendem que as nanotecnologias se encontram apenas no campo das inovações incrementais.

Numa versão sintética sobre esse tema nano-otimista/pessimis- ta, Letham (apud Basl, 2005) analisou as implicações sociais das nanotecnologias. Ele descreveu dois paradigmas de pensamen- to: um que chamou de paradigma otimista, definido pela crença de que benefícios das nanotecnologias superam seus riscos, e outro que chamou de paradigma pessimista, definido pela cren- ça de que os riscos das nanotecnologias são maiores do que os benefícios. Entre os dois grupos acima comentados estão as ins- tituições promotoras da nanotecnologia e os comentadores de tecnologia.

Segundo Wood, Jones e Geldart (2003), as entidades promoto- ras localizam-se em diversos países e em indústrias, como o De- partamento de Comércio e Indústria da Inglaterra, a Direção de Tecnologias Industriais da Comissão Europeia, a National Nano- technology Initiative e a National Science Foundation, ambas do governo estadunidense.

Entre os comentadores, os autores indicam o mais importante deles: a ONG canadense ETCGroup, além de Debra R. Rolinson, do Laboratório de Pesquisa Naval, e Vick Colvin, da Rice University, ambos nos Estados Unidos

Desse rol de autores e instituições indicados, detalham-se um pouco mais as contribuições do professor Mark Suchman e do ETCGroup. Essas ideias encontram-se expostas de maneira ampla em Martins (2005) e ETCGroup (2005).

As controvérsias relativas à nanotecnologia podem ser captadas nos diversos trabalhos do ETCGroup, em especial em “Nanotec- nologia: os riscos da tecnologia do futuro” (2005), no qual uma síntese dos diversos problemas é apresentada, a começar pelo impacto dessa tecnologia nas economias dos países do Hemisfé- rio Sul, na vida das pessoas, na segurança, na saúde humana, no meio ambiente, nos direitos humanos, nas políticas sociais, na agricultura, nos alimentos. Esse trabalho apresenta quem tem o controle dessa tecnologia (as grandes empresas) e a quanto chegam os investimentos nesta tecnologia (US$ 8,6 bilhões).

Em suas recomendações, o ETCGroup (2005) afirma que: ao permitir que produtos da nanotecnologia cheguem ao mercado na ausência de debate público e sem regulação, os governos, o agronegócio e as instituições científicas já comprometeram o potencial das tecnologias em escala nanométrica de serem uti- lizadas de forma benéfica. O fato de não haver, atualmente, em qualquer parte do mundo, normas de regulação para avaliar novos produtos em escala nanométrica na cadeia alimentar, representa uma inaceitável e culposa negligência. [...] Devem ser tomadas medidas para restaurar a confiança nos sistemas alimentares e para se ter certeza de que as tecnologias em es- cala nanométrica, se introduzidas, sejam feitas sob rigorosos padrões de saúde e segurança.

Em relação às aplicações das nanotecnologias, podem-se consi- derar dois enfoques: 1) de uma nanoestrutura passiva com novas propriedades e funções para uma mesma composição química; nanoestruturas inertes ou reativas que apresentam comporta- mento estável e propriedades quase constantes durante seu uso; 2) de transição para nanoestruturas ativas, em que sucessivas mudanças podem ocorrer de modo planejado ou imprevisto no ambiente.

Essas observações deverão ser consideradas quando do uso das nanotecnologias na agricultura em geral e, em especial, na produção de alimentos.

3 Segurança e soberania alimentar: breves conceitos

A opção foi adotar neste trabalho a forma oficial/governamental de entender o que seja a segurança e a soberania alimentar. Isso se justifica porque as análises relativas ao desenvolvimento das nanotecnologias serão realizadas em função das ações realizadas pelo governo federal ao longo deste Século XXI. Assim sendo, estaremos usando tanto para o campo da segurança e soberania alimentar e nanotecnologia as formas oficiais de entendimento destes temas. Assim sendo, entendemos:

A Segurança Alimentar, enquanto estratégia ou conjunto de ações, deve ser intersetorial e participativa, e consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e perma- nente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essen- ciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

O modelo de produção e consumo de alimentos é fundamental para garantia de segurança alimentar, pois, para além da fome, há inse- gurança alimentar e nutricional sempre que se produz alimentos sem respeito ao meio ambiente, com uso de agrotóxicos que afetam a saúde de trabalhadores/as e consumidores/as, sem respeito ao princípio da precaução, ou, ainda, quando há ações, incluindo pu- blicidade, que conduzem ao consumo de alimentos que fazem mal à saúde ou ao distanciamento de hábitos tradicionais de alimentação.

A segurança alimentar e nutricional demanda ações interseto- riais de garantia de acesso à terra urbana e rural e território, de garantia de acesso aos bens da natureza, incluindo as se- mentes, de garantia de acesso à água para consumo e produção de alimentos, da garantia de serviços públicos adequados de saúde, educação, transporte, entre outros, de ações de preven- ção e controle da obesidade, do fortalecimento da agricultura familiar e da produção orgânica e agroecológica, da proteção dos sistemas agroextrativistas, de ações específicas para povos indígenas, populações negras e povos e comunidades tradicio- nais. É, ainda, fundamental que as ações públicas para garantia de segurança alimentar possam contemplar abordagem de gê- nero e geracional.

A soberania alimentar é um princípio crucial para a garantia de segurança alimentar e nutricional e diz respeito ao direito que tem os povos de definirem as políticas, com autonomia sobre o que produzir, para quem produzir e em que condições produzir. Soberania alimentar significa garantir a soberania dos agricultores e agricultoras, extrativistas, pescadores, entre outros grupos, sobre sua cultura e sobre os bens da natureza5.

4 O contexto das relações entre segurança e soberania alimentar e nanotecnologia

Neste tópico o diálogo será realizado com o texto “A Agricultura e a Promoção da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricio- nal: Entraves e Desafios” de autoria de Renato S. Maluf (2013). As reflexões realizadas servirão de guia e serão relacionadas ao tema do desenvolvimento das nanotecnologias e seus impactos nas questões relativas à segurança e soberania alimentar.

A primeira questão indicada por Maluf (2013) é que o Brasil está integrado ao sistema alimentar globalizado, sendo um player importante neste mercado, como grande exportador de commo- dities agrícolas e produtos agroalimentares semiprocessados. Assim sendo, é preciso entender a participação da agricultura brasileira na denominada “segurança alimentar global” em tem- pos de crise do próprio sistema alimentar.

Dentro desse contexto, o autor em questão elege duas questões centrais: a) coexistência de diferentes modelos de agricultura no meio rural brasileiro, uma das principais manifestações das tensões e contradições presentes em nossa sociedade; b) a ine- xistência de uma política nacional de abastecimento alimentar orientada pelo marco de referência capaz de articular a promo- ção da produção diversificada e sustentável de alimentos em ba- ses familiares e com ampliação do acesso da população brasilei- ra a uma alimentação adequada e saudável (Maluf, 2013).

Em tópico mais a frente neste trabalho iremos debater o quanto o desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil foi desenhado, colaborou para que as tensões e contradições no meio rural fosse sanado e/ou mitigado, assim como a contribuição para a produ- ção diversificada e sustentável de alimentos em bases familiares. Terá o desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil ter sido planejada/desenhada para contribuir com as questões colocadas por Maluf (2013) ou mesmo sem planejamento teria contribuído na direção de superar as questões levantadas pelo autor em ques- tão?? É o que veremos mais adiante neste trabalho.

No artigo indicado, Maluf (2013) demonstra que a crise alimen- tar que abalou o mundo com intensas oscilações de preços inter- nacionais de commoditties alimentares configura-se como uma crise sistêmica atrelada a três outras crises, a saber: crise econô- mica financeira, crise ambiental (climática) e crise energética. Para o autor, a agricultura está intrinsicamente entrelaçada com essas três crises. As causas que afetam o sistema alimentar glo- bal, algumas delas não tradicionais e com temporalidades dis- tintas, atuam de forma combinada, conferindo caráter sistêmico à crise atual. Entre as causas, Maluf (2013) destaca: a) continua elevação da demanda de alimentos; b) quantidades crescentes de grãos básicos destinados à produção de biocombustíveis; c) elevação dos preços do petróleo; eventos climáticos extremos; d) especulação financeira com as commoditties alimentares atreladas aos demais mercados de ativos financeiros; e) um lon- go período de subinvestimento público na agricultura de base familiar ou camponês.

O autor em questão também ressalta que,

No entanto, não se tratando de um fenômeno meramente conjuntural, a crise alimentar tem acarretado mudanças im- portantes no sistema alimentar mundial em termos de loca- lização da produção agrícola – não apenas pelas mudanças climáticas, mas como resultado de investimentos internacionais com acaparamento de terras (land grabbing). For- taleceu-se o poder das grandes corporações internacionais nos principais componentes do sistema alimentar mundial, em particular, ampliando a parcela já majoritária das opera- ções intrafirmas no comércio agroalimentar internacional. Não obstante sua importância, o comércio internacional tem um antigo histórico de fonte não confiável de segurança alimentar, característica reafirmada na recente crise (Maluf, 2013, p. 138-139).

É importante destacar que Maluf (2013) indica a necessidade da revisão de paradigmas tecnológicos responsáveis pela produção de alimentos, para não colocar em risco a sustentabilidade am- biental e a capacidade de renovação do planeta. Para esse autor, isso implica em valorizar o enfoque agroecológico. Isso também implica em uma valorização da agricultura familiar dada sua pro- dução diversificada em oposição à monocultura em larga escala com uso intensivo de agrotóxicos e suas implicações, característi- ca dos agronegócios. Aqui se coloca mais um reflexão em relação ao desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil. O que esse desenvolvimento contribuiu no caminho relativo à agroecologia ou a opção deste desenvolvimento das nanotecnologias contribuiu foi para produzir conhecimentos, processos e produtos que atende ram mais o agronegócio que a agroecologia?

5 Reflexões sobre abastecimento, modelos de agricultura e nanotecnologia

Em continuidade na interação com o texto de Maluf (2013) já cita- do, cabe apresentar dentro das discussões propostas por este au- tor no que se refere a abastecimentos e agricultura, os principais conceitos, ideias, propostas e as questões as quais iremos refletir em relação ao desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil.

Maluf (2013) começa essa parte de seu texto fazendo uma afirmação e apresentando um conceito:

Pode-se afirmar que o Brasil abdicou de adotar uma política soberana de abastecimento, opção consagrada e aprofundada na década de 1990. As inflexões havidas nas políticas agroalimentares e o acionamento de alguns instrumentos a partir do governo Lula (2003) não permitem afirmar que aquela opção tenha sido revertida e uma política de abastecimento propriamente dita esteja em curso. No entanto, na construção social antes apresentada, o abastecimento alimentar, quando devidamente enfocado, aparece como questão estratégica por ser o elo de ampliação do acesso a uma alimentação adequada e saudável e à promoção da produção de alimentos de base familiar, diversificada e sus- tentável, notadamente em sua etapa agrícola. (p. 146)

O que realçamos acima indica a importância da produção de ali- mentos de base familiar e sustentável, que na sua etapa agrícola está diretamente relacionada às tecnologias disponíveis a estes produtores. Como ressalta Maluf (2013), “Os modelos de produção e os tipos de alimentos interessam tanto ou mais que a mera disponibilidade de bens” (IBDEM, IDEM, p. 146). Qual tem sido a contribuição do desenvolvimento das nanotecnolo- gias no Brasil em relação a este tipo de agricultura e a que tipos de produtos?

Maluf (2013) identifica na formação histórica brasileira a coe- xistência, no meio rural, da grande propriedade com diversas formas de pequenos e médios estabelecimentos agrícolas, resul- tando modelos distintos de agricultura e isto é uma das princi- pais raízes de nossa desigualdade social. Está o desenvolvimen- to das nanotecnologias moldado, desenhado, produzido para combater esse tipo de desigualdade originado no meio rural brasileiro.

Para deixar claro a que tipos de agriculturas e atores sociais a pergunta acima é dirigida, apresentamos a seguir o conceito de agricultura familiar e agronegócio apresentada por Maluf (2013) no texto citado e que nos serve de guia nestas nossas reflexões:

Desde meados da década de 1990, um conjunto bastante heterogêneo – por critérios como o nível de renda, bioma, sistemas de produção e fatores étnico-culturais – passou a se abrigar sob a noção de agricultura familiar, uma catego- ria sociopolítica que logrou reconhecimento legal e políticas públicas diferenciadas. Já o chamado agronegócio, termo usado para se referir à integração entre atividades agrícolas e não agrícolas (processamento dos produtos, comercializa- ção etc.), se converteu em categoria político-ideológica re- presentante da agricultura patronal. Não são dois mundos separados, é claro, mas que coexistem com complementa- ridades, conflitos e contradições. (Maluf, 2013, p.146-147).

O desenvolvimento das nanotecnologias privilegia um tipo de agricultura em detrimento de outro?? Quais atores oriundos des- ses tipos de agricultura estão a influenciar/determinar os rumos das nanotecnologias no Brasil no que tange a produção de conhe- cimentos voltados à agricultura? Em nota de rodapé – a seguir reproduzida – Maluf (2013) apresenta uma importante reflexão daquilo que ele denominou de “armadilha da modernização”,

Em artigo anterior (Maluf, 2002), cunhei a expressão “armadi- lha da modernização” para fazer referência a um processo que, embora possa representar a emancipação de indivíduos, com- promete a reprodução do grupo social como tal. Esta parece ser a marca da modernização agrícola, capaz de abastecer um país e gerar excedentes exportáveis com um número absoluto decres- cente de agricultores em unidades produtivas especializadas de maior escala, quase sempre monocultoras, intensamente meca- nizadas e dependentes de insumos químicos. (p.147).

Qual tem sido o papel do desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil nesse processo de modernização / “armadilha de mo- dernização”? O desenvolvimento das nanotecnologias tem ou não reforçado esse processo??

Em continuidade cabe apresentar as propostas elaboradas por Maluf (2013) em seu texto aqui analisado e indicar as reflexões que coloca em relação às nanotecnologias.

Proposta 1. Organizar a oferta da produção oriunda da agricul- tura familiar, incentivar melhorias em qualidade, capilaridade e regularidade desta produção e promover a diversidade de pro- dutos, formas de cultivo e hábitos alimentares. Nessa direção, contribuiria o aprimoramento da inserção no mercado pequeno varejo – setor pouco contemplado por políticas públicas no Bra- sil, em forte contraste com o antigo apoio conferido à expansão das grandes cadeias de varejo. Estimular as redes solidárias de produção, processamento, distribuição e consumo baseadas em empreendimentos associativos pode também ser um caminho promissor no campo agroalimentar.

Proposta 2. Programas de abastecimento podem contribuir para que os pequenos e médios produtores rurais e urbanos de ali- mentos, bem como o varejo de pequeno porte, aproveitem as oportunidades criadas pela segmentação dos mercados e dife- renciação de produtos (produtos artesanais, orgânicos, com de- nominação de origem etc.). O desafio de construir mercados se coloca, principalmente, para a agricultura familiar, para a peque- na indústria agroalimentar e para o varejo tradicional.

Em que as nanotecnologias desenvolvidas no Brasil estão a con- tribuir na execução dessas propostas ou pelo contrário, estão a indicar outros caminhos/propostas?

Em suas observações finais Maluf (2013) aponta,

os riscos da vinculação ao mercado global e a problemática dependência de uma oferta centralizada de alimentos, con- trolada por grande empresas corporativas. Segundo este autor, este diagnóstico impõe o resgate do papel do Estado e da participação social na busca de estratégias englobando: fortalecimento da agricultura camponesa e familiar; diver- sificação dos sistemas produtivos e de sua base genética; melhor aproveitamento de insumos e de fontes de energia localmente disponíveis; reestruturação dos sistemas nacionais de abastecimento com fortalecimento dos circuitos locais/regionais de produção, distribuição e consumo de alimentos; diversificação da cesta de consumo, valorizando a agricultura de base familiar igualmente diversificada, vi- sando lograr, simultaneamente, uma dieta saudável e a ate- nuação dos impactos das elevações dos preços dos alimentos; ampliação da cooperação visando fortalecer estratégias regionais de abastecimento alimentar, especialmente nos países da América do Sul. (Maluf, 2013, p. 152).

E as nanotecnologias produzidas no Brasil têm apresentado al- guma resposta, têm produzido algum conhecimento dirigido às questões acima elencadas? Enfim, qual tem sido a contribuição das nanotecnologias no Brasil, neste Séc. XXI, em relação ao tema da segurança e soberania alimentar? É o que veremos a seguir.

6 Nanopartículas e macropoliticas: por onde vai o desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil.

Toda periodização utilizada para determinar quando algo surge na ciência e tecnologia de um país é problemática, por se tratar de um recorte da historia. Sempre é possível identificar que a origem de um evento remonta a um período anterior mais comumente admitido.

Também é preciso ressaltar que, quando se apresenta o desenvolvi- mento de um dado setor econômico ou de uma área de C&T baseada apenas em fontes oficiais, certamente se apresenta parte do todo, ou seja, aquela parte que reflete apenas a visão oficial sobre o processo de desenvolvimento em questão.

Certamente, o Edital CNPq n.1 / 2001 que constituiu as primeiras quatro redes de pesquisas em nanotecnologia, tornou-se um marco do desenvolvimento desta tecnologia no Brasil, sendo importante ressaltar a articulação promovida em termos de recursos humanos e financeiros, neste caso no valor de R$9.800.000,00 de reais, relativos ao período de 2001-2005. As quatro redes de pesquisas consti- tuídas foram:

a) Nanobiotecnologia;

b) Nanodispositivos, Semicondutores e Materiais Nanoestrutu- rados;

c) Materiais Nanoestruturados;

d) Nanotecnologia Molecular e de Interfaces.

Essa foi a primeira ação do Estado brasileiro centrado na or- ganização das atividades de nanotecnologia. Seu objetivo era: fomentar a constituição e consolidação de Redes Cooperativas Integradas de Pesquisas Básica e Aplicada em Nanociência e Nanotecnologias, organizadas como centro virtuais de caráter multidisciplinar e abrangência nacional, doravante denominadas Redes, através de apoio a projetos de pesquisa cientifica e/ ou de desenvolvimento tecnológico em temas selecionados nas linhas de pesquisas em nanociências e nanotecnologias para 2001-2002 (6).

Em livro publicado em 2007, intitulado “Revolução Invisível. Desenvolvimento Recente da Nanotecnologia no Brasil”, coorde- nado pelo autor deste trabalho, já indicava que: “É preciso ex- plicitar que o caráter multidisciplinar atribuído à nanociência e à nanotecnologia nunca incorporou as ciências humanas, é que aquelas sempre foram entendidas e praticadas com a exclusão da área de humanidades” (Martins, 2007, pp. 12-13). Essa é a primeira exclusão aqui relatada e que permanece presente até o ano de escrita deste artigo, julho de 2013.

O ano de 2003, primeiro ano do governo do Presidente Luiz Iná- cio Lula da Silva, tinha como Ministro de Ciência e Tecnologia o cientista político Roberto Amaral, que instituiu a Coordenação Geral de Políticas e Programas em Nanotecnologia, marcando assim o inicio por parte do Estado da constituição de um apa- rato burocrático destinado à administrar e produzir políticas públicas em nanociência e nanotecnologia. Mediante a porta- ria 252 de 16/05/03 nomeou um grupo de trabalho compos- to exclusivamente por cientistas das áreas de exatas, com lar- ga predominância dos físicos. Esse grupo foi constituído para “elaborar o Programa Nacional Quadrienal de Nanotecnologia” coordenado pelo físico Gilberto Fernandes de Sá. O documento produzido foi à consulta pública pela internet. Pela segunda vez, materializa-se a exclusão das ciências humanas desse processo, em que mais uma vez a concepção de multidisciplinariedade das nanotecnologias ignora aquela área das ciências, assim como também exclui a participação e controle social desse processo.

Outro fato importante nesse mesmo ano de 2003 foi a inclusão do “Programa de Desenvolvimento em Nanociência e Nanotec- nologia” no Plano Pluri Anual, de 2004 a 2007, do Governo Fede- ral. Programa que tem um aporte financeiro de R$8.400.000,00 de reais para o período de 2004 a 2007. Assim sendo, o tema Nanociência e Nanotecnologia passa a fazer parte, pela primeira vez, deste instrumento obrigatório de planejamento (Plano Plu- ri Anual) que todo governo deve produzir no seu primeiro ano de mandato, por ser uma determinação constitucional.

Em 2004, O Presidente Lula resolve substituir o então Ministro de Ciência e Tecnologia Roberto Amaral pelo Deputado Eduardo Campos do Partido Socialista Brasileiro. Um grupo articulado de cientistas / físicos que estavam fora do governo e faziam criticas à condução do cientista politico Roberto Amaral no campo das nanotecnologias foram então incorporados aos quadros do MCT e passaram a dirigir os destinos da nanotecnologia no Brasil. O Físico Cylon Eudoxio Tricot Gonçalves da Silva passou a ser o Coordenador de Micro e Nanotecnologia do MCT, nova denomi- nação da antiga Coordenação Geral de |Politicas e Programas em Nanotecnologia.

A primeira ação desse coordenador foi ignorar todas as contri- buições públicas encaminhadas via consulta pública sobre o tex- to “Programa Nacional Quadrienal de Nanotecnologia”7. Colocou esse programa na gaveta e passou a produzir outro programa. Assim sendo, articulou a constituição da Rede Brasil Nano como um dos elementos do Programa de Desenvolvimento das Na- nociências e Nanotecnologia, no âmbito da Politica Industrial e Tecnológica e de Comércio Exterior, que passou a ser regido pe- las normas da Portaria MCT N. 614 de 1/12/2004.

Todo o processo de produção dessa portaria acima indica- da foi caracterizado pela consulta reservada a alguns pes- quisadores (portanto, consulta privada, não pública), entre os quais o autor deste paper, que não teve nenhuma de suas contribuições acatada pelo novo coordenador de micro e nanotecnologia(8). Isso se deu também com outros pesquisa- dores que dedicaram seu tempo de trabalho a produzir suges- tões que foram ignoradas.

Em 7 de Abril de 2005, o Ministro de Ciência e Tecnologia Edu- ardo Campos assina a portaria de numero 192, designando os membros do conselho diretor da Rede Brasil Nano.

Aqui se materializa mais uma vez a exclusão. Nesse conselho, os representantes dos pesquisadores nacionais e internacionais nomeados não contemplam as ciências humanas, o setor industrial é contemplado com representação, mas os trabalhadores e consumidores não tiveram nenhum representante nomeado. Portanto, esse foi um conselho que contou apenas com repre- sentes do governo federal, da academia (excluindo a ciências humanas) e do setor privado patronal.

Ainda em 2004, o CNPq publicou o edital de n.13 aberto para pesquisas sobre os impactos sociais, ambientais e éticos da nanotecnologia. Esse foi o único edital aberto sobre a temá- tica até julho de 2013. O Valor previsto para esse edital foi de R$200.000,00, dos quais foram usados apenas R$125.000,00, não sendo possível identificar até o presente em que foi aplicado os restantes R$75.000,00 não usados neste edital.

Para efeito de comparação, o edital CNPq 12/2004, publica do simultaneamente ao edital de n.13/2004 direcionados a projetos de nanobiotecnologia, tinha recursos previstos de R$3.500.000,00. Outra comparação possível relativa ao edital 13/2004 trata-se de relacionar os valores aplicados na produ- ção de conhecimentos relativos à ciência da produção e a ciências dos impactos.

Para o leitor que quiser fazer as contas de maneira exata basta dividir o valor aplicado no único edital (13/2004) para estudos de impactos da nanotecnologia no valor de R$125.000,00 e di- vidir pela soma dos valores relativo aos orçamentos de 2004 a 2011 que chegaram cerca de R$75 milhões. O que fica patente sem qualquer dúvida é que foi menos que 1% (tendendo a zero) o dinheiro público aplicado na produção deste tipo de conhe- cimento (ciência dos impactos). O “outro lada da moeda” é que 99% dos recursos públicos foram aplicados na geração de co- nhecimento relativo à ciência da produção. Portanto, fica assim demonstrado a imensa exclusão praticada por esta política pú- blica de desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil, no pe- ríodo de 2001 a 2011, no que toca a que tipos de conhecimentos (produção x impactos) foram produzidos.

A intensificação dessa situação foi produzida ao longo dos anos de 2005/2009, pois o Edital CNPq 29/2005, que previa a construção de 10 redes cooperativas de pesquisas (em substituição as 4 redes decorrentes do Edital CNPq 01/2001), que estão abaixo indicadas:

1) Rede de nanofotônica

2) Rede de pesquisas em nanobiotecnologia e sistemas nanoes- truturados

3) Rede de nanotecnologia molecular e de interfaces

4) Rede de nanotubos de carbono: ciência e aplicação

5) Rede de nanocosmêticos: do conceito às aplicações tecnoló- gicas

6) Rede de microscopia de varredura eletrônica

7) Rede de pesquisas em simulação e modelagem de nanoestru turas

8) Rede cooperativa de pesquisa em revestimentos nanoestru- turdos

9) Rede de pesquisa em nanoglicobiotecnologia

10) Rede de nanobiomagnetismo

Conforme se pode notar nos nomes das redes acima indicados, todas estão diretamente ligadas à produção de conhecimentos relativos à ciência da produção. O ponto máximo desse processo foi a constituição dos INSTITUTOS NACIONAIS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, considerados como “programa top da ciência bra- sileira”. Dentre os 144 INCTs aprovados com recursos públicos federais e estaduais, vários são relativos à nanotecnologia.

Duas últimas ações do governo federal devem ser aqui indicadas. No ano de 2009 houve edital que implicou na construção de 16 redes de pesquisas de pequenas dimensões. No ano de 2011, pela primeira vez, foi aberto um edital para a constituição de redes de pesquisas em Nanotoxicologia. Como resulta- do temos constituídas 6 redes, com recursos aproximados de R$1.500.000,00.

Portanto, depois de 10 anos de politicas públicas em nanotecno- logia ainda não temos resultados obtidos neste campo da nano- toxicologia, pois as redes contempladas iniciaram seus trabalhos somente em 2011. Esse é outro fato que explicita a exclusão pre- sente nessa política pública brasileira no que toca aos impactos da nanotecnologia, em especial no que toca aos impactos na saú- de humana. Também aqui se pode fazer as mesmas contas para se determinar o quanto, percentualmente, se aplicou de recursos neste tema ao longo de 10 anos dessa política pública. Novamen- te, o resultado vai ser insignificante em termos percentuais.

A seguir vamos apresentar uma síntese dos objetivos dos diver- sos editais aqui apresentados e analisados. Isso nos dará ele- mentos para analisar as concepções que consubstanciam essa política pública em nanotecnologia no Brasil. Os objetivos são os seguintes:

1) Incrementar o desenv científico e tecnológico;

2) Incrementar a competividade internacional da ciência, tecno- logia e inovação brasileira;

3) Desenv regional igualitário;

4) Integração entre centro de pesquisas e empresas públicas e privadas;

5) Criação de empregos qualificados;

6) Incrementar o nível tecnológico da indústria brasileira;

7) Incrementar o desenv. Econômico brasileiro

Esses objetivos estão devidamente alicerçados no discurso do presidente Lula proferido em Campinas/SP, no dia 18/08/05, por ocasião da instituição do Programa Brasileiro de Nanociência e Nanotecnologia. Os pontos centrais desse discurso são os seguintes:

1) Brasil necessita exportar conhecimentos;

2) Inovação tecnológica é a base para o novo brasil que quere- mos para o futuro;

3) Brasil é um país desigual. Ao mesmo tempo tem lugares na 1ª. Revolução industrial e na 3ª. Revolução industrial;

4) A comunidade científica deve ser a responsável pelas deci sões de pesquisa;

5) Ciência e tecnologia são ferramentas essenciais para o desen- volvimento. Econômico e social e são prioridades do governo;

6) O melhor investimento é colocar dinheiro em ciência, tecno- logia e educação;

7) Necessidade de incrementar a conecção entre universidade e empresas;

8) Programa de nanotecnologia é parte da política industrial, tecnológica e de comércio exterior

9) Poder = conhecimento científico e tecnológico

10) A melhor forma de olhar para a justiça social

7 Nanotecnologia, agricultura e alimentos no Brasil

No tópico anterior não há qualquer referência nas ações desen- volvidas pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação – MCT (principal articulador do desenvolvimento das nanotecnologias no governo federal) que seja relativa a nanotecnologias aplica- das à agricultura e alimentos. Não há um edital específico para isso. Não há uma rede de pesquisas dedicada ao tema oriunda de algum edital para a constituição de redes de pesquisas em nanotecnologia. Não há qualquer Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – INCT (que são as instituições top da ciência brasileira) voltado a aplicações da nanotecnologia na agricultura, alimentos, indústria transformadora de alimentos.

Claro que, de maneira residual, poderá haver alguma aplicação nos campos acima indicados, decorrentes de conhecimentos produzidos pelos INCTs identificados. Isso é muito diferente de desenhar uma política de nanotecnologia voltada às questões postas pela segurança e soberania alimentar indicadas neste trabalho.

Portanto, o polo central do desenvolvimento das nanotecnolo- gias no Brasil decidiu ao longo deste século deixar as questões de nanotecnologia, agricultura e alimentos por conta de outra instituição, no caso a EMBRAPA. Esta participou do edital Edi- tal CNPq 29/2005, dedicado a constituição de 10 redes de pes- quisas em Nanotecnologia. A EMBRAPA participou, mas não foi contemplada. A partir dessa constatação de que via MCT não iria sair recursos para o desenvolvimento de nanotecno- logias voltadas à agricultura e alimentos, a EMBRAPA passou a se articular para que este desenvolvimento se desse com re- cursos diretamente captados pela própria instituição graças a sua articulação política interna ao governo federal. Recursos extra orçamentários foram fundamentais para a construção de prédios e aquisição de equipamentos na Embrapa Instrumen- tação de São Carlos/SP, local central da Embrapa que passou a ser o centro irradiador das ações desta instituição em termos de produção de conhecimentos nanotecnológicos aplicados ao Agronegócio.

É importante ressaltar que é esta denominação dada pela EMBRAPA ao seu principal laboratório na EMBRAPA INSTRUMENTAÇÃO é Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA). Não é laboratório Nacional de Nanotecnologia da Agricultura Familiar. Claro que isso significa a compreensão de que a nanotecnologia deve ser voltada ao agro- negócio e não à agricultura familiar. Claro que essa redação não está escrita em documentos oficiais da EMBRAPA, mas a opção é clara.

Em folder produzido pela EMBRAPA (2010) e intitulado “Na- notecnologia, obter o máximo do mínimo”, podemos resgatar algumas das concepções desta instituição sobre nanotecnologia e suas aplicações. No item do folder sobre nanotecnologia e agri- cultura somos informados que a EMBRAPA investe em Nanotec- nologia desde 1996.

A seguir somos informados que o Laboratório Nacional de Na- notecnologia para o Agronegócio – LNNA – criado em 2009, foi financiado pela FINEP, órgão do MCT, o que indica que isto não se deu via edital e sim via ações políticas da EMBRAPA para a conquista de recursos extra orçamentário.

As linhas de pesquisas da EMBRAPA relativas à Nanotecnologia estão assim descritas no folder:




Imagem extraída de parte do folder “Nanotecnologia, obter o máximo do mínimo”, Embrapa (2010)

Quem trabalha nessas linhas de pesquisas são os componentes da Rede de Pesquisas em nanotecnologia para o agronegócio, criada em 2006, com 150 pesquisadores de 53 instituições (14 unidades da EMBRAPA e 39 centros acadêmicos de excelência).

Atualmente, a EMBRAPA vem desenvolvendo pesquisa com sen- sores nanotecnológicos, em que o exemplo mais divulgado e co- nhecido é a chamada “língua eletrônica” aplicada a determinar a qualidade do café, mas que pode ser empregada a determinar a qualidade de outros líquidos.

Também atua na produção de embalagens ativas e coberturas comestíveis para a preservação de frutas e hortaliças. Aqui o caso divulgado como de sucesso dessas pesquisas se trata do nanofilme que envolve a maçã e com isto consegue sua conser- vação por um tempo maior, combatendo assim o desperdício desta fruta.

Como desafios a serem conquistados, esse folder nos indica a produção de nanofibras para serem inseridas em polímeros para aplicações industriais, nanocatalizadores para a degradação de poluentes em águas, sistemas de liberação controladas de insu- mos via hidro géis e nanoparticulas poliméricas que poderão ser usadas na aplicação de fertilizantes e agroquímicos.

8 Conclusões preliminares para o debate público

O desenvolvimento das nanotecnologias no Brasil vem sendo capitaneado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI. Os demais órgãos do governo federal vêm a reboque das ações deste ministério. No MCTI a visão dominante é a de que “as novas tecnologias levam a inovações; estas necessariamente implicam aumento da competitividade de empresas, indústrias, países, o que, por sua vez, assegura o crescimento econômico, que vai redundar em mais bem-estar social”. Portanto, a visão hegemônica atribui uma causação linear entre as variáveis, con- figurando o chamado modelo linear de inovação.

Já em 2007, Martins et al. (cood) afirmavam que o desenvolvimento das nanociências e Nanotecnologias no Brasil, portanto, nasceu e permanece até o presente sob a égide de que não deve haver controle social sobre ele. Quem deve decidir são

os especialistas no assunto, o Estado – mais especificamento o MCT – e segmentos empresariais que conseguem acesso a conselhos e/ou decisões ministeriais, Esta é a concepção do desenvolvimento da nanociência e nanotecnologia no Brasil que se inicia com o Edital CNPq Nano m.01/2001 e se perpetua nos demais editais voltados a área (Martins, 2007, p. 14).

Embora seja público que as pesquisas no Brasil são realizadas com recursos públicos – em especial as relativas à nanociência e nanotecnologia – oriundos dos impostos pagos pela socieda- de, os atores e agentes que contribuem e decidem os rumos do desenvolvimento das nanociências e nanotecnologias no Brasil não abarcam os atores e agentes sociais tais como entidades re- presentativas da agricultura familiar, de defesa do interesse di- fuso da sociedade (meio ambiente, saúde, consumidor) entidade representativa dos trabalhadores (centrais sindicais, sindicatos e seus órgão de assessoria), entidade de defesa dos direitos hu- manos, entidades de defesa da participação popular, entidades religiosas, etc.

Portanto, esse é o cenário político em que se encontram as ações desenvolvidas pelo MCT. Nelas, não estão no horizonte desenvolver uma politica de desenvolvimento das nanotecnologias voltadas à segurança e soberania alimentar. Isso é uma não questão para o MCTI.

Sobram então as ações da EMBRAPA. Claro que ela vem se con- solidando como “proprietária do tema” nanotecnologia aplicada à agricultura e alimentos. Trata-se, portanto, de examinar o que a EMBRAPA vem fazendo em relação às nanotecnologias. Como foi demonstrado ela optou claramente pelo agronegócio, tanto assim que seu principal laboratório de nanotecnologia leva o nome de Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio.

Embora aqui se reconheça a necessidade de se realizar uma pesquisa que apure de forma mais exata qual tem sido a pro- dução de conhecimentos sobre nanotecnologia produzida pela EMBRAPA, via os papers apresentados nos seminários da rede EMBRAPA de nanotecnologia – são estes conhecimentos produ zidos dirigidos ao agronegócio ou à agricultura familiar - poderão apresentar de maneira mais clara o caminho adotado pela EMBRAPA no desenvolvimento das nanotecnologias aplicadas à agricultura e alimentos.

O debate sobre se as prioridades das ações da EMBRAPA de maneira geral contemplam mais o agronegócio ou a agricultura familiar é presente nos estudos relativos a contribuição da EM- BRAPA no desenvolvimento agrícola brasileiro. Não é objetivo deste texto reproduzir aqui esse debate e avaliação em termos gerais. O objetivo aqui é indicar que no caso das nanotecnologias aplicadas à agricultura e alimentos a hipótese de trabalho é de que a visão hegemônica na EMBRAPA sobre nanotecnologia é que as nanotecnologias devem estar diretamente ligadas a pro- cessos que estão em curso há décadas no sentido de intensificar o processo de “industrialização da agricultura”. A nanotecnolo- gia vem como a plataforma para o estabelecimento de um novo paradigma do sistema agroalimentar dominantes nesta globali- zação dos mercados de produtos/commodities agrícolas. A EM- PRAPA procura estar sintonizada com esse processo atuando nessa área de fronteira de conhecimento. Isso significa priorizar suas ações em nanotecnologia voltadas para esse processo hegemonizado pelo agronegócio e não pela agricultura familiar.

É preciso salientar que o processo final de “industrialização da agricultura” poderá ser alcançado via as nanotecnologias de- nominadas de “nanofabricação”. Se tudo o que conhecemos e utilizamos são materializados em termos de átomos e molécu- las concatenados, se dominamos as tecnologias de concatenar os átomos e moléculas que significam, materializam o café, não será mais necessário o cultivo do café nos moldes que conhece- mos hoje. Isso terá implicações imensas do ponto de vista social, econômico, de comercio internacional, etc. O mesmo se aplica às outras culturas hoje conhecidas.

Portanto, o desenvolvimento das nanotecnologias – no Brasil e no exterior – está diretamente ligado ao futuro de milhões, bi- lhões de agricultores que poderão até mesmo serem eliminados dos mercados com o advindo da “nanofabricação”. Este artigo tem por objetivo iniciar o debate no Brasil sobre as consequ- ências do desenvolvimento das nanotecnologias na agricultura brasileira, na agricultura familiar, nas políticas públicas relativas à segurança e soberania alimentar. Esperamos que este “ponta pé inicial” possa despertar a atenção de outros pesquisadores e com isto tornar esse uma tema de pesquisas para os pesquisado- res de desenvolvimento agrícola no Brasil.

Material suplementar
Referências
BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Conselho Nacional de Desenvol- vimento Científico e Tecnológico. Edital CNPq Nano n° 01/2001. Brasília, 2001. Disponível em: w.memoria.cnpq.br/servicos/editais/ct/na- nociencia.htm>. Acesso em: 11 jan. 2007
Notas
Notas
2 MARTINS, Paulo R e Ramos, SORAIA F. (org). Impactos das nanotecnologias na cadeia de produção da soja brasileira. São Paulo: Xamã Editora, 2009, pp. 25-31
3 O físico estadunidense Richard Phillips Feynman (11/5/1918 – 15/2/1988) fez uma conferência no dia 29 de dezembro de 1959, em uma reunião da Sociedade America- na de Física realizada no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), denominada There’s plenty of room at the bottom (há muito espaço lá em baixo). A primeira publica- ção dessa conferência deu-se em fevereiro de 1960 no Caltech’s Engineering and Science.
4 Tese defendida no Massachusetts Institute of Technology (MIT).
6 Essa parte está disponível no sítio do Ministério da Ciência e Tecnologia: , materializada em vários relatórios, editais, portarias, e por isto não será o objetivo central neste documento.
7 As contribuições do autor se encontram registradas no Livro “Revolução Invisível. De- senvolvimento recente da Nanotecnologia no Brasil. São Paulo, Xama Editora, 2007, pp. 55-89.
8 As contribuições do autor encontram registradas no Livro “Revolução Invisível. De- senvolvimento recente da Nanotecnologia no Brasil”. São Paulo, Xama Editora, 2007, pp. 23-33.



Imagem extraída de parte do folder “Nanotecnologia, obter o máximo do mínimo”, Embrapa (2010)
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