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A Sociologia Econômica e os Desafios Interpretativos da Crise do Capitalismo
Antonio Paulino de Sousa
Antonio Paulino de Sousa
A Sociologia Econômica e os Desafios Interpretativos da Crise do Capitalismo
Revista TOMO, núm. 35, 2019
Universidade Federal de Sergipe
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Resumo: A crise financeira tem sua origem na crise do setor imobiliário nos Estados Unidos e era descrita como um fenômeno localizado que não atingiria a economia mundial. As interpretações indicavam perspec- tivas de crescimento para 2008. A análise de conjuntura econômica deixou de lado os indícios de esgotamento do crescimento econômico desde 2007. A baixa dos preços no mercado imobiliário se estende ao setor financeiro, produzindo efeitos nos bancos, nas instituições finan- ceiras e no mercado de trabalho. A necessidade de intervenção pública sentida pelos atores econômicos traduz o espírito de refundação do capitalismo. O discurso dominante dos economistas, conjoncturalistes, tem uma força social que está vinculada à autoridade “científica”.

Palavras-chave: Regulação, Capitalismo, Crise econômica, Economistas, Mercados financeiros.

Abstract: The financial crisis has its origin in the real estate crisis in the United States and was described as a localized phenomenon that does not reach the world economy. The interpretations indicate growth pros- pects for 2008. The analysis of economic conditions put aside the evi- dence of depletion of economic growth since 2007. The price decline in the housing market extends to the financial sector, producing effects in banks, financial institutions and the labor market. The need for public intervention experienced by economic actors translate the spirit of re- foundation of capitalism. The dominant discourse of economists, con- joncturalistes, has a social force that is linked to the “scientific” authority.

Keywords: Regulation, Capitalism, Economic crisis, Economists, Financial markets.

Resumen: La crisis financiera tiene sus orígenes en la crisis inmobiliaria en los Estados Unidos, que fue descrita como un fenómeno localizado que no afectaría a la economía mundial. Las interpretaciones indicaban pers- pectivas de crecimiento para 2008. El análisis de la coyuntura econó- mica no ha considerado los indicios de un agotamiento del crecimiento económico desde 2007. La disminución de los precios inmobiliarios se extiende al sector financiero, con efectos en los bancos, las instituciones financieras y en el mercado de trabajo. La necesidad de intervención pú- blica sentida por los actores económicos refleja el espíritu de refundaci- ón del capitalismo. El discurso dominante de los economistas, conjonctu- ralistes, tiene una fuerza social que está ligada a la autoridad “científica”.

Palabras clave: Regulación, Capitalismo, Crisis económica, Economistas, Mercados financieros.

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Artigos

A Sociologia Econômica e os Desafios Interpretativos da Crise do Capitalismo

Antonio Paulino de Sousa
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Brasil
Revista TOMO
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
ISSN-e: 1517-4549
Periodicidade: Semestral
núm. 35, 2019

Recepção: 14 Fevereiro 2017

Aprovação: 26 Junho 2019


Introdução

Este artigo tem por objetivo analisar a crise econômica de 2008 como uma crise que é ao mesmo tempo financeira. Essa crise pertence à categoria de grandes crises econômi- cas e financeiras, mas também se insere nas crises dos mo- delos cognitivos de análise econômica, cujas lacunas foram desvendadas pelos limites do crescimento econômico e pelos constantes erros de previsão historicamente presentes nas análises de conjuntura econômica elaboradas por grandes institutos de pesquisas, tais como o Banco Mundial e o FMI. Esta investigação se baseia em uma orientação sociológica e em material bibliográfico.

Não restam dúvidas de que a crise financeira se iniciou no setor imobiliário nos Estados Unidos, mas na linguagem dos conjun- turalistas tratava-se de um fenômeno localizado, que não atin- giria a economia mundial. Este otimismo se baseava em erros de diagnósticos relativos à taxa de crescimento real do PIB em 2006 e 2007. As interpretações indicavam perspectivas de cres- cimento para 2008. Embora a análise de conjuntura econômica tenha deixado de lado os indícios de esgotamento do crescimen- to econômico desde 2007, a baixa dos preços no mercado imo- biliário se estende ao setor financeiro, produzindo efeitos nos bancos, nas instituições financeiras e no mercado de trabalho. Os economistas ortodoxos não conseguiram prever o krach de 2008 (Lebaron, 2010, Touraine, 2011).

É a partir de 1980 que começou a reconstituição do capitalismo. A desregulamentação do sistema causou diversas crises, cujos efeitos foram restritos a certos mercados. Foi naquele período que a regulação fordista entrou em crise e teve como efeito a ins- tabilidade do sistema capitalista. A implementação de uma regu- lação baseada no financiamento começa a se instalar nos anos 1990, nos Estados Unidos, e graças a existência deste modelo foi possível implementar juros baixos. O que caracteriza esse modo de regulação é a acumulação de dívidas no interior do sistema financeiro.

No ano de 2006 as previsões macroeconômicas dos organismos internacionais e dos bancos centrais alimentavam a concepção da continuidade do crescimento econômico para o ano seguinte. No entanto, em 2007 os mercados financeiros enfrentam a am- pliação da crise de subprime, que começa a atingir os mercados europeus e mundiais. Em 2007 a rede de créditos e de emprés- timos entra em crise.

O otimismo dos conjunturalistas está presente nos documentos oficiais dos organismos internacionais, pois a expectativa era de que o crescimento da produção e do consumo não teria pro- blemas com a crise americana. A estimativa era que os riscos se reduziriam gradativamente. No entanto, a análise de conjuntura aparece como uma fonte de distorção, o que vem a favorecer a classe dominante, já que os economistas conjunturalistas, cria- dores de um otimismo ideológico, mantiveram a euforia especu- lativa do sistema financeiro. Para compreender a noção de con- junturista é preciso saber que a Economia da conjuntura é uma subárea da Economia, que por sua vez é pouco ensinada nas universidades (Fayolle, 1987). A conjuntura econômica é uma referência à situação econômica ou financeira de um país ou em- presa, num momento determinado devido ao movimento de va- riação e flutuações do mercado de um país produzido por acon- tecimentos fortuitos e incontroláveis. Para medir a conjuntura econômica de um país é preciso se basear na evolução de vários indicadores tal como o PIB, o crescimento econômico, o nível de desemprego, etc. Neste sentido, os conjunturistas são definidos como economistas especialistas em problemas de conjuntura econômica. Assim, o que está igualmente em crise é o sistema de informação e de previsão econômica que cometeu vários erros de diagnósticos relativos ao crescimento da produção e do consumo. A ideologia de autorregulação do mercado é fortemente questionada pela crise econômica e financeira de 2008.

O “retorno a Keynes” acontece quando os economistas ortodoxos percebem a amplitude dos riscos da crise econômica, que impõem limites à crença na autorregulação do mercado. Assim, a necessidade de intervenção pública sentida pelos atores econômicos traduz o espírito de refundação do capitalismo. As previsões macroeconômicas são atividades importantes para os atores econômicos, pois as decisões econômicas e financeiras baseiam-se em análise de conjuntura. É a partir da sociologia econômica que se pode observar o poder e o papel que os economistas ortodoxos exercem na produção de um discurso ideológico sobre a conjuntura econômica.

1 A emergência da crise econômica

A partir de 1980 a reconstituição do capital de investimento, a li- beralização e desregulamentação financeira foram seguidas por repetidas crises financeiras, mas estas ficaram restritas a certos mercados financeiros sem grandes incidentes sobre a produ- ção, como o caso específico do Krach da bolsa de Wall Street em 1987. Contudo, outras se constituíram como fatores que desen- cadearam crises econômicas. A característica principal dessas crises é que em todas houve a formação de bolhas e também foram marcadas por recuos bruscos dos investidores no mercado nos quais estas eram formadas. As fases de euforia, em que o aumento dos preços de um determinado produto (ativo) parece ser ilimitado, foi tão importante que os investidores alimenta- ram a criação de uma supercapacidade e assim contribuíram com o mascaramento da insuficiência da demanda e da queda do índice de lucro dos investidores. A isto sucede um movimento do “salve-se quem puder”, como diz François Chesnais (2011, p. 49). Neste sentido, o que se observa, em um primeiro momento, é a privatização do lucro e em um segundo momento a socializa- ção das perdas (Johsua, 2009).

A tese do liberalismo diz que a defesa dos interesses privados converge em um equilíbrio do conjunto da sociedade. Marx con- trapõe-se a essa tese porque no dispositivo do sistema capitalista há contradições entre o caráter social da produção e apro- priação privada do lucro. Essas contradições latentes revelam suas forças no período de crise econômica, quando a decisão de cada proprietário privado se constitui como ameaça para a esta- bilidade do sistema na sua totalidade, isto, mais precisamente, pelo fato de que as decisões têm um impacto social. Por exemplo, uma empresa que tem um mercado restrito poderá reduzir os seus investimentos (o que pode agravar o equilíbrio macroeconômico), diminuir a compra de bens e serviços intermediários (isto tem efeitos em outras empresas), demitir funcionários e a consequência é a redução do consumo. No sistema capitalista, cada ator econômico espera aumentar a sua margem de lucro e ampliar seu poder de dominação do mercado.

Para se compreender a crise atual convém lembrar que Isaac Jo- hsua interpretou a crise americana de 1929 como uma crise que foi gerada pela passagem rápida de uma sociedade de pequenos produtores a uma sociedade salarial. Em meados do século XIX, várias crises econômicas aconteceram no leste dos Estados Uni- dos, mas os seus efeitos eram amortizados pela heterogeneida- de do sistema econômico que combinava empresas individuais, assalariados e camponeses, pequena e grande produção. A re- dução das formas de atividade econômica relativas à pequena produção foi particularmente rápida entre o fim do século XIX e o início do século XX. Em mais ou menos dez anos se passou de uma sociedade de pequena produção para uma sociedade em que o que predomina é a grande produção e a sociedade tornou-se salarial (Johsua, 2009, p. 13). Os Estados Unidos não é um caso isolado, visto que o mesmo fenômeno se observa em ou- tros países tais como Inglaterra, Alemanha, França etc. (Johsua, 2009, p. 14-15).

A grande crise de 1929 abre um ciclo de crises predominante- mente salariais. Um elemento importante que explica a crise em geral é que um novo modo de regulação da economia (modelo fordista), por levar em conta a “salarisação” massiva das economias desenvolvidas, foi instituído. No caso da teoria da regulação, esta atribui um espaço importante para a noção de fordismo (Gorz, 2004, p. 38). Este conceito permite compreender um período extraordinário em termos de rapidez e estabilidade do crescimento econômico combinados com uma progressão do nível de vida (Boyer, 2004, p. 73-74). Neste sentido, os consumi- dores são os assalariados e a regulação fordista é uma resposta à crise, que é predominantemente salarial. A regulação fordista é um moderador da flexibilidade da redução dos salários (Johsua, 2009, p. 16-17).

A teoria da regulação analisa o impacto das formas institucio- nais que são as relações salariais, as formas de concorrência, o regime monetário, a dinâmica da acumulação que resulta do jogo dos preços relativos. A inter-relação entre as diversas ins- tituições é um fator preponderante porque as crises podem se propagar mais rapidamente criando assim uma instabilidade no sistema capitalista. Logo, o ponto de partida da teoria da re- gulação é o conceito de capitalismo. Trata-se, portanto, de uma teoria que se inscreve dentro de um projeto macroeconômico, institucional e histórico e atribui um espaço central para a análi- se em termos de crise. Tal teoria elabora uma série de definições de como se chega aos limites de um modo de regulação e/ou a um regime de acumulação. Quanto à referência ao conceito de capitalismo, este implica em distinguir esse modo de produção de um outro baseado na pequena produção.

Durante os anos de 1980, sob a égide de Margaret Tchatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos, a regula- ção fordista entra em crise (Dixon, 1998). E a partir de então a instabilidade do sistema capitalista começa a crescer (Castel, 2009). Assim, entra-se na era do capitalismo universal que visa penetrar em todas as regiões onde há possibilidade de lucro e, para isto, é preciso retirar todos os obstáculos que impedem a produção de riquezas. Neste contexto, não se trata apenas da mundialização das trocas, como no século XIX, mas também da mundialização do capital de produção e a de um assalariado universal. O capital produtivo destrói as sociedades tradicio- nais (Bourdieu, 1977) em busca do crescimento da mais-valia e isto vai desregular os mercados de trabalho nacionais, de- sequilibrando igualmente os sistemas de proteção social (Castel, 2009, p. 250-251). Com o desemprego, as famílias não se predispõem a se engajar no financiamento de imóveis a longo prazo e menos ainda quando há incertezas e instabilidade no emprego (Johsua, 2009, p. 62).

O financiamento acompanha esse sistema, em que o ideal é que grande parte se transforme em títulos que podem ser vendidos facilmente. Entende-se que o financiamento é o consumo por endividamento. A emergência de um modo de regulação basea- do no financiamento é difícil de estabelecer, mas para Robert Boyer é em 1990, nos Estados Unidos, que este tipo de regulação começa a se instalar (Boyer, 2004, p. 50). O crescimento econô- mico por endividamento, dos juros baixos, foi possível em razão da institucionalização, pelo Banco Central Americano, modelo implantado igualmente pelo Banco Central Europeu. A caracte- rística desse modelo é que ele repousa sobre uma acumulação de dívidas no interior mesmo do sistema financeiro, as dívidas interbancárias permitem aos bancos acionar empréstimos e isto faz crescer os riscos.

A partir de agosto de 2007 a rede de créditos e de empréstimos começou a entrar em colapso. Os critérios e as insti- tuições financeiras estão diretamente ligados ao universo do consumo e da produção através dos títulos e dos bancos. Foi em 1990 que houve uma grande transformação do mo- delo bancário. Antes, no modelo tradicional (originatetohold-OTH), os bancos que faziam empréstimos deveriam assumir os compromissos até o término do pagamento da dívida. No novo modelo bancário (originatetodistribute-OTD) os títulos permitiram aos bancos que financiam imóveis (e outros pro- dutos) de se verem livre dos riscos através da venda destes a outros bancos ou Hedge Funds (Chesnais 2011, p. 57). No final de 2008 os bancos foram salvos pelo Estado sem nenhuma punição. O setor bancário francês, por exemplo, beneficia-se de ajuda contínua do Estado desde 1966 (Chesnais, 2011, p. 57-60). Para Alain Touraine esse problema é caracterizado pelas

intervenções massivas dos Estados permitiram a reconstituição rápida dos lucros dos bancos, ao passo que o aumento do desemprego só diminuirá muito tempo depois do realinhamento da economia. A intervenção dos Estados evitou assim, após a falência do Banco Lehman Brothers, uma catástrofe, mas ela não conseguiu recompor o sistema socioeconômico, e mesmo o Presidente Obama não conseguiu impor aos bancos reformas que ele julgava indispensáveis (Touraine, 2011, p. 53-54).

A bolha da internet é um efeito claro da revisão bancária e de certas inovações, como os títulos (Boyer, 2004, p. 97). O risco de crédito é transferido para outros portadores de ativos finan- ceiros, o que conduz à résilience dos bancos, mas pode conduzir também a uma crise financeira bem maior.

Os bancos são instituições centrais no modelo de regulação fi- nanceira, mas o Banco central é o guardião da estabilidade fi- nanceira (Boyer, 2004, p. 97). Com a emergência do capitalismo comercial, as trocas tendem a se configurar para além do espa- ço doméstico a ponto de se constituir como uma “economia-mundo” (Wallerstein, 2002). Esse mecanismo cria novas inter- dependências entre formas institucionais domésticas e regimes internacionais de acumulação e, consequentemente, transmite as crises do capitalismo a outros países. Essa interdependência não se deve apenas ao comércio internacional porque o investi- mento produtivo tende a se internacionalizar com a mundiali- zação. A mundialização é primeiramente uma noção ideológica que mascara um projeto fundamentalmente nacional, que é o projeto dos Estados Unidos (Fligstein, 1997).

Na virada dos anos 1990 emergiu uma série de crises sucessi- vas cuja característica principal era a combinação de crise eco- nômica com crise financeira e com uma disseminação em nível internacional que foi crescendo cada vez mais no final do século. Naquele período já se podia notar os riscos financeiros sistemá- ticos, que designam a probabilidade, entre diversos países e em vários segmentos financeiros, de choques que podem se propa- gar em forma de crises sistêmicas por conta de engajamentos cruzados em vários espaços financeiros e em vários mercados (Chesnais, 2011, p. 57). Os Estados Unidos estão associados a essas crises, bem no momento em que começa a falência da pou- pança (saiving and loans) deste país em 1989, seguida de uma crise mundial no setor imobiliário que atinge a Europa e, mais especificamente, a Suécia.

A incorporação dos países emergentes, logo após o consenso de Washington, trouxe uma nova dimensão à crise. Os movimentos de capitais oriundos dos países centrais reforçaram, nos países periféricos, a formação de bolhas financeiras. A primeira grande ilustração foi a crise mexicana em 1994-1995, mas é a crise asiática de 1997-1998 que se configurou como um anúncio da grande crise de 2007-2008 e isto pela forte interação entre os fatores econômicos e os fatores financeiros. A crise asiática foi marcada por um breve episódio da crise da bolsa. A contenção da produção, do emprego e do comércio internacional se propa- gou, a partir desses países implicados na crise, atingindo primei- ramente os países do Sudeste Asiático e em seguida o Brasil e a Argentina. Essa crise foi o ponto de partida de uma grande crise mundial que se aprofundou em 2008, com os mercados financei- ros no centro da crise.

Convém lembrar que os bancos americanos concederam às famílias com pouco crédito empréstimos para comprar imóveis, os famosos créditos subprimes, destinados a clientes com pou- cas possibilidades de pagar suas dívidas (Johsua, 2009, p. 65). As famílias que não conseguiam pagar os empréstimos fazem com que as instituições financeiras entrem em colapso e, como um efeito dominó, os bancos que financiaram entram igualmen- te em crise financeira, trazendo consigo as grandes instituições financeiras. O não pagamento da dívida imobiliária implica, na maioria dos casos, em ter que abandonar o imóvel.

As crises do sistema capitalista sempre foram de natureza econômica e financeira. Dito isto, a crise econômica mundial não pode ser reduzida à sua dimensão financeira, tanto na sua origem como no seu processo. Essas crises econômicas e financeiras se inscrevem dentro de uma crise mais ampla na qual se observa uma interpenetração entre um índice de desemprego elevado e a degradação das condições de trabalho que se misturam com outros fenômenos sociais. Estes fenômenos estão relacionados a uma crise das mudanças climáticas, e na crise do campo ecológico há a irreversibilidade da degradação e destruição das florestas. Se acrescenta, ainda, a crise das dívidas em di- versos países, e podemos fazer referência especificamente à cri- se das dívidas ilegítimas da Europa, como bem analisa François Chesnais (2011, p. 97-130). Do ponto de vista econômico, a crise atual pertence à categoria de grandes crises econômicas e finan- ceiras e crise dos modelos de análise econômicas e financeiras, ou do pensamento econômico, uma crise cognitiva (Lebaron, 2010), uma vez que desvenda os limites do modelo de cresci- mento econômico que é engendrado pelo regime de acumulação dominada pelo setor financeiro. Neste cenário da crise, no setor imobiliário duas crises se entrecruzam. Por um lado, há a crise real que concerne à construção civil e uma crise financeira. Mas a crise real está vinculada à construção civil que se vê obrigada a parar as atividades e isto tem efeitos no mercado econômico.

2 As Previsões Econômicas

As previsões macroeconômicas do ano de 2006, como a dos or- ganismos internacionais e dos bancos, alimentam antecipações muito otimistas para o ano seguinte. Mas em 2007 os mercados financeiros viveram um ano difícil por conta da imprevista ampliação da crise de subprime, que se estendeu aos mercados europeus e mundiais. No entanto, em 2008, ainda subsiste um otimismo econômico e as dificuldades de previsão financeira em um con- texto de forte flutuação econômica são observadas por diversos autores (Lebaron, 2010, p. 59-60). Portanto, os erros de previsões econômicas estão na origem do desencantamento em relação ao paradigma dominante da autorregulação do mercado.

Não há como negar que a crise das subprimes transformou-se em crise mundial, ou crise do sistema capitalista, e sua existên- cia nos discursos públicos de hoje se tornou uma evidência. Os discursos dos economistas ortodoxos que utilizam o termo crise ou capitalismo são numerosos em 2009, o que não era o caso de 2006 a 2007. No entanto, para isso foi necessário uma conversão coletiva a um diagnóstico pessimista sobre a conjuntura econô- mica (Lebaron, 2010, p.32). No final de 2007 as análises de conjuntura anunciavam, baseando-se nos sucessivos anos de expansão mundial, um crescimento econômico do PIB para os anos de 2008 e 2009. Como se observa, não estava previsto que no último trimestre de 2008 a confiança dos agentes econômicos iria desmoronar de forma generalizada e provocar uma crise do capitalismo, que é também uma crise cognitiva. Os economistas que anteciparam a crise de 2008 são raros. Para Alain Touraine, o economista Joseph Stiglitz “foi um dos raros a prever a crise que culminou em 2008, mas que já a antevia desde os anos de 1970...” (Touraine, 2011, p. 85). A questão do fracasso do pensa- mento econômico e

de seu mainstream foi rigorosamente tratado por Paul Krugman, por Joseph Stiglitz e, de forma mais detalhada, por Noberto E. García [...]. A idéia central defendida por estes auto- res, e por alguns outros que trabalham com eles, é de que a razão principal do fracasso em questão tem a ver com o triunfo de uma análise considerada tão clássica que deveria impor-se por si mesma a todas as outras (Touraine, 2011, p. 50).

Os setores reais e financeiros são estreitamente ligados, daí por- que a dinâmica da economia real favorece, pelos seus sinais po- sitivos, as antecipações financeiras otimistas, o que reforça, por sua vez, os efeitos sobre o aumento da riqueza. Esse processo leva todos os agentes econômicos a um ciclo vicioso, e isto até o momento em que as perspectivas de estagnação das ativida- des econômicas começam a aparecer, favorecendo a conversão dos agentes econômicos ao pessimismo. É a partir de setembro e outubro de 2008 que a crise se acirra com o colapso financeiro e a queda brusca das perspectivas de crescimento que estão ligadas à rigidez das condições de crédito.

Uma bolha especulativa pode ter efeitos sobre os ativos reais (habitação terrenos, etc.) ou financeiros (ações etc.), ela se tra- duz por uma elevação cada vez mais rápida dos preços destes ativos, e isso pode terminar com uma elevação excessiva dos preços. No caso da bolha imobiliária ela é seguida por uma redu- ção lógica da construção de imóveis. Em 2005, nos Estados Unidos, se nota uma diminuição na subida dos preços dos imóveis e a partir do primeiro semestre de 2006 começa um processo de redução dos investimentos das famílias em imóveis (Joshua, 2009, p. 61). A superprodução de um bem acarreta a baixa dos preços deste bem e como o imóvel é um bem de longa duração, não se pode parar a construção de um bem desta natureza por- que há perda do investimento inicial que fora feita na fundação. Assim, os imóveis que não são vendidos podem ser acumulados e isto pesa bastante no mercado a ponto de induzir a queda dos preços.

No que diz respeito à demanda, a queda nos salários e o desem- prego podem produzir a recessão porque as famílias tomam suas precauções para não fazer investimentos por muitos anos. Esse sentimento das famílias se acentua quando o futuro da eco- nomia é instável; a crise do superendividamento não encoraja as famílias a fazerem grandes investimentos e ao mesmo tempo se acrescenta a rigidez das regras de empréstimo impostas pelos bancos em dificuldades. A falência da construção tem pesado muito e a crise financeira é mais grave porque atinge diretamen- te o setor bancário, ameaçando, assim, todas as atividades por- que o banco ocupa um espaço importante na economia moderna. Na verdade, é praticamente impossível, de modo geral, construir ou comprar imóveis sem fazer empréstimos aos bancos. Deste modo, se há dificuldades para construir, isto gera efeitos no se- tor financeiro, pois as famílias que não conseguem pagar suas dívidas fazem cair as instituições que financiaram a compra dos imóveis e fazem cair também os bancos e estes trazem consigo os grandes organismos financeiros, causando um efeito dominó (Joshua, 2009, p. 63). No período em que os preços dos imóveis subiam era possível vendê-los para pagar a dívida ou refinanciar o imóvel.

Os bancos, não é novidade, fazem empréstimos uns aos outros, mas exatamente no dia 9 de agosto de 2007, na Europa e nos Estados Unidos, se produziu algo inusitado: em 24 horas os bancos desconfiaram uns dos outros, a ponto de não fazerem emprésti- mos entre si, obrigando assim os bancos centrais a fazerem in- tervenções (Joshua, 2009, p. 64 e 66). Houve então a falência de vários organismos financeiros, provado pelo efeito dominó, em que cada peça que cai traz consigo uma outra peça. Tudo isso não foi previsto pelos economistas ortodoxos, mas a etapa das falências culmina nos Estados Unidos na semana louca, no dia 7 de setembro de 2008, quando vários organismos financeiros e bancos foram salvos pelo banco central (Joshua, 2009, p. 73- 74). Ainda é preciso acrescentar o medo das famílias em perder suas casas ou carros, acarretando assim a redução do consumo, desemprego e demissões em massa. Além disto, muitos imóveis são tomados porque os clientes não honraram seus compromissos financeiros. A desconfiança em relação às subprimes se estende a todos os setores da economia.

A virada em direção à recessão mundial é bem engajada em 2008. A grande questão diz respeito aos países emergentes cuja ideia de crescimento econômico em relação aos demais não é mais defendida como nos períodos anteriores (Joshua, 2009, p. 89). A originalidade das crises nos países periféricos se deve ao fato de que seus regimes de acumulação não são uma variável do fordismo. As crises são, com frequência, associadas a crises no setor bancário (Boyer, 2004, p. 91-92).

Isso terá como efeito uma lógica recessiva que se torna mundial entre o final de 2008 e início de 2009. Em maio de 2006 (Bulletin mensuel do Banco Central Europeu), a perspectiva era de que o crescimento econômico mundial seguia seu ritmo normal e não apresentava riscos. Em relação aos salários, esse mesmo Bulletin acentua a importância de reformas exaustivas que possam asse- gurar a competitividade e eficácia dos mercados de trabalho e dos produtos, mas particularmente favorecendo a flexibilização dos salários e dos preços. A expectativa era de que o crescimen- to da produção e do consumo deveria continuar sem grandes problemas, assim como a confiança dos investidores. Em relação aos salários, os riscos globais estão equilibrados. Este otimismo se nota também no Bulletin mensuel de dezembro de 2007 no qual conjunturalistas argumentam que a redução do crescimen- to econômico nos Estados Unidos é compensada pelo vigor cres- cente dos mercados emergentes. E, mais ainda, que o aumento do consumo deveria contribuir para a expansão econômica em nível internacional.

Essa passagem do otimismo ao pessimismo indica bem que a crise mundial é uma crise cíclica. Porém, esse otimismo teve uma curta duração e, na verdade, a crise apenas começou, como bem disse M. Husson ao analisar o funcionamento do ca- pitalismo antes da crise (Husson, 2009, p. 1-2). O que está em jogo é todo o sistema de informação e de previsão econômica que cometeu erros graves em termos de análise de conjuntura econômica e que, ao mesmo tempo, os economistas conjuntu- ralistas participaram e contribuíram no processo de construção oficial da crença de que a economia mundial caminhava em direção ao crescimento, podendo se tomar por base a análise feita pelo FMI em 2006 e o relatório da Comissão especial sobre a crise financeira em maio de 2010.

A crise é uma crise da crença na medida em que ela afeta a percepção dos agentes e afeta igualmente uma manifestação de mudanças nas representações coletivas. Por isso, ela é acompanhada por processos cognitivos que estão inseridos nas estruturas sociais da economia e, em particular, nas estruturas políticas e jurídicas que condicionam as tomadas de decisões dos agentes econômicos. Nesse sistema de informação econômica e social, a relação entre o otimismo da ideologia econômica e o otimismo da ideologia financeira exerce um papel central na orientação da economia mundial. No entanto, isso só foi possível através da institucionalização da crença na ideologia da função social da análise de conjuntura ou, mais precisamente, da constituição de um grupo de economistas conjunturalistas que são responsáveis pelas análises oficiais de conjuntura econômica. Para Frédéric Lebaron, os critérios de definição da performance econômica utilizados (a situação do mercado financeiro de um lado e do outro lado o PIB da economia) convergem em uma avaliação mercadológica e monetária que é estruturalmente favorável aos atores econômicos dominantes (Lebaron, 2010, p. 34).

A análise de conjuntura é fonte de uma distorção estrutural de percepção a curto prazo e isto favorece a classe dominante. O PIB é o principal indicador da performance econômica, este é muito comentado e é o instrumento de imposição de uma leitura particular da economia e da realidade social (Méda, 2008). Ba- seando-se nesses indicadores, os economistas conjunturistas se constituem em verdadeiros criadores de um otimismo ideológi- co que manteve a euforia especulativa desconectada da percep- ção dos agentes econômicos e das condições reais de existência das classes sociais. A compreensão da crença na ideologia de mercado passa pela percepção e divulgação desse discurso na mídia e, mais especificamente, é preciso salientar o papel central exercido pelos jornalistas econômicos, ou pela razão jornalística, que são responsáveis pela tradução dos termos técnicos da economia e pela ampla difusão nos cadernos econômicos e financeiros (Duval, 2004).

A demonstração disso se pode observar em 2006 quando a taxa de crescimento do PIB real era de + 5,1% e de + 5% em 2007 para a economia mundial. Este crescimento é inferior ao crescimento anual nos anos 1990-1999. A França teve uma considerável taxa de crescimento em 2006 e 2007, bem como a América Latina, a África, a Rússia e inúmeros países emergentes. A concorrência dos países com baixo custo salarial contribuiu com a crença coletiva de um aparente crescimento econômico com estabilidade. Os anos de 2006 e 2007 foram de apogeu de um ciclo econômico cuja fase de crescimento é caracterizada por vários fenômenos como a aceleração aparentemente irresistível de expansão eco- nômica dos países emergentes e a excepcional performance da China, assim como o controle da inflação em diversos países. Há também uma progressão nas bolsas de valores e no mercado imobiliário. Este ciclo é marcado também por desequilíbrios do comércio internacional (Lebaron, 2010, p. 38). O dinamismo de um período de crescimento econômico é essencialmente atri- buído a fundamentos sólidos da economia. Os desequilíbrios econômicos e financeiros que acompanham o período de cresci- mento são tidos como epifenômenos que podem ser resolvidos ou pelo próprio crescimento ou por ajustes que podem ser feitos em um futuro indeterminado. As perspectivas mundiais da economia anunciavam um crescimento para 2008.

As previsões macroeconômicas conheceram uma grande desi- lusão em 2008 e, sobretudo, em 2009. No entanto, são os paí- ses emergentes ou em desenvolvimento que reencontraram, aparentemente, a sua taxa de crescimento anterior à crise. Em outubro de 2009, o FMI anunciava para 2010 um crescimento de +9 para a China, +6,4 para a Índia, +3,5 para o Brasil. O co- mércio mundial conheceu uma forte queda em 2009 de -11,9% em volume, mas ele começa a progredir lentamente em 2010. A crise econômica de 2008-2009 fez aparecer as consequências da interpenetração dos mercados em nível mundial e nenhum país escapou totalmente das consequências da crise no setor imobiliário americano, na Europa e no Japão. O desemprego cresceu em diversos países, assim como as condições de traba- lho se degradaram em nível mundial.

3 A Análise de Conjuntura como Ideologia

Os discursos dos conjunturalistas criam uma ordem cognitiva que é indissociável da ação pública e da governança dos mercados e funcionamento cotidiano dos diferentes setores da econo- mia. Em um momento de crise, a orientação dos conjunturalistas do Banco Central Europeu é que os governos devem intensificar as reformas estruturais em nível nacional. Esse Banco é, nas pa- lavras de Frédéric Lebaron, a expressão do triunfo da concepção monetarista e esta é vetor de destruição econômica e social (Lebaron, 2006, p. 21). Ao analisar o Bulletin mensuel do Banco Central Europeu entre 2006-2013 observei que o tema da reforma é recorrente. Assim como também é recorrente o otimismo em relação ao crescimento econômico e a criação de empregos. O Bulletin mensal de maio de 2013 define o objetivo das reformas que consiste em melhorar a competitividade e a capacidade de ajustamentos e visa aumentar o crescimento e o emprego dura velmente.

Os discursos dos conjunturalistas é parte integrante da dinâ- mica que eles observam na economia, ou seja, eles trabalham no sentido de construir uma perspectiva otimista ou pessimis- ta sobre o futuro da economia. As previsões oficiais no domínio econômico não são elaboradas para serem justas, ao contrário, elas apenas refletem a voz dos governantes. Não se deve espe- rar, nos diz Galbraith, que um conselheiro econômico do gover- no faça uma previsão do aumento do desemprego ou da inflação (Galbraith apud Lebaron, 2010, p. 41). A análise de conjuntura é, desde sua origem, uma ideologia política que foi desvendada, so- bretudo, pelos fatos econômicos e pela crise econômica atual. As análises são rapidamente esquecidas e ao mesmo tempo exer- cem uma grande influência na tomada de decisões dos diversos agentes econômicos, tais como as grandes empresas privadas ou até mesmo públicas. No caso específico da França, as análises de conjuntura são produzidas a cada trimestre pelos economis- tas do INSEE (Institut National de la Statistique et des Études Économiques). A situação dos conjunturalistas nunca foi tão difícil quanto em 2007 e 2008, com a entrada do mercado mundial em uma grande crise econômica.

Os discursos econômicos dos conjunturalistas são difundidos todos os dias e retomados pelos políticos e pelo jornalismo eco- nômico. Estes produtores de discursos econômicos trabalham como economistas nas repartições públicas, nos organismos in- ternacionais, nas instituições privadas e nos bancos. Em geral, eles estão ligados também ao jornalismo econômico. A análise econômica não é, ao menos no caso da França, muito ensinada na Universidade, uma vez que ela é considerada como uma área particular da aplicação das teorias e métodos da economia. Um bom exemplo dessas práticas jornalísticas são as matérias econômicas dos cadernos de economia da Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Ao analisar estes cadernos, Maria Lucia de Paiva Jacobini conclui que a ideologia do mercado financeiro está implícita nas publicações desses dois grandes jornais. Ela afirma ainda que o “...jornalismo econômico tornou-se um aparelho do Estado e de suas políticas econômicas...”.

A análise de conjuntura é descrita como uma ciência ou arte que se fundamenta na produção de indicadores e de dados produzi- dos pelos aparelhos públicos, sobre as informações financeiras cotidianas, resultantes das empresas que fazem uma estimativa dos lucros, os índices de conjuntura. Trata-se de um trabalho de interpretação e de previsão sistemático. Esses indicadores econômicos refletem o estado de espírito coletivo dos agentes econômicos, mas a previsão oficial tem por objetivo construir uma representação oficial da ordem econômica para legitimar o quadro cognitivo que servirá como parâmetro aos agentes econômicos.

Nesse sentido, os discursos dos conjunturalistas, que trabalham nas instituições oficiais, governos e bancos, participam do pro- cesso de construção da realidade econômica, mas é um discurso profético, mesmo quando é fundamentado em dados estatísticos (Lebaron, 2010, p. 43-44). Se de um lado o conjunturalista não pode se distanciar dos seus dados estatísticos, por outro lado, ele deve produzir um discurso otimista, sobretudo quando está ligado a um agente econômico particular como o Estado ou uma grande empresa. A representação legítima da ordem econômica que ele produz participa, ao mesmo tempo, tanto da ação pública quanto da ação privada. A característica ideológica do discurso conjuntural está fundamentada na sua capacidade de produzir, a partir de dados diversos, uma interpretação aparentemente coerente, que o leva a participar da governança cognitiva da ordem econômica regional ou internacional.

No início de 2007 os discursos oficiais (trata-se dos discursos dos economistas vinculados ao Estado e aos organismos inter- nacionais) não conseguiram esconder totalmente elementos de desequilíbrio de um processo de crescimento que não pare- ce apresentar seus limites. Os conjunturalistas participam da euforia geral e não conseguiram prever a conjuntura além dos experts dos mercados financeiros, aos quais eles estão ligados e assim se nota a relação de interdependência entre os conjun- turalistas. A euforia dos mercados era grande em 2007. Isto se devia à bolha especulativa do mercado imobiliário em nível internacional, este mercado se beneficiava da baixa da taxa de juros dos bancos centrais. A manutenção da inflação é coloca- da em dúvida pelo aumento dos preços da matéria-prima, mais especificamente o preço do petróleo, que tem efeitos negativos sobre o consumo das famílias nos diversos países.

O aumento nos preços em geral ameaça a estabilidade financeira e a ordem social e política de diversos países. A baixa dos pre- ços no mercado imobiliário americano se manifesta na medida em que os bancos e os agentes econômicos anunciam dificulda- des e assim o moral dos consumidores começa a se reduzir em meados de 2007. A baixa dos preços no mercado imobiliário se estende igualmente ao mercado financeiro e começa a produzir efeitos devastadores, em rede, em bancos e instituições finan- ceiras onde há dúvidas sobre uma parte considerável dos créditos. Os conjunturalistas analisam a baixa dos preços no setor imobiliário como uma correção setorial necessária, mas isto não afetaria a economia. No entanto, em meados de julho de 2007, os mercados financeiros mundiais começam a cair, impondo a intervenção dos bancos centrais, começando pelo Banco Central Europeu no dia 09 de agosto de 2007. Contudo, os conjunturalistas continuavam a anunciar crescimento para o último trimestre de 2008 e para o ano de 2009.

A dimensão do movimento de desconfiança dos chefes de em- presas e dos consumidores, isto ligado à crise dos bancos, não é bem medido, sobretudo, para o último trimestre de 2008. O cho- que global não foi previsto e aparece como um acidente. A cri- se foi, diversas vezes, apresentada como uma correção setorial (imobiliária) estritamente ligada aos Estados Unidos e que não traria efeitos para a Europa e tampouco para os países emergen- tes. Este otimismo permitiria antecipar a manutenção do cres- cimento em nível mundial. As perspectivas de uma recessão em 2008 e em 2009 foram, durante muito tempo, negadas antes de aparecer como algo inevitável.

4 O Campo dos Conjunturalistas

O espaço dos conjunturalistas não é homogêneo. Eles formam um espaço mundial no qual existem diversas interpretações que são feitas em função das posições ocupadas no campo econômico e de suas respectivas estratégias. No plano geral, eles não utilizam as mesmas fontes de informação e nem as mesmas técnicas e mo- delos macroeconômicos. Existe um trabalho específico de análise de conjuntura que, quando se compara às análises dos discursos oficiais, é mais dependente dos dados microeconômicos e financeiros coletados junto às empresas. Os conjunturalistas ligados aos Estados e aos organismos internacionais ocupam uma posi- ção dominante pelo fato de que seus discursos são oficiais.

Os economistas vinculados aos Estados se caracterizam pelo fato de que eles incorporam uma função oficial, ou seja, eles têm acesso à palavra oficial. Trata-se da palavra que circula nas ins- tâncias oficiais do Estado. O Estado é definido como um espaço de circulação da palavra oficial e, portanto, do poder reconhe- cido que resulta de um consenso social cujo acordo se faz nas instâncias encarregadas de definir o espaço púbico (Bourdieu, 2012, p. 139-140). Para zombar do idealismo burguês, Marx fala do ponto de honra espiritualista, o ponto de honra é tipicamente aquilo que se reconhece que é oficial; é a disposição a reconhe- cer o que deve ser reconhecido quando se está à frente dos ou- tros (Marx, 1975). Há uma oposição entre a economia e a honra e tal oposição é muito importante porque é através dela que se pode encontrar a identificação do oficial com a ideologia do desinteresse (Bourdieu, 2012, p. 88).

Os discursos oficiais sobre a conjuntura fornecem um diagnósti- co e um cenário da economia nacional e internacional. Esses discursos são utilizados como referência pela maioria dos grandes agentes econômicos, sejam públicos, sejam privados. O FMI ocu- pa uma posição dominante na medida em que ele reúne o con- junto dos dados nacionais que lhe permite elaborar previsões em nível internacional, com detalhes para cada região e cada país. O FMI publica regularmente perspectivas da econômica mundial que se fundamenta em diversas hipóteses macroeconomias. Es- sas análises são apresentadas em forma de gráficos, mas com comentários escritos que fornecem referências oficiais sobre a economia mundial. As análises do FMI, cada vez mais pessimistas em 2008, contribuíram para uma mudança da interpretação da economia mundial. No momento em que as previsões oficiais tornam-se pessimistas, elas contribuem para legitimar as medi- das políticas e macroeconômicas (Lebaron, 2010, p. 54-55).

Os bancos centrais são agentes importantes da ordem econômica mundial porque eles são os guardiões da moeda e fonte última de criação monetária e fazem análise de conjuntura quase diariamente. O Banco Central Europeu tem o seu Bulletin mensuel. Na indústria também existem organismos profissionais que dispõem de informações sobre o ambiente econômico em geral, mas as previsões privadas estão, quase sempre, em sintonia com as previsões oficiais, apesar de, às vezes, se mostrarem mais otimistas do que os organismos oficiais (Lebaron, 2010, p. 56).

5 A Crise como Reconstituição do Capitalismo

O funcionamento da economia mudou profundamente no iní- cio de 1980, no momento da implementação do neoliberalismo (Castel, 2009, Gorz, 2004). A partir do meado dos anos 1980 a taxa de endividamento das famílias, nos Estados Unidos, por exemplo, começa a crescer gradativamente. “Para a maioria das pessoas, a crise significa antes de tudo desemprego; para vários milhões de americanos, a perda de suas casas” (Touraine, 2011,

p. 136). Assim, países como China, Brasil, Índia e Rússia come- çam a crescer e passam a ser descritos como países emergen- tes e as desigualdades de renda que tendiam a se reduzir desde o fim da guerra começa a se aprofundar novamente (Husson, 2011). O grande movimento de redução das desigualdades data dos anos 1980 e, sobretudo, depois da segunda guerra mundial (Husson, 2011, p.55). Em suas análises sobre as desigualdades econômicas em nível mundial, M. Husson (2011) conclui que o crescimento das desigualdades é uma grande característica da economia mundial contemporânea.

O primeiro grande acontecimento da crise foi a necessidade de intervenções públicas do Estado para recuperar agentes econô- micos ou financeiros estratégicos para a economia. A intensifi- cação das intervenções do Estado no campo econômico cresceu no mesmo ritmo da intensificação da crise. A salvação pública do sistema limitou os efeitos devastadores das falências dos bancos e das financeiras (Lebaron, 2010, p. 67). Tal cenário se apresenta como privilegiado para os conjunturalistas oficiais e os experts financeiros que retomaram a bandeira do otimismo no início de 2010. Tal otimismo, no entanto, foi perturbado apenas por novidades oriundas de Estados endividados (Dubai, Grécia).

Face à crise era indispensável reconstituir uma ordem cogniti- va fortemente abalada, daí a necessidade de uma interpretação oficial das causas da crise ter sido desenvolvida e largamente difundida pelos organismos internacionais, e pelos respectivos governos. Essa interpretação dominante da crise é objetivada nos diversos textos oriundos das sucessivas reuniões do G20 que são posteriores a emergência da crise. O primeiro ato foi produzir uma análise geral da crise e construir um conjunto de respostas sobre esta. Esses discursos têm uma força social considerável porque estão ligados à autoridade particular dos enunciadores consagrados (Bourdieu, 1982). Assim, em 2008 se estabelece um consenso entre o campo político e o campo econômico representado, sobretudo, pelos bancos centrais. A interpretação dominante da crise está fundamentada na noção de regulação dos mercados financeiros. As consequências dessa regulação se declinam com uma certa quantidade de reformas institucionais que farão parte da agenda das políticas públicas mundiais a partir de outubro de 2008, como, por exemplo, a re- forma universitária na França.

Essa regulação visa a reorganização do setor financeiro, contro- le dos mercados, limitação das taxas de remuneração excessivas no setor financeiro e a luta contra os paraísos fiscais e objetiva, oficialmente, alertar contra os riscos. É assim que a regulação se torna a palavra-chave da reconstituição da ordem econômica enfraquecida pelo choque da crise (Lebaron, 2010, p. 72). Os Estados reunidos no G20 se tornam os principais agentes de uma estratégia coordenada para sair da crise e estabelecer a confiança dos agentes econômicos e financeiros. A questão funda- mental da saída da crise está vinculada a reformas estruturais, redução das despesas públicas, das dívidas públicas e pelo crescimento da intervenção do Estado. Em maio de 2010 os mercados financeiros continuam com uma tendência ao crescimento que se constata desde março de 2009. Os lucros dos bancos e das grandes empresas foram reconstituídos e as inquietações sistemáticas estão mais centradas nos Estados (Husson, 2009).

A crença na autorregulação do mercado, durante muito tempo defendida por agentes econômicos e financeiros, não é mais fortemente defendida depois da crise, isto porque as interven- ções públicas evitaram o pior. A crise desvendou o fracasso in- telectual que representou a crença na autorregulação (Lebaron, 2010, p. 77). Os agentes financeiros, quotidianamente, se inco- modam com o excesso de regulação. A sociologia dos mercados financeiros descreve as alternativas dos períodos de regulação e de desregulação que estão relacionados a atividades econômi- cas e financeiras. Logo após um período de euforia especulati- va, que contribuiu para o esquecimento das regras em vigor, a emergência de uma crise, da falência de uma grande empresa ou de um escândalo financeiro acarreta o retorno do Estado e das autoridades de regulação e, portanto, das normas jurídicas que tentam evitar a reprodução dos fenômenos críticos. Os ciclos de regulação e de desregulação correspondem às fases de euforia e de pessimismo dos agentes econômicos e financeiros.

A necessidade de uma nova regulação se impôs desde o final de 1990 em diferentes arenas internacionais. Nesse período o mo- vimento de regulação foi real. O breve, mas intenso movimento de crescimento financeiro que terminou em 2007 foi então um movimento de desregulação da economia. A aplicação das políticas administrativas antifiscais nos Estados Unidos foi seguida de uma avalanche de inovações financeiras, muitas vezes ilegais, que foram implementadas por instituições à margem do contro- le do Estado (Morin apud Lebaron, 2010, p. 80).

O capitalismo moderno se caracterizou por uma coexistência instável, sobretudo a partir da crise de 1929, das instituições públicas e privadas. As instituições tanto públicas quanto pri- vadas conhecem relações diversas no tempo e no espaço, mas conseguem estruturar as categorias de percepção dos agentes econômicos implicados no processo de construção de um con- senso social. O modelo financeiro americano é baseado em um desenvolvimento importante dos mercados e das instituições financeiras e de grandes limites das autoridades de regulação, alimentando assim a liberalização dos mercados de capitais. A temática da necessidade de regulação do mercado estrutura o discurso neoliberal desde a crise de 1929. Para Frédéric Leba- ron pode-se encontrar nos discursos contemporâneos sobre a crise as origens da especificidade do neoliberalismo em relação ao liberalismo clássico. No neoliberalismo existe uma insistência sobre as regras do direito e sobre o papel do Estado como ins- tituição que garante o bom funcionamento dos mercados (Denord apud Lebaron, 2010, p. 82). O FMI lembra regularmente da necessidade de mais coordenação e propõe uma maior taxa de imposto sobre os bancos, mas há resistência de certos países como o Canadá, por exemplo. Na Europa, os agentes econômicos e financeiros que defendem o retorno da ortodoxia são cada vez mais céticos em relação ao endurecimento das regras de imposição fiscal em relação aos bancos e, assim, o projeto regulador é cada vez mais limitado (Lebaron, 2010, p. 88).

As mudanças cognitivas dos novos discursos reguladores não significam transformação das estruturas, até porque institui- ções e lógicas dos mercados de capitais não foram transforma- dos depois da crise. Os opositores à regulação se pronunciam contra as medidas que são desfavoráveis aos grandes investimentos econômicos e financeiros. Os paraísos fiscais são a expressão extrema de uma tendência geral da não fiscaliza- ção sobre as empresas privadas, mesmo existindo diferenças internacionais (Guex, 2003). A estrutura simbólica da ordem capitalista foi abalada e ao mesmo tempo ela se reorganizou em torno das instituições públicas que, em vários casos, teve que se apropriar de uma parte de certas empresas segundo o princípio da socialização das perdas e privatização dos bens produzidos coletivamente.

Ao se situar dentro da tradição sociológica inaugurada por E. Durkheim e F. Simiand, Frédéric Lebaron adota uma perspectiva de análise da crise econômica a partir do que ele chama de sociologia cognitiva do conhecimento. Esta sociologia se define como uma sociologia dos processos de conhecimento colocados em prática por agentes sociais ordinários ou intelectuais (Le- baron, 2010, p. 21). O ponto de partida é, então, a análise em termos de flutuações econômicas visto que a crença coletiva é o motor das flutuações observadas no campo econômico. Ao invés de conceber a economia como um conjunto de mercados em equilíbrio, F. Simiand e Marcel Mauss consideram que se trata de um universo em constante movimento, perpassado por con- flitos, ações e reações diversas, que são específicas aos agentes dotados de uma história e de representações cristalizadas no corpo e nas categorias de percepção. Frédéric Lebaron interpre- ta a crise como uma manifestação acelerada da reconstituição do capitalismo mundial e, em particular, dos setores dominantes da economia mundial. A crise é um movimento de recomposição entre os setores e se traduz pela mudança hierárquica, fusões entre as empresas (que se multiplicam no período de retoma- da do financiamento mundial), da falência de empresas e maior intervenção do poder público no sistema produtivo (Lebaron, 2010, p. 110 -112). A estratégia do governo Francês consiste em colocar em primeiro plano a reforma e a refundação do capitalismo, pela regulação em matéria de política social e intervenção (Lebaron, 2010, p. 122).

O retorno a Keynes corresponde a uma mudança rápida de ati- tude dos dirigentes políticos e dos bancos centrais no momento em que eles percebem a amplitude dos riscos da crise. Essa mu- dança se traduz pela utilização de um vocabulário centrado na ação e urgência, que substitui o vocabulário da competitividade e da globalização, que exige sempre adaptação e atratividade (Lebaron, 2010, p. 60-61). Os neokeynesianos têm uma grande influência nos debates macroeconômicos nos Estados Unidos e nos organismos internacionais. Assim, Olivier Blanchard, pro- fessor do MIT, se torna Chief Economist do FMI, que era dirigido por François Strauss-Kahn, dois economistas neokeynesianos moderados que ocupam posições determinantes na governan- ça da economia mundial no momento da explosão da crise. Nos Estados Unidos a política de estimulação fiscal nunca foi aban- donada, ela constitui um dos meios para manter um alto nível de emprego. Paralelamente a uma política americana que se tornou expansionista, recorrer a uma política de relance orça- mental massiva é rapidamente mobilizado pelo conjunto dos chefes de Estado e seus conselheiros econômicos. Ao recorrer à combinação inédita dos dois principais instrumentos de política econômica a curto prazo, a fiscal e a expansão monetária, cria-se um grande fato da crise. Isto engendra um ambiente de política econômica que é novo e focaliza a atenção dos comentadores e dos atores dos mercados. Essas políticas haviam perdido sua legitimidade desde os anos 1970 (Lebaron, 2006).

O retorno a um ambiente econômico normal é um tema importante do Banco Central Europeu, que convida a um processo de redução dos déficits. Esses discursos são seguidos por alguns agentes responsáveis pelas políticas econômicas europeias. A luta não diz respeito ao papel do Estado em matéria fiscal e no processo de redução das despesas públicas necessárias para se chegar à estabilidade do sistema capitalista. O movimento que se acelera em maio de 2010 está ligado a um diagnóstico conjunturalista de retomada durável do crescimento econômico, o qual se inicia com a entrada explícita de uma estratégia de saída da crise iniciada pelos bancos centrais e pelos Estados. Se trata de um retorno à ortodoxia orçamental e monetária, isto implica na instituição de planos de ajustamento estrutural e, sobretudo, nos países que estão em situação de fragilidade nos mercados internacionais. É difícil prever qual será o sucesso das políticas econômicas de restauração da ordem anterior, visto que não houve crescimento dos salários durante a crise e ampliar o ín- dice de empregos poderá gerar, ao contrário, conflitos sociais (Lebaron, 2010, p. 174-175).

O retorno ao keynesianismo dos tempos gloriosos é impossível. A alternativa não poderia ser aprofundar o modelo neoliberal, porque este modelo mostrou seus limites e não pode mais funcionar e o capitalismo encontra-se em um grande impasse que ameaça diversos sistemas financeiros e econômicos. Esse modelo neoliberal

...de sociedade deve ser definido ao mesmo tempo por uma excepcional capacidade de concentração dos recursos e pela criação de tensões e conflitos sempre nos limites do insuportável. É a polarização da sociedade que permitiu a concentração dos recursos, tornada possível graças aos métodos de dominação e exploração social (Touraine, 2011, p. 22).

O problema da saúde dos sistemas bancários não foi totalmente resolvido e o risco é um retorno dos comportamentos especulativos dos bancos, com novo retorno das bolhas. Diversas aná- lises defendem a ideia segundo a qual a crise econômica é um anúncio do fim do capitalismo financeiro. No entanto, é possível que um dos efeitos da crise seja a diminuição do endividamento que era utilizado antes da crise para estimular a demanda e o consumo. Talvez uma redução da ampliação dos títulos (titrização) seja possível, mas isto não significa o fim do capitalismo financeiro (Artus, 2009).

6 Crise e Perdas Salários

A concepção dominante é que, no pós-guerra, o capitalismo havia encontrado a receita milagrosa para evitar as crises. As primeiras crises neoliberais semearam as incertezas e apesar disto foram tratadas com relativa indiferença. A crise da nova economia em 2001 suscitou preocupações porque ela se originou nos Estados Unidos, mas foi rapidamente superada e criou um sentimento de confiança na força do sistema econômico e financeiro. A primeira grande lição da crise, para Isaac Johsua, é que o milagre não se produziu e que o capitalismo continua sendo um sistema fundamentalmente anarquista. Quando ele funciona, é em benefício de uma minoria em detrimento dos que produzem a riqueza. E quando ele não funciona ele carrega consigo toda a população para o precipício (Joshua, 2009, p. 121).

A crise de 2008 destruiu a ideia segundo a qual o mercado é ca- paz de regular tudo e que não poderá haver uma grande crise e, se houver, o mercado resolve tudo e a recessão será evitada. Desde os anos 1990, com a queda da União Soviética, a ideia da vitória da economia de mercado é amplamente defendida e di- vulgada como a única alternativa possível de organização social da economia. Há meios de escapar da falência ao instaurar uma regulação como a fordista, mas isto não é garantia de que se possa superar as crises no sistema, pois, até o presente, as políticas monetárias mostraram suas ineficácias. Neste sentido, a crise de 2008 é comparável apenas com a crise de 1929 (Touraine, 2011, p. 17). Apesar disto, nenhuma grande lição foi tirada pelos neoliberais, mesmo com demissões massivas, inúmeras empresas que fecharam as portas e o grande índice de desemprego em diversos países desenvolvidos (Lebaron, 2010). Enquanto isso, o orçamento público é mobilizado para proteger o lucro dos bancos, para legitimar a velha fórmula da privatização do lucro e socialização das perdas. Existe uma exigência legítima de em- pregos corretos e salários decentes.

O diretor Geral do FMI, D. Strauss-Kahn, estimava em 17 de mar- ço de 2008 que a coletividade no seu conjunto deveria assumir os custos da luta contra a falência do sistema financeiro. Esta crise não é uma crise da coletividade e, sim, uma crise do sis- tema financeiro e do grande capital. Porque os trabalhadores devem pagar uma dívida que eles não fizeram? Ora, eles sofrem as consequências e ainda devem tentar salvar um sistema que os conduz a péssimas condições de trabalho e ao desemprego. Para Johsua, essa crise é também uma crise ecológica, trata-se da alimentação, da água, da energia etc. (Joshua, 2009, p. 126).

As políticas de austeridade salarial são apresentadas hoje como meio para reduzir a desregulação e sair da crise. É justamente a tese contrária que é defendida por Michel Husson; é o recuo das medidas drásticas de redução dos salários que é o fundamento da crise. As políticas neoliberais dos anos 1980, aplicadas logo após o fracasso do relance do keynesianismo, confirmada pela recessão do início de 1980, acarretaram perdas salariais (Hus- son, 2013). Isto se justifica pelo fato de que é a produtividade no trabalho que permite a progressão do poder de compra. As empresas têm necessidade da rentabilidade, mas para isto é pre- ciso vender as mercadorias. Se uma parte dos salários baixa, a perspectiva que constitui a demanda salarial tende a se reduzir. Neste caso, há uma contradição clássica do capitalismo que se agrava com a redução dos salários. A saída encontrada pelo neoliberalismo foi o endividamento, este permite a manutenção do consumo privado, mesmo com uma relativa redução dos salários. Mas esse modelo não deu bons resultados, como se observa na crise atual. No modelo fordista o salário real aumentava com a produtividade do trabalho. A baixa de parte dos salários nos anos 1980 teve como efeito uma relativa ausência de dinâmica salarial e do consumo.

O sistema monetário europeu estabelece disciplina estrita em matéria de salário e preços. No âmbito da moeda única, o euro deve conduzir a políticas que visa uma flexibilização da evolução dos salários. Neste sentido, o euro foi pensado também como um instrumento de disciplina salarial (Changny, Husson, Lerais, 2013, p. 74-75). A redução dos salários é apresentada como al- ternativa inevitável para a saída da crise, como medida ela per- mitiria a restauração da competitividade. No entanto, o bloqueio dos salários entre 1982 e 1989 não se traduziu por uma melhoria da competitividade e tampouco pela baixa dos preços (Changny, Husson, Lerais, 2013, p. 91). A norma salarial que prevalece até o início dos anos 1980 é que o salário real aumenta com a produ- tividade do trabalho. Assim, os salários não estão na origem da crise e da perda de competitividade. A competitividade é entendida como a capacidade para manter ou aumentar o domínio de uma parte de determinado mercado, apesar da concorrência. A tendência ao desenvolvimento desigual do capitalismo é sempre presente.

Conclusão

As políticas de regulação dos mercados financeiros que foram apresentadas como soluções da crise avançam lentamente e, enquanto isto, os lucros das instituições financeiras e das grandes empresas capitalistas se reconstituem rapidamente. Uma aliança, composta pelos banqueiros mais importantes, os economistas das organizações internacionais, com relações estreitas com as instituições financeiras e uma parte dos grandes patrões, e, acrescenta-se, pelos jornalistas econômicos dominantes que fazem propaganda, tenta impor uma estratégia internacional de queda das despesas públicas nos países desenvolvidos. As políticas de ajustamento estrutural da crise financeira, que se aceleram na Europa, ameaçam as condições de vida e trabalho dos funcionários públicos e das classes populares. As reformas estruturais colocam o mundo do trabalho em uma situação de submissão, de precarização. Os assalariados e os sindicatos ten- tam resistir a uma nova queda de suas condições de trabalho e a um crescimento acelerado da insegurança econômica e social.

Assim como as tensões que são engendradas pelo desemprego e o sofrimento no trabalho (Foucart, 2003). A Ideia amplamente divulgada na França era que o emprego precário estava mais li- gado aos jovens e às empresas privadas. No entanto, a precarie- dade massiva no setor privado está cada vez mais forte no setor público e isto se observa hoje no ensino superior e na pesquisa, por exemplo (Arnaud et al., 2011). Diante desses problemas e do fracasso do mercado, da falta de perspectivas coletivas, muitos trabalhadores se refugiam na abstenção e nas diversas formas de revoltas individuais.

No início dos anos 1980 os governos conservadores da Inglaterra e dos Estados Unidos trabalharam ativamente para destruir a legitimidade da representação sindical. Em nome da liberda- de individual e do que eles consideravam o poder abusivo dos sindicatos na condução das questões econômicas, para isto uma série de leis foi implantada para quebrar a autonomia dos sindicatos (Dufour, 2012, p. 37). Isto significa que os neoliberais se tornam mais radicais ao limitar o poder dos sindicatos e reduzir a ação do Estado no que concerne as políticas sociais. É o suces- so dos neoliberais nos anos 1980 que concretiza as dimensões neoliberais já presente no tratado de Roma e isto está vinculado a uma conversão acelerada da social democracia ao programa neoliberal. A social democracia assume um compromisso histó- rico com os conservadores em 1982-1983 ao propor uma refor- ma estrutural no mercado de trabalho e da proteção social, insti- tuindo assim concepções dogmáticas e pragmáticas em matéria econômica (Lebaron, 2012, p. 5-8).

A crise financeira trouxe de volta o discurso regulador e a necessi- dade de interpretações mais sistemáticas que vão além da leitura de análise de conjuntura. A crise econômica foi seguida por um abalo na ordem cognitiva que é seguida em 2007-2010 por uma aparição da consciência das anomalias ou de fatos difíceis de serem in- terpretados por uma doutrina que tem a pretensão de ser científica. A crise questiona uma representação estabelecida na performance das economias nacionais e de seus determinantes, promovida pelos economistas dominantes (Lebaron, 2010, p. 93-94).

Para Frédéric Lebaron o pós-capitalismo é uma hipótese que tem legitimidade, sobretudo, depois das falhas profundas do sistema econômico atual (Lebaron, 2010, p. 224). Trata-se de construir um mundo mais solidário e para isto é preciso repen- sar um plano internacional de reconstrução da sociedade que se fundamente na implantação de novos critérios de avaliação das políticas públicas. Isto consiste em colocar o Estado a serviço das lutas contra a crise ecológica global, a luta contra a crise social que afeta primeiramente as classes populares e contra as desigualda- des econômicas e sociais. Para isto é necessário reconstruir novas formas de organização dos movimentos sociais em nível interna- cional visto que o capital se internacionalizou. A crise atual é mais do que uma crise de confiança, trata-se de uma crise da ideologia neoliberal que coloca em dificuldade os fundamentos da ordem econômica mundial. O que está em jogo é a finalidade da organi- zação social, a natureza da riqueza e da relação entre a economia e a sociedade, entre os indivíduos e o Estado. O capitalismo produz e legitima cada vez mais as injustiças sociais ao impor a superiori- dade dos mercados e suas doutrinas, não deixando praticamente nenhum espaço para a produção de alternativas que possam limi- tar o poder da aliança entre Estado e mercado. Os efeitos da cri- se ainda não são totalmente perceptivos e o papel da sociologia econômica é justamente o de tentar analisar a situação.

Material suplementar
Referências
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