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Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11): uma análise da utilização da lei e seu entendimento nos principais tribunais de justiça do país
RICARDO VIDOTTO MONTEIRO
RICARDO VIDOTTO MONTEIRO
Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11): uma análise da utilização da lei e seu entendimento nos principais tribunais de justiça do país
Access to information Law (Law n. 12.527/11): an analysis of the use of the law and its understanding in the Brazilian main courts of appeal
Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, vol. 3, núm. 2, 2016
Universidad Nacional del Litoral
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Resumo: No contexto dos aspectos referentes à aplicação da recente Lei de Acesso à Informação (Lei n.º 12.527/2011), do Brasil, o presente trabalho traz, como objetivo principal, uma pesquisa jurisprudencial a fim de revelar como funciona essa norma, junto a seus variados efeitos jurídicos, nos principais Tribunais de Justiça do país. O grande esforço deste mandamento legal é o de regulamentar os procedimentos a serem seguidos pelos entes a ela sujeitos. Assim, tal lei propõe-se a promover o máximo de acesso às informações públicas, quanto possível, pronta a inaugurar novos mecanismos de promoção ao exercício de uma cidadania mais ativa por parte dos administrados, no exercício do controle do Estado. Sobre a metodologia desenvolvida, o trabalho apresenta uma análise de cem acórdãos judiciais dos cinco maiores Tribunais de Justiça brasileiros, distribuído vinte para cada ente federativo. As conclusões finais extraídas da pesquisa revelam quais são os principais instrumentos processuais utilizados, os sujeitos (ativos e passivos) da relação jurídica formada com base na Lei de Acesso à Informação, quais as motivações mais relevantes ao se fazer uso desta Lei e, ainda, apresenta qual o índice de manifestações judiciais que determinaram o sigilo, constando todas essas decisões devidamente esmiuçadas.

Palavras-chave: lei de acesso à informação, transparência, publicidade, pesquisa jurisprudencial.

Abstract: In context of application of aspects regarding to the recent Law of Information Access (Law No. 12,527 / 2011), this work brings a jurisprudential research with the promise to reveal how the Law of Information Access operates, with its various legal effects, in main Courts of Justice in Brazil. The great effort of this law is to regulate the procedures to be followed by the entities submitted to it. In this way, such a law propose to promote the maximum access to public information as possible, ready to open new promotion mechanisms to exercise a more active citizenship by its citizens, in the exercise of the State control. About developed methodology, the work brings an analysis of one hundred judicial decisions of the five largest Brazilian Courts of Justice, distributed twenty for each state. After research, it was found which are the principal procedural instruments, the subjects (active and passive) of the legal relationship composed by theme, which are most important reasons to make use of this law, and yet, it was found which is the index of judicial events that determined the secrecy, and these decisions were properly detailed.

Keywords: law of information access, transparency, publicity, jurisprudential research.

Carátula del artículo

Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11): uma análise da utilização da lei e seu entendimento nos principais tribunais de justiça do país

Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11): uma análise da utilização da lei e seu entendimento nos principais tribunais de justiça do país

Access to information Law (Law n. 12.527/11): an analysis of the use of the law and its understanding in the Brazilian main courts of appeal

RICARDO VIDOTTO MONTEIRO
Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (Brasil) , Brasil
Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo
Universidad Nacional del Litoral, Argentina
ISSN-e: 2362-583X
Periodicidade: Semestral
vol. 3, núm. 2, 2016

Recepção: 11 Abril 2016

Aprovação: 18 Dezembro 2016


Sumário:

1. Introdução; 2. Metodologia utilizada na Pesquisa Jurisprudencial; 3. Dados Levantados; 4. Casos de Negativa de Acesso à Informação; 5. Considerações Finais; 6. Referências; Tabela 1 (dados gerais da pesquisa); Tabela 2 (pessoas físicas impetrantes da LAI).

1. Introdução

A Lei nº 12.527/11, conhecida como de Lei de Acesso à Informação (LAI), tem a ambição de produzir grandes mudanças no sistema jurídico brasileiro, quanto ao tema do direito à informação. Não veio para inovar o ordenamento, pois a matéria há muito tempo está prevista no texto constitucional, mas a LAI pode servir como utensílio hábil a elevar os contornos da transparência e da publicidade na Administração Pública a patamares nunca vistos no Brasil.[2]

A Lei de Acesso inaugurou novas ferramentas que fomentam a estreia do administrado em condição mais ativa no controle do Estado, que agora passa a ser mais visível. Assim, indivíduos comuns, antes meros destinatários de políticas públicas, passam a ser cidadãos ativos no controle estatal, aumentando significativamente a oportunidade de acesso, qualitativo e quantitativo, aos dados públicos.

Este trabalho tem o condão de investigar se essas premissas têm sido recorrentes na jurisprudência de alguns tribunais, bem como catalogar qual o comportamento dos principais Tribunais de Justiça do país, frente à matéria abordada, a fim de demonstrar a praticidade judicial referente a esse diploma legal. O trabalho apresenta o modo de realização da pesquisa. Depois é realizada a demonstração dos dados levantados, seguindo com uma análise específica dos casos que negaram acesso às informações públicas, para, enfim, deduzir algumas considerações a respeito da pesquisa.

2. Metodologia utilizada na Pesquisa Jurisprudencial

Antes de abordar o resultado obtido, passa a ser necessário explanar como foi construída a pesquisa jurisprudencial e, consequentemente, a coletânea de dados a serem analisados, em companhia a suas repercussões.

A fonte da metodologia utilizada na pesquisa foi os acórdãos judiciais publicados pelos Tribunais de Justiça dos Estados economicamente mais relevantes do país, a saber, em ordem decrescente: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná.[3] Os acórdãos foram obtidos por meio de buscas na internet, todos eles disponibilizados nos sítios eletrônicos dos Tribunais mencionados, através da busca online.

Em relação à quantidade numérica de decisões a serem analisadas, estabeleceu-se a meta de 100 (cem) acórdãos, escolhidas as vinte decisões judiciais mais recentes de cada tribunal. Optou-se pela ferramenta de busca “consulta jurisprudencial” no campo de “consulta de processos”, na modalidade de “busca avançada” para definição da amostragem.

Inicialmente, foi pesquisada a expressão: lei de acesso à informação. Para esta frase era opcional que todas as suas palavras estivessem contidas tanto nas ementas das decisões, como no corpo dos acórdãos. Todavia, demonstrou-se impossível a pesquisa, tendo em vista a enxurrada de decisões judiciais sem correlação lógica com a matéria pretendida. A busca, assim realizada, tinha como resultado qualquer acordão que possuísse essas palavras dispersas em seu conteúdo, logo, sem mencionar em nada, especificamente, a destinação do uso da LAI.

Posteriormente, pesquisou-se a mesma expressão, porém entre aspas, o que resultou em acórdãos que no mínimo referiam-se à Lei de Acesso à Informação. Dessa maneira, foram colhidos: os vinte primeiros acórdãos,[4] dos vinte e quatro disponíveis do TJPR; vinte, dos cento e vinte e cinco acessíveis no TJSP;[5] vinte, dos sessenta e cinco dispostos no TJMG;[6] vinte, dos também com vinte e quatro decisões exploráveis no TJRS; e, por fim, vinte decisões encontradas no TJRJ.[7]

Do banco de dados coletado, nem todas as decisões foram consideradas convenientes para pesquisa. Vinte e seis delas deixaram de ser consideradas relevantes para o trabalho.[8] Em todas elas, o termo pesquisado “lei de acesso à informação” aparece como mera citação acessória, em que o magistrado fundamentava razões totalmente distintas do foco do trabalho. Por exemplo, o termo aparecia em uma citação do magistrado, que em nada tinha a ver com o objetivo maior da pesquisa.

Depois de pronta a amostragem resultante, foram lidos todos os setenta e quatro acórdãos, de forma a organizar quais seriam os principais aspectos jurídicos relevantes ao tema. Isso, na tentativa de se traçar um referencial, elementos similares ou contraditórios das decisões, como, por exemplo: quais foram as ferramentas processuais utilizadas, os principais protagonistas da relação judicial envolvendo o uso da LAI, se houve a disponibilidade das informações pretendidas e quais foram os principais objetivos dos autores e réus ao se fazer uso deste instrumento legal.

A primeira providência foi criar uma planilha que dispusesse o registro de cada situação analisada. Conforme acontecia a leitura individual das decisões, era feita a análise tentando entender qual era a lógica de cada caso. Tudo foi catalogado nos diferentes grupos/categorias analisados. Para lograr certa organização, foi intitulado um número de ordem a cada decisão trabalhada (de 1 a 100) constante na “tabela 1” (dados gerais da pesquisa). E são, exatamente, esses números que servirão como citações, neste capítulo, quando for necessário dar autenticidade às conclusões desenvolvidas.

Assim, na “tabela 1” foram registrados o número de ordem de cada acórdão analisado, seu tribunal correlato, a peça processual equivalente à demanda, os principais objetivos de utilidade da LAI, quem eram seus autores e réus, se houve transmissão da informação pleiteada, o resultado da pretensão judicial (provimento ou rejeição) e, por fim, a citação de cada acórdão.

Apresentado o modo pelo qual se desdobrou a pesquisa, a próxima etapa é a apresentação da análise dos dados.

3. Dados Levantados

Um primeiro passo seria conhecer quais foram os meios processuais pesquisados. Entre todas as decisões da amostragem, a proporção de peças processuais utilizadas foram as seguintes: (29) vinte e nove mandados de segurança,[9] (21) vinte e uma apelações,[10] (13) treze agravos,[11] (7) sete embargos de declaração,[12] (2) dois embargos infringentes,[13] (1) uma ação cautelar[14] e (1) uma notícia-crime.[15]

A fim de realizar uma melhor ilustração, avista-se o gráfico:

De todas as peças observadas no gráfico, constata-se que o Mandado de Segurança é o instrumento processual mais utilizado quando há litigância envolvendo a LAI. Cerca de 40% das ações judiciais envolveram o uso desse remédio constitucional. Nota-se que o direito de acesso à informação, quando não respeitada a sua obrigatoriedade publicitária pela entidade subordinada, torna-se direito líquido e certo de quem o invocou. Isso é revelado tendo em vista o resultado dos julgados em tela, em que apenas não foi demonstrado o direito do autor, mediante prova pré-constituída (sem a necessidade de dilação probatória), em três casos,[16] o equivalente a 10% das decisões.

Outro dado geral interessante a ser conhecido é quem são os protagonistas jurisdicionais das relações jurídicas referentes à utilização da Lei de Acesso à Informação. São eles:

Gráfico 2. Protagonistas do uso da LAI.[17]

Tirando por referência de análise do gráfico o polo passivo, percebe-se que o Executivo municipal é o grande litigante em se tratando da LAI, ou seja, cerca de 39% de todas as demandas da amostra. Contudo, essa cifra apresenta-se ainda maior se acrescida da porcentagem de demandas contra o Executivo estadual (aproximadamente 18%), totalizando somente contra o Poder Executivo, 57% de todas as demandas como réu em ações judiciais cujo interesse seria informações públicas.[18]

Esse problema pode ser explicado visto a precariedade e o atraso em que se encontram os Municípios e os Estados brasileiros frente à União, o que faz concluir que o Brasil apresenta-se como uma débil federação. Existe, no Brasil, certa aproximação de “cultura político-administrativa centralizadora no âmbito do aparato governamental federal, que se expressa, sobretudo na implementação de políticas nacionais, sem a devida articulação e pactuação junto aos entes subnacionais”.[19]

Para solução desse problema, uma estratégia proposta seria a intensificação no processo de descentralização administrativa para execução de políticas públicas. Esse fenômeno seria extremamente positivo, devido à ampla heterogeneidade vocacional das diversas regiões do território nacional. Claro que, para se concretizar tal proposta, proporcionalmente às descentralizações administrativas, deveria ocorrer a disponibilidade de recursos financeiros, acompanhada de uma crescente evolução de capacidade técnica administrativa, para que, então, os Municípios assumissem a execução autônoma dessas políticas, consagrando o pacto federativo.[20]

Importante, ainda esclarecendo sobre os alvos dessas demandas judiciais, elucidar a participação de várias pessoas de direito privado como réus. Se observado com atenção, encontram-se nessa situação: pessoas físicas (4 casos), empresas privadas (2), sindicatos (4) e sociedade de economia mista (1). Vale lembrar que nada impede que o agente privado,[21] sem fins lucrativos, figure no polo passivo de pedidos de acesso à informação, se forem a eles destinados certa quantia de recursos públicos, para exercício do interesse público, e somente sobre a destinação dessa verba que se pode configurar a solicitação de dados.[22]

Contudo, com exceção da petição contra a Companhia Paranaense de Energia – COPEL –, que realmente objetiva acesso às informações de Sociedade de Economia Mista, não são esses os casos das pretensões analisadas. Em todos os casos citados, as peças são recursais ou de reexames necessários. Essas pessoas de direito privado não figuram como demandadas com fundamento na LAI, mas estão no polo passivo justamente porque o ente público recorreu ao Judiciário, inconformado com a decisão original de transmissão de dados pretendidos por elas. O outro caso, um reexame necessário, decorre de própria exigência legal, para dar eficácia a determinadas sentenças. Seria a necessidade, eleita pelo legislador, de que algumas sentenças sejam confirmadas pelo Tribunal, ainda que não tenha sido impetrado nenhum recurso pelas partes.[23]

Agora se passa a analisar o polo ativo da amostragem. Visto o gráfico, percebe-se, dentre todo o universo de legitimados a propor pedidos de acesso à informação, que as pessoas físicas são os grandes interessados nessas demandas. Aproximadamente 47% de todas as peças analisadas tiveram cidadãos no polo ativo. Visto essa generosa parcela, resta descobrir a motivação dessas pessoas pelos pedidos de acesso à informação.

Na tentativa de compreender o interesse dessas pessoas, foi realizada uma nova pesquisa paralela. A cada novo caso, em que era observado pessoas físicas figurando no polo ativo das demandas pela abertura administrativa da máquina pública, buscava-se em sites de pesquisa da internet o nome do autor e o nome do ente político, que era parte contrária no caso específico, a fim de agrupar essas pessoas conforme características similares.

O resultado obtido é a “tabela 2” (Pessoas físicas impetrantes da LAI) deste trabalho. Dela se pode traduzir o seguinte gráfico:

Da leitura do gráfico, depreende-se pelo menos duas situações: (a) cerca de 72% de todos os autores (somados: advogado, doadores de companha, pessoas com ligação partidária, servidores públicos e sindicalistas) têm algum tipo de vínculo próximo com a Administração Pública em suas variadas estruturas; e (b) a maior fatia de pessoas que figuram no polo ativo é formada por servidores públicos, 40% de todas as demandas. Para as duas situações existem considerações.

De certa maneira, a pesquisa demonstrou que (a) a grande maioria das pessoas que buscam informações públicas (72%) já está familiarizada com a Administração Pública. Assim sendo, elas já possuem algum tipo de vinculação com o Poder Público e, portanto, detêm a expertise de que o conhecimento das atividades públicas é de todos. Logo, pelo perfil de vinculação analisado, parece que a motivação delas é mais política do que fiscalizatória, demonstrando, em certa medida, um cenário ainda de baixa efetividade de cidadania ativa. Isso, presumidamente, parece indício de que a LAI ainda não incute a todos os integrantes da sociedade, como ferramenta, que a eles está disponível, para funcionar como efetivo exercício de controle social.

Sobre a (b) grande demanda de servidores públicos figurando no polo ativo, quando o assunto é a LAI, existe outro dado curioso. Dentre os principais objetivos em que todas as pessoas físicas se apoiaram para fazer uso da Lei de Acesso à Informação,[24] em torno de 40% dos casos eram servidores públicos tentando impedir a divulgação de seus proventos nos diversos portais de transparência.

O caso remonta a um conflito entre direitos fundamentais, a saber, o direito à intimidade ou a vida privada dos servidores públicos, que não desejam exibir seus proventos, contra o direito de acesso às informações públicas. Sobre essa temática o STF já expediu consolidação no sentido de que:

Ementa: SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃOS QUE IMPEDIAM A DIVULGAÇÃO, EM SÍTIO ELETRÔNICO OFICIAL, DE INFORMAÇÕES FUNCIONAIS DE SERVIDORES PÚBLICOS, INCLUSIVE A RESPECTIVA REMUNERAÇÃO. DEFERIMENTO DA MEDIDA DE SUSPENSÃO PELO PRESIDENTE DO STF. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS CONSTITUCIONAIS. DIREITO À INFORMAÇÃO DE ATOS ESTATAIS, NELES EMBUTIDA A FOLHA DE PAGAMENTO DE ÓRGÃOS E ENTIDADES PÚBLICAS. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE, INTIMIDADE E SEGURANÇA DE SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVOS DESPROVIDOS. 1. Caso em que a situação específica dos servidores públicos é regida pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. 2. Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo “nessa qualidade” (§6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. 3. A prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o seu Estado republicanamente administrado. O ‘como’ se administra a coisa pública a preponderar sobre o ‘quem’ administra – falaria Norberto Bobbio -, e o fato é que esse modo público de gerir a máquina estatal é elemento conceitual da nossa República. O olho e a pálpebra da nossa fisionomia constitucional republicana. 4. A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública. 5. Agravos Regimentais desprovidos.[25] (destacou-se)

Contudo, mesmo com jurisprudência consolidada pelo STF, há forte resistência dos Tribunais de Justiça ao enfrentarem a matéria. De todas as decisões a respeito, treze delas, ou seja, 52%, têm ao menos um voto em segundo grau, ou com decisão do juízo de primeiro grau, no sentido contrário ao expedido pelo STF.

O TJPR demonstrou-se harmônico com a decisão expedida pelo STF, proferindo todas suas decisões, sobre a matéria, com unanimidade de votos pela divulgação dos proventos.[26] O TJSP apresentou sete decisões com esse conteúdo, cinco com posicionamentos contrários à Corte Suprema,[27] um com unanimidade de votos seguindo o Supremo[28] e, o último, um curioso caso de divulgação errônea sobre os proventos de servidor no portal da transparência.[29] O TJRS foi o que mais discutiu o assunto, doze casos, sete julgados por unanimidade pela divulgação,[30] e outros cinco com discussões no sentido contrário, um inclusive aceitando a negativa de divulgação.[31] E, por fim, o TJMG apresentou duas decisões que julgaram sobre a matéria, sendo que as duas possuem votos divergindo do STF, mesmo sendo votos perdidos.[32] O TJRJ não expôs casos sobre essa temática.

Visto o grande embate de fundamentações acerca do tema, cabe elucidar os principais posicionamentos:

Favoráveis à divulgação:

a) a principal fundamentação é a de que o assunto já foi consolidado pela jurisprudência do STF, conforme já demonstrado, devendo os outros tribunais acolherem a decisão, a fim de se buscar uma uniformização jurisprudencial no país, capaz de favorecer a segurança jurídica;

b) a divulgação favorece o exercício do controle social pela cidadania, pois, como tal, é corolário do direito constitucional de acesso à informação, que somente seria efetivo se demonstrada, nominalmente, a folha de pagamento dos servidores, porque sem a indicação nominal dos servidores não tem como o cidadão identificar erros ou ilegalidades sujeitas a prejudicar o erário;

c) nem a Constituição Federal, nem a Lei n.º 12.527/2011 estabelecem alguma vedação à possibilidade de divulgação dos nomes dos agentes públicos, ou de suas respectivas remunerações.

Contrários à divulgação:

a) previsão constitucional do direito à inviolabilidade da intimidade, à vida privada, à honra, à imagem das pessoas, à liberdade, à segurança e à dignidade da pessoa humana;

b) quanto ao nome do agente público, a Lei n.º 12.527/11 em momento algum autoriza sua divulgação, ao contrário, a LAI prevê proteção a esse direito, pelo art. 31, § 1º, II, impedindo que informações pessoais sejam transmissíveis, independentemente, de consentimento do interessado;

c) o nome é do indivíduo enquanto pessoa, logo, patrimônio dela como pessoa natural, integra os seus direitos de personalidade, assim sendo, não pode ser considerado item do agente público, mas da pessoa natural, não seria razoável que o Estado usurpe o nome das pessoas, mesmo sendo elas servidores;

d) confusão que muitos magistrados fazem em não analisar o fato da divulgação nominativa do servidor, apenas encaram a transparência de forma escancarada (divulgam nome, descontos pessoais implantados em contracheque, pensões, etc.).

Como visto, o problema levantado segue argumentação plausível para qualquer das decisões, como um típico, e polêmico, caso de conflito de direitos fundamentais. É evidente que a decisão do STF sobre o tema vincula todas as demais instâncias judiciárias, essas devendo respeito à decisão. Contudo, nada impede a manifestação contrária, até porque se assim não fosse, não existiria mudança de entendimento na Corte Constitucional.

Analisando o caso, parece que a decisão pela aceitação da divulgação nominativa dos agentes públicos realmente extravasa o razoável. A publicação dos gastos públicos, referente aos proventos dos servidores, cargos, empregos e funções públicas, através da divulgação ativa com individualização por matrícula, cumpre sua tarefa junto ao princípio da publicidade, sem expor a intimidade dos servidores. Agora, nada impede que, nos casos em que o legitimado peticionar informações públicas, por estar temeroso com os dados disponíveis nos portais de transparência, pode ele exercer a transparência passiva, ou seja, solicitar à Administração Pública documentos que corroborem com os dados ativamente divulgados.

Essa proposta parece o mecanismo mais equilibrado com a proteção dos dois direitos fundamentais no caso em conflito. Afinal, protege, em grande escala, o direito à inviolabilidade dos proventos das pessoas físicas incumbidas aos cargos públicos, “flexibilizando” esse direito somente em casos específicos, quando a tutela protetiva individual será violada a fim de concretizar um interesse público (controle social) que lhe é superior, nessa circunstância.

Visto a primeira matéria sobre os objetivos de serventia da LAI, descoberta através desta pesquisa, cabe esclarecer quais são as outras intenções apresentadas pelos legitimados ao fazerem uso desse instrumento legal.

[33]

Analisando o último gráfico da pesquisa, percebe-se que a maior utilidade empregada por meio da LAI foi a tentativa de inviabilizar a divulgação dos salários dos agentes públicos – questão já trabalhada –, referente a 34% das demandas, aproximadamente. Seguida pelo uso deste instrumento legislativo para estabelecer: controle social, com 32%; fiscalização exercida pelo Poder Legislativo, sendo que três casos foram fiscalizações sobre o próprio Legislativo, e oito casos sobre o Executivo, representando 15% das demandas; obtenção de informações de interesse particular, com 8%; uso para se manter o sigilo das informações, com 7%; pôr em prática os efeitos legais expedidos por algumas leis, com 3%; e, por fim, a utilização da LAI para viabilizar a divulgação dos salários dos servidores, com 1% das demandas.

Sobre o Poder Legislativo servir-se da LAI para executar uma de suas principais atribuições, a fiscalização, parece irremediável contribuição para consagração de vários princípios constitucionais. Tal atribuição encontra amparo constitucional no art. 31 da CF, que dispõe que “a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei”, e no art. 49, que consagra a competência fiscalizatória do Congresso Nacional, através do inciso X, em “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta”.

O controle externo executado pelo Poder Legislativo é, assim, meio legítimo para consagrar a transparência na ação e na gestão da coisa pública. Logo, o ato de fiscalizar a administração pública é um dever do Legislativo, mas, ao mesmo tempo, é um direito inerente a todos os cidadãos. Com isso, contribui para a diminuição da corrupção, para a estabilidade econômica, social e democrática, além de reforçar o anseio por uma sociedade civil mais participativa e disposta a exercer seus direitos e deveres para transformação da realidade social.

Logo, o preceito constitucional fiscalizador, aparente nessa pesquisa, é, também, nitidamente atrelado à segunda maior proporção de incidência da LAI: o controle social. O controle social exercido pela sociedade sobre o Estado serve para abrir discussão, reflexão, fiscalização e melhor aplicação da gestão dos recursos públicos, legitimando a atuação estatal. Além, também, de politizar as problemáticas que afetam a vida em sociedade. Válido, ainda, ressaltar que das vinte e quatro decisões referente ao tema, dezesseis foram realizadas por pessoas físicas (66,66%) e oito por pessoas jurídicas (33,33%).

Os demais objetivos de préstimo da LAI (obtenção de informações de interesse particular; uso como manutenção de sigilo; efetivação concreta de efeitos legais; e divulgação dos salários dos servidores) representam 19% de sua incidência, mas sem necessidade de se averiguar maiores esclarecimentos.

Feita a análise de todas as decisões impactantes à pesquisa, sabido quais são os instrumentos processuais utilizados, os autores e réus litigantes, detalhado quando envolvia pessoas físicas, revelando assim o perfil médio dessas pessoas e, por fim, quais seriam as principais controvérsias, relativas ao objetivo de uso da LAI, restam saber quais são os casos em que houve negativa de acesso à informação, aceitos pelo Judiciário.

4. Casos de Negativa de Acesso à Informação

De todos os critérios até aqui examinados sobre as demandas envolvendo diretamente a utilização da Lei de Acesso à Informação, o último ponto relevante a ser demonstrado é a incidência com que os Judiciários estaduais vêm admitindo, ou não, a exceção; em outras palavras, quando que os Tribunais estudados aceitam a recusa de transmitir informações públicas.

Setenta e quatro decisões foram exploradas com esse intuito, dessas, somente em oito demandas houve rejeições na transferência de dados. Em dados percentuais, aproximadamente, 11% do total das causas analisadas foram tidas como sigilosas.[34] Sobrevive, por assim dizer, a curiosidade em saber quais são as fundamentações inerentes de cada uma e se são suficientes para justificar tais medidas restritivas.

A primeira delas se trata de uma Apelação Cível de um Mandado de Segurança, do TJPR,[35] em que tem como autor pessoa física e réu o Prefeito municipal de Fazenda Rio Grande.

Alega o autor que: (a) é cidadão residente em Fazenda Rio Grande; (b) em virtude da imensa propaganda promovida pela administração municipal protocolou diversos requerimentos junto à Prefeitura objetivando o acesso a diversas informações; (c) nenhum requerimento foi respondido; (d) tem direito a tais certidões, conforme preconiza norma constitucional, lei orgânica do município e art. 6º da LAI.

O réu alegou, sucintamente, que: (a) as informações pretendidas encontram-se disponíveis no portal de transparência municipal.

Os magistrados, por unanimidade, julgaram incabível o recurso, tendo em vista que: (a) as informações solicitadas pelo impetrante estão à disposição dos interessados por meio eletrônico, sendo desnecessária a impressão de todo material requerido, situação que poderia acarretar em prejuízo ambiental e econômico para o erário público, mesmo sendo custeadas, tais fotocópias, pelo impetrante, pois se deve considerar o desgaste de servidores e de tempo para essa tarefa; (b) inexiste afronta à Lei n˚12.527/11, especificamente ao artigo 6º, que impõe o dever de o poder público informar ao requerente o lugar e forma de consulta para obtenção de informações arquivadas em meio eletrônico, na medida em que o impetrante é pessoa esclarecida, possuidora de destreza intelectual suficiente à realização das pesquisas em ambiente virtual; (c) por fim, o impetrante não faz prova inafastável de fato constitutivo de seu direito, não demonstrando a ineficiência ou impossibilidade do acesso à página eletrônica do município.

Vejam que as três fundamentações do juízo são insuficientes. E, para demonstrar isso, será utilizada outra decisão judicial, que, aliás, em parte, é semelhante à matéria ventilada, trabalhada nesta mesma pesquisa, inclusive, também proferida pelo TJPR. Contudo, os resultados são totalmente diversos.[36]

Logo de plano, já se nota a falta de uniformização das decisões do TJPR, até porque, os acórdãos são da mesma Câmara Cível (quinta). Isso nos remete a uma indesejável insegurança jurídica, em razão de decisões judiciais discordantes, sobre o mesmo fato, causarem imprevisibilidade e incerteza de aplicação do Direito. Isso aplicado às diversas relações sociais que dependem dessa ciência, tem resultado extremamente prejudicial à sociedade.

Nessa nova decisão, o magistrado contrapõe todos os argumentos da decisão que nega acesso, sendo eles agora demonstrados, inclusive na mesma ordem argumentativa: (a) há necessidade da negativa de informação sempre conter os motivos pelos quais não se deve ser concedida, seria ilegal simplesmente indicar o endereço eletrônico do Portal do Município, sem demonstrar os motivos que impedem a Administração de externar tais dados; (b) a simples indicação de um site, como se a consulta online fosse suficiente para consagrar plenamente o acesso à informação, transgride as ideias predominantes da LAI, pois o argumento de que a lei permite o agente público eximir-se da obrigação de fornecer o dado e, simplesmente, indicar o local para a sua obtenção (art. 6º da LAI), desrespeita o acesso a documentos públicos, entender o contrário, seria o mesmo que tornar a lei sem efeito, desconsiderando o grande avanço que significa a consolidação de uma Administração Pública democrática e transparente, cada vez mais afastada de ranços personalistas e autoritários; (c) o cidadão não precisa justificar motivos pelos quais requer determinada informação, não necessitando formar prova neste sentido.

A segunda decisão trabalhada, também, se trata de uma Apelação de Mandado de Segurança,[37] impetrada, igualmente, por pessoa física, contra a Prefeitura Municipal de Campo Limpo Paulista, porém, com fundamentação razoável para denegação do acesso à informação.

O autor solicitou, administrativamente, informações acerca de todos os agentes públicos do Município de Campo Limpo Paulista, efetivos ou não, terceirizados, prestadores de serviços, comissionados, temporários, estagiários, consultores ou quaisquer outros, constando nome completo, função para a qual foi contratado ou concursado, forma de contratação, local de exercício da função, salário, função gratificada e outros complementos salariais.

O pedido foi satisfatoriamente indeferido pelo magistrado, em virtude de sua generalidade, com base no inciso I, art. 13, do Decreto nº 7.724/12,[38] que regulamenta a Lei nº 12.527/11. Além disso, está ausente a qualificação do requerente, o que impossibilita a Administração Pública saber a quem deve prestar as informações pretendidas.[39]

A terceira e a quarta decisões dizem respeito a Embargos de Declaração,[40] interpostos pelo mesmo autor, pessoa física, contra o mesmo réu, Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, com as mesmas pretensões, julgadas, apenas, em momentos distintos.

A exigência do autor gira em torno da obtenção de acesso a informações relativas a processos administrativas que estão sendo executadas em auditorias, inspeções e tomadas de contas em pleno exercício de controle externo.

O magistrado, do caso, acertou ao indeferir o pedido, em razão do bom andamento das investigações, determinando que o interessado tenha acesso irrestrito aos dados, somente no momento em que o processo chegar a seu resultado final. Ressaltou, ainda, que o sigilo da investigação referida encontra previsão legal (sem mencionar qual seria a lei), não violando o texto constitucional, ou a LAI, que a respeito da matéria, traz restrição apenas em caráter temporário, assim como esboçado no caso em tela.

Conclui-se, a saber dessa decisão, que a fundamentação do magistrado está correta, pois, realmente, existe previsão legal sigilosa para esses casos, no art. 67, da Lei Complementar mineira nº 102.[41] Além disso, é bom lembrar que a LAI guarda autorização para outras hipóteses legais de sigilo, previstas em legislações esparsas.[42]

A quinta decisão tem como peça processual Embargos Infringentes,[43] cujo autor é o Estado de Minas Gerais, e o réu, um servidor público, tendo por resultado mais uma denegação de informação por motivos controversos.

A pretensão do autor seria de obter os contracheques dos últimos cinco anos, a fim de impetrar instrução de ação de repetição de indébito tributário. Ele alega que o Estado omitiu-se em lhe entregar a documentação, diante de seu pedido administrativo. Já o Estado sustenta que não houve requerimento administrativo válido, por parte do embargado, logo, não há a obrigação em disponibilizá-los.

O relator aceita a argumentação do Estado, mencionando que não há prévio requerimento administrativo, da parte do servidor. Fala que a modalidade postulatória administrativa, realizada com carta de aviso de recebimento, não garante o conteúdo do pedido, devendo ser inválida.

A revisora vota em sentido contrário. Argumenta que não há exigência legal quanto à formalidade do pedido administrativo. Na verdade, a LAI segue no sentido oposto, garantindo que todo cidadão tem o direito de obter informações públicas "por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida" (art. 10, caput).

Nessa perspectiva, a carta com aviso de recebimento revela-se meio adequado para comunicação oficial, mesmo sem declaração do conteúdo indicado, sendo presumível a boa-fé em reconhecer a validade do pedido administrativo, seguindo assim o mandamento legal.

Ainda traz a revisora que a LAI também obriga, na indisponibilidade de fornecimento imediato do pretendido, após postulado o pedido pelo particular, tem a Administração um prazo, não superior a 20 (vinte) dias, para indicar as razões da recusa, bem como elucidar o meio adequado de fornecimento dos dados solicitados (art. 11, §1º).

Assim, segundo a revisora, por hora com razão, a LAI garante ao interessado, de forma ampliada, solicitações através de qualquer meio legítimo, sendo o Estado de Minas Gerais omisso, devendo ser condenado. Contudo, somente o terceiro vogal seguiu a revisora, sendo os embargos acolhidos por três votos a dois.

Interessantíssima é a sexta decisão a ser analisada. Trata-se de um Mandado de Segurança coletivo preventivo,[44] com pedido de liminar, impetrado pela Associação dos Servidores do Ministério Público, contra ato do Procurador-Geral de Justiça, em razão da notícia sobre divulgação, a partir de 1º de junho de 2013, dos nomes e vencimentos dos Procuradores, Promotores de Justiça e dos servidores da instituição.

A matéria já até foi trabalhada, porém desperta relevância, tendo em vista que a decisão, por maioria dos votos, resolveu conceder a segurança, mesmo existindo jurisprudência firmada pelo STF no sentido contrário, sendo inclusive, a decisão do Supremo citada várias vezes no acórdão.

Não convém, novamente, analisar a argumentação favorável e contrária à temática. Importa, ao menos, saber como se encontra atualmente o caso. Até a consulta realizada em 08.02.16, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul tinha entrado com uma reclamação constitucional, com pedido de liminar, contra a decisão do Primeiro Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que foi distribuída à Ministra Rosa Weber.[45]

Em 11.12.13, houve a decisão monocrática da Ministra a respeito, no sentido de que ficou demonstrada a violação da decisão da Suprema Corte Constitucional brasileira, sendo aceitável a alegação de usurpação da competência do STF. Assim, a Ministra deferiu o pedido de medida liminar para suspender, até o final do julgamento da presente reclamação, a eficácia do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos do Mandado de Segurança nº 70054867064 (nº CNJ: 0211333-04.2013.8.21.7000). Ordenou, ainda, comunicação urgente, com cópia da decisão monocrática, ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Ainda sobreveio o Procurador-Geral da República, em 19.08.14, opinando pela procedência da reclamação. Os autos aguardam decisão final do julgamento.

Cabe, por fim, frisar, mesmo considerando o que já foi levantado sobre a polêmica da divulgação, ou não, dos salários dos servidores públicos, visto esse último incidente, que seu resultado exemplifica o tamanho da resistência de alguns magistrados em aplicar a jurisprudência consolidada no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Enfim, a sétima e a oitiva demandas analisadas trazem decisões sobre o mesmo fato, cujo autor é pessoa física e o réu é o Tribunal de Contas do Estado do Rio De Janeiro.[46]

A primeira delas (sétimo acórdão) trata-se de um Mandado de Segurança interposto devido à recusa de pedido de informações, formulado por impetrante que tinha interesse de acesso a informações funcionais de todos os servidores (efetivos, comissionados, ocupantes de funções gratificadas e terceirizados) que atuam no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, assim como seus nomes, datas de nomeação e lotação, detalhamento de cada parcela remuneratória, entre outros dados.

O magistrado recusa acesso, justificando que: (a) a Corte de Contas do RJ mantém página eletrônica na internet, em que no tópico “Transparência” disponibiliza informações referentes aos cargos integrantes de sua estrutura, índices remuneratórios e gratificações de seus servidores; (b) a publicidade exigida pela LAI representa regra geral, mas, não se trata de regra absoluta, sendo imprescindível sua interpretação dentro dos limites contidos no inciso X do artigo 5º da Constituição Federal; (c) o requerimento do autor não contribui para o incremento da transparência e do acesso à informação pública; e, por último, (d) o artigo 31 da LAI fundamenta tratamento de informações pessoais aplicado de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem, bem como às liberdades e garantias individuais.

A oitava decisão diz respeito a um Embargo de Declaração, justamente, sobre a rejeição desse Mandado de Segurança, que foi denegado por limitar-se a rediscutir a matéria e em mais nada interessa a ser trabalhado, a não ser por não observar a contradição do resultado do julgado com o anseio publicitário da LAI.

Assim, depreendem-se mais duas decisões restritivas de acesso aos dados públicos aplicadas de forma equivocada. O grande argumento do sigilo levantado pelo magistrado é o de que as exposições das informações poderiam resultar em danos aos aspectos da intimidade e da vida privada dos servidores. Destaca-se que a decisão é proveniente do Órgão Especial do TJRJ e foi decidida por unanimidade.

A fim de opor a argumentação posta pelo tribunal, passa-se a arrolar fundamentação contrária, inclusive na ordem, a cada elemento levantado na decisão:

(a) “Corte de Contas mantém página na internet para divulgação”, argumento já desprezado em outra decisão trabalhada, a obrigatoriedade de transparência ativa não desvincula a administração do seu dever de transparência passiva, ou seja, mesmo que as informações estejam divulgadas em sítios online, merece ser acolhido o pedido de informação semelhante, até mesmo para se abrir possibilidade de confronto entre o divulgado na rede e as documentações de origem desse fato;

(b) “flexibilização da LAI”, é certo que nenhum mandamento legal é dotado de efeitos absolutos, inclusive quando incidente em conflito de direitos fundamentais, contudo, não é esse o caso em tela, pois não há violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem dos servidores enquanto pessoas físicas, o real interesse do pedido são os dados pertinentes à estruturação administrativa do TCRJ, e não os dados pessoais;

(c) “relevância do requerimento para o incremento da transparência e do acesso à informação pública”, se a LAI sequer exige motivação para impetração de pedidos, não é cabível interpretação de que seja requisito do pedido qualquer necessidade de relevo fomentativo a transparência pública;

(d) “invocação do artigo 31 da LAI (fundamenta tratamento de informações pessoais)”, confusão, já demonstrada, na interpretação do magistrado, ao tratar o agente público de forma pessoalizada, ou seja, como pessoa física no exercício das prerrogativas dela inerente.

Talvez, a única fundamentação plausível de ser invocada para o caso concreto seria ventilar restrições tendo em vista o caráter genérico do pedido, pois foram solicitadas informações funcionais de “todos” os servidores. Contudo, não foi esse o caso.

Assim, analisaram-se todos os casos restritivos de acesso à informação, na intenção de demonstrar a ínfima quantidade que representam na pesquisa, bem como enfatizar alguns casos catalogados com fundamentação insuficiente para se estabelecer uma restrição tão gravosa à concretude constitucional da publicidade.

5. Considerações Finais

Ao se examinar todos os dados analisados na pesquisa jurisprudencial, que demostram o enredo pelo qual a LAI vem sendo empregada pelo Judiciário, em síntese, infere-se que:

(a) das ferramentas processuais possíveis, o Mandado de Segurança é o instrumento mais utilizado, tendo o direito reconhecido em 90% das pretensões em que foi empregado;

(b) o protagonismo frequente da LAI tem no mínimo dois lados, (b.1) no polo passivo, demonstrou-se como maior litigante o Executivo municipal, com cerca de 39% de todas as demandas da amostra, sendo esta quantia ainda maior se acrescida às demandas contra o Executivo estadual, totalizando 57% dos réus da pesquisa, o que demonstra um velho problema brasileiro de centralidade político-administrativa na União, em detrimento dos Estado e Municípios; já no (b.2) polo ativo, as pessoas físicas são os grandes interessados, com pelo menos duas situações curiosas, (b.2.1) cerca de 72% de todos os autores têm algum vínculo direto com o Poder Público, em suas mais variadas estruturas, parecendo que a motivação delas é mais política do que um interesse fiscalizatório, contrariando um possível cenário de consagração de cidadania ativa; e (b.2.2) a maior fatia de pessoas que figuram no polo ativo é formada por servidores públicos, 40%, interessados em um único objetivo;

(c) sobre os objetivos do uso da LAI têm-se ao menos três destaques, (c.1) fiscalização do Legislativo sobre o Executivo, revelando a utilização da LAI com grande mérito ao Poder Legislativo, na execução de uma de suas principais atribuições, a fiscalização, resultando numa enorme contribuição para consagração de vários princípios constitucionais; (c.2) controle social exercido pela sociedade sobre o Estado, também, demonstra relevante contribuição, pois amplifica o diálogo entre sociedade e administração, a racionalidade, a vigilância e a melhor gestão dos recursos públicos, legitimando cada vez mais a atuação estatal, que passa a ser capaz de filtrar melhor as multifacetadas necessidades sociais, e a (c.3) polêmica da divulgação, ou não, dos proventos dos agentes públicos que, mesmo com jurisprudência consolidada pelo STF, sofre grande resistência a ser aplicada nos tribunais inferiores, tendo por consequência a sensação de insegurança jurídica sobre a matéria;

(d) a pesquisa apresentou um índice baixíssimo de decisões judiciais que sustentam o sigilo, aproximadamente 11% das demandas, mesmo assim, dos oito casos analisados, que recusaram fornecer informações, em cinco deles, ou seja, cerca de 63%, foram diagnosticados com fundamentações insuficientes para adoção de tais medidas restritivas;

(e) alguns dos tribunais analisados ainda demostraram dificuldade em uniformizar suas decisões, expedindo, dentro de uma mesma câmara, decisões totalmente contraditórias sobre a mesma matéria.

6. Referências

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