Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
Desigualdade social e legitimidade democrática: uma leitura da emenda constitucional n.º 95 de 2016 a partir de Thomas Piketty e Jürgen Habermas
RAFAEL LAZZAROTTO SIMIONI; MÁRCIO CLÓVIS BOSIO GUIMARÃES Faculdade de Direito do Sul de Minas (Brasil)
RAFAEL LAZZAROTTO SIMIONI; MÁRCIO CLÓVIS BOSIO GUIMARÃES Faculdade de Direito do Sul de Minas (Brasil)
Desigualdade social e legitimidade democrática: uma leitura da emenda constitucional n.º 95 de 2016 a partir de Thomas Piketty e Jürgen Habermas
Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, vol. 6, núm. 2, 2019
Universidad Nacional del Litoral
resúmenes
secciones
referencias
imágenes
Carátula del artículo

Desigualdade social e legitimidade democrática: uma leitura da emenda constitucional n.º 95 de 2016 a partir de Thomas Piketty e Jürgen Habermas

Desigualdade social e legitimidade democrática: uma leitura da emenda constitucional n.º 95 de 2016 a partir de Thomas Piketty e Jürgen Habermas

RAFAEL LAZZAROTTO SIMIONI
Faculdade de Direito do Sul de Minas (Brasil), Brasil
MÁRCIO CLÓVIS BOSIO GUIMARÃES Faculdade de Direito do Sul de Minas (Brasil)
Faculdade de Direito do Sul de Minas (Brasil), Brasil
Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo
Universidad Nacional del Litoral, Argentina
ISSN-e: 2362-583X
Periodicidade: Semestral
vol. 6, núm. 2, 2019


Fecha:

Recibido el/Received: 02.08.2019 / August 2nd, 2019

Aprobado el/Approved: 21.11.2019 / November 21st, 2019

RESUMO:

O presente artigo objetiva analisar a Emenda Constitucional n.º 95 de 2016, relacionando-a o ao problema da desigualdade econômica existente no Brasil. Parte-se dos trabalhos efetuados Thomas Piketty, o qual verificou um padrão mundial de concentração de renda do trabalho e do capital nas mãos da camada mais abastada da população, característica esta que se faz presente no Brasil. Indaga-se (i)legitimidade democrática da mencionada emenda, com base na exposição de temas concernentes ao sistema financeiro e ao sistema de dívida pública brasileira. Por fim, efetua-se questionamento acerca do discurso oficial propagado pelo Governo Federal e pela grande mídia, no tocante à necessidade de aprovação da emenda e suas consequências, indagando-se a respeito da validade da teoria de democracia baseada na política deliberativa, elaborara por Jürgen Habermas, perante a realidade política e socioeconômica brasileira. Concluiu-se que a Emenda Constitucional n.º 95 de 2016 é nitidamente ilegítima do ponto de vista democrático, vez que durante o processo de discussão social e legislativa, não se constatou a introdução por parte do Governo e da grande mídia de temas relevantes, como a grande desigualdade social existente no país e o agravamento dela pela redução dos investimentos sociais; bem assim a característica cíclica do capitalismo relativamente a ocorrência de crises financeiras; a situação da dívida pública brasileira; e a atuação do Estado no Sistema Financeiro como grande captador de capital financeiro.

Palavras-chave:

Emenda Constitucional n.º 95 de 2016; desigualdade econômica; crise financeira; sistema financeiro; dívida pública.

ABSTRACT:

This article aims to analyze Constitutional Amendment No. 95 of 2016, relating it to the problem of economic inequality that exists in Brazil. Thomas Piketty's work is based on the results of a worldwide pattern of concentration of income from work and capital in the hands of the wealthiest strata of the population, a characteristic that is present in Brazil. We question (i) the democratic legitimacy of the aforementioned amendment, based on the exposition of themes concerning the financial system and the Brazilian public debt system. Finally, questions are raised about the official discourse propagated by the Federal Government and the mainstream media, with regard to the need for approval of the amendment and its consequences, inquiring about the validity of the theory of democracy based on deliberative politics, elaborated by Jürgen Habermas, before the Brazilian political and socioeconomic reality. It was concluded that Constitutional Amendment No. 95 of 2016 is clearly illegitimate from a democratic point of view, since during the process of social and legislative discussion, the introduction by the Government and the mainstream media of relevant issues was not verified, as the great social inequality existing in the country and the worsening of it due to the reduction of social investments; as well as the cyclical characteristic of capitalism in relation to the occurrence of financial crises; the situation of the Brazilian public debt; and the performance of the State in the Financial System as a major fundraiser of financial capital.

Keywords:

Constitutional Amendment No. 95 of 2016; economic inequality; financial crisis; financial system; public debt.

SUMARIO:

1. Introdução; 2. Desigualdade econômica: uma realidade no Brasil e no mundo; 3. Crise financeira: uma constante no sistema capitalista de produção; 4. Orçamento brasileiro e sistema da dívida pública; 5. A (i)legitimidade democrática da emenda constitucional n.º 95 de 201; 6. Conclusão; 7. Referências.

1. INTRODUÇÃO

A Emenda Constitucional n.º 95 de 2016, denominada “Novo Regime Fiscal”, igualmente conhecida como “Emenda do Teto dos Gastos”, promulgada pelo Congresso Nacional no dia 15 de dezembro de 2016, determinou o congelamento dos gastos públicos, inclusive relativos a investimentos em relevantes áreas sociais, pelo período de 20 anos, estipulando tão somente a correção dos valores pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O presente artigo objetiva analisar o referido ato constitucional, relacionando-o à questão da desigualdade econômica existente no Brasil. Visa igualmente perquirir sua (i)legitimidade democrática, com base na exposição de temas concernentes ao sistema financeiro e ao sistema de dívida pública brasileira. Por fim, efetua-se questionamento acerca do discurso oficial propagado pelo Governo Federal e pela grande mídia, no tocante à necessidade de aprovação da emenda e suas consequências.

Assim, parte-se dos trabalhos efetuados Thomas Piketty, o qual verificou um padrão mundial de concentração de renda do trabalho e do capital nas mãos da camada mais abastada da população. Na sequência, verifica-se que esta característica se faz presente no Brasil, o que é verificado por recente trabalho que a estudou a desigualdade financeira com base em dados tributários.

Na sequência, por meio da teoria marxiana, constata-se a existência de ciclos de acumulação do capital, de maneira que se conclui que crises financeiras são inevitáveis segundo o modo de produção e acumulação de riqueza capitalista. Neste contexto, o Estado passa a atuar no sistema de crédito de forma a equalizar os efeitos das crises, mediante atividades regulatórias e mesmo de captação de recursos financeiros, originando uma chamada “socialização” do ciclo deste capital.

No caso brasileiro, em que pese a afirmativa de necessidade de contenção dos gastos públicos, verificar-se-á que, no ano de 2018, mais de 40% do orçamento federal foi destinado ao pagamento de juros e amortização dos juros da dívida, destacando-se ainda o pagamento de rendimentos diários pelo Banco Central quanto as sobras de caixa das instituições financeiras, a pretexto de realização de política monetária.

Por fim, será questionada a legitimidade democrática da referida emenda constitucional, efetuando-se comentários a respeito teoria da democracia elaborada por Jürgen Habermas, segundo a qual que a força legitimadora do processo legislativo advém de um entendimento dos cidadãos quanto às regras de convivência social. Portanto será indagado se no procedimento de elaboração, discussão e aprovação da Emenda Constitucional n.º 95 de 2016 houve a institucionalização do direito de participação política e de manifestação vontade popular, de forma a averiguar a aplicabilidade da mencionada teoria à realidade brasileira.

2. DESIGUALDADE ECONÔMICA: UMA REALIDADE NO BRASIL E NO MUNDO

Thomas Piketty, ao tratar da desigualdade econômica, salienta que ela resulta da conjugação da desigualdade da renda do trabalho e da desigualdade da distribuição da renda do capital. Da conjugação nestes dois fatores, obtém-se a desigualdade total. Além disso, é fundamental para a análise da concentração de renda o estudo da relação destas dimensões, de forma a indagar se há correspondência entres as pessoas que auferem o maior rendimento com o trabalho e aquelas recebem maior percentagem dos rendimentos do capital.[1]

Interessante notar que a análise de dados coletados, independentemente da nação e do aspecto temporal, aponta que a desigualdade da distribuição do capital e de seus rendimentos é sempre superior à desigualdade verifica na distribuição da renda do trabalho. Por exemplo, na Europa ocidental (excluindo-se os países escandinavos), segundo informações relativas ao ano de 2010, constata-se que os 10 % dos mais ricos detêm 25% dos ganhos provenientes do trabalho. Por sua vez, 1% dos mais abastados concentraram 7 % destes rendimentos.

Em se tratando da desigualdade da propriedade do capital e de seus rendimentos, estes 10% mais ricos acumularam 50% das rendas. Já o centésimo superior (o 1% mais rico), obteve 20 % das rendas do capital.[2] Em termos totais, contatou-se que o décimo e o centésimo superiores auferiram respectivamente 35 % e 10 % da riqueza produzida.

Para os estudos mencionados, o economista em questão utilizou-se de informações fiscais constantes em declarações de renda de pessoas físicas. Já no Brasil há certa dificuldade na obtenção de dados tributários, de forma que a maioria dos estudos baseia-se nos dados compilados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e o Censo Demográfico, todas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Entrementes é sabido que as pesquisas de distribuição de renda desta natureza tendem a subestimar o os rendimentos dos mais ricos, e isso ocorre em razão seja do desconhecimento extado da renda por parte do entrevistado, seja devido a limitações inerentes ao trabalho por amostragem. Deste sentido, ganha revelo a utilização de dados tributários para as análises em questão.[3]

Pesquisa científica realizada por Marcelo Medeiros, Pedro Herculano Guimarães Ferreira de Souza e Fábio Avila de Castro com base em dados constantes nas declarações de ajuste anual do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF), concernentes aos anos de 2006 a 2012 revelou uma dissonância entre as pesquisas quanto à porcentagem da renda nacional auferida.

Com base em dados do PNAD e do POF, no período em questão, a renda concentrada por 1% da população mais rica variou entre 14% e 16% do total. Conforme dados do Censo de 2010, o centésimo superior obteve ganhos correspondentes a 19% da riqueza produzida no país. Já os dados tributários concernentes ao período estudado revelam a concentração de 25% da riqueza mas mãos de tal parcela da população.[4]

Por sua vez, o banco de dados denominado “World Inequality Database”, revelou que o seguinte quadro de acumulação de rendas no Brasil no período compreendido entre 2001 e 2015:

Destarte, tanto a pesquisa científica efetuada por Marcelo Medeiros, Pedro Herculano Guimarães Ferreira de Souza e Fábio Avila de Castro, como a análise dos dados fornecidos pelo “World Inequality Database”, revelam que no período compreendido entre 2006 a 2010 não houve redução significativa da percentagem de renda auferida por aqueles que se encontram no topo da pirâmide. No entanto, isso não exclui a possibilidade de que haja ocorrido melhoria das condições sociais e da renda dos que se acham na base da pirâmide.

Ao referir à política econômica empreendida durante o segundo mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Laura Carvalho assevera que um dos pilares do chamado “Milagrinho Brasileiro” consistiu na distribuição de renda. Neste ponto merece destaque o Programa Bolsa Família, o qual em 2010 atendia a 12,8 milhões de pessoas e, embora fosse responsável por 1,28 % da renda das famílias brasileiras, teve impactos significativos na redução da pobreza.

Outrossim houve valorização real do salário mínimo, o que gerou aumento dos rendimentos das pessoas constantes na base da pirâmide, tendo em vista o grande número de assalariados e beneficiários da previdência social com rendimentos iguais ou próximos deste piso mínimo.[5]

Não obstante, a melhoria da situação econômica e social das classes situadas na base da pirâmide, as referidas pesquisas com base em dados tributários indicam que os mais ricos não experimentaram reduções significativas no percentual de rendas auferidas, o que indica que a camada da população situada entre os 10% mais ricos é “resistente” à redução da desigualdade.

Retornando aos estudos efetuados por Piketty, pode-se dizer que recorte de 10 % por cento da população, considerado como um todo homogêneo, é insuficiente para um estudo mais detido do fenômeno de concentração de renda. O referido pesquisador ao analisar de forma mais detalhada este grupo, denominado de “décimo superior”, constou que na França, no período compreendido entre 1932 a 2005, há uma participação decrescente da renda do trabalho em relação à renda do capital, de forma que ele vai progressivamente diminuindo até se aproximar do grupo de 1% das pessoas mais ricas (“centésimo superior”), quando então passa a preponderar a renda do capital puro (dividendos, juros e aluguéis).

Enfim, neste grupo a renda advinda do trabalho acaba por ter um caráter completar, ao passo que os ganhos do capital são alçados à condição de principal componente dos rendimentos, quando não exclusivo. Ademais, desde a década de 1980 verificou no panorama mundial um crescimento mais elevado do capital do que das rendas, o que evidentemente conduz ao incremento da desigualdade, vez que a parcela mais rica da população detém percentagem maior do capital.[6]

Portanto, é nesse panorama de elevada desigualdade e de enorme concentração de renda e capital nas camadas superiores da hierarquia econômica que surgem pautas neoliberais, que apregoam a ineficiência estatal e propugnam a austeridade fiscal. Fruto disso, foi promulgação da Emenda Constitucional n.º 95/2016, denominada “Novo Regime Fiscal”, igualmente conhecida como “Emenda do Teto dos Gastos”, a qual congelou pelo período de 20 anos os gastos públicos nos níveis atuais, inclusive os investimentos sociais, corrigindo-os somente pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Tal ato normativo desconsiderou as projeções de crescimento da população brasileira atingirá 223,2 milhões de indivíduos, com significativo aumento da proporção de pessoas idosas (IBGE, 2019). Destarte, é evidente que a qualidade dos serviços sociais prestados pelo Estado será deteriorado. E, em uma organização política configurada sob a forma de Estado Social, as prestações de serviços como saúde, educação, previdência e assistência social apresentam o escopo de redução das desigualdades.[7]

O incremento da desigualdade não ocorrerá somente pela precarização dos serviços sociais; dar-se-á também pelo aumento dos ganhos dos mais ricos. Consoante se mencionou, a concentração das rendas do capital ocorre de maneira mais evidente a partir do décimo superior. A medida que se avança na hierarquia de renda ocorre uma participação decrescente da renda do trabalho em relação à renda do capital, de forma que a primeira vai progressivamente diminuindo ao se aproximar do centésimo superior (grupo de 1% das pessoas mais ricas), situação em que os ganhos do capital geralmente preponderam e constituem a principal fonte de renda, quando não exclusiva. Institui-se, dessa forma, um regime de austeridade fiscal evidentemente destinado ao pagamento de amortizações e juros da dívida pública. E se juros são ganhos de capital, é inevitável que esse regime fiscal conduzirá a uma maior concentração de renda do topo da pirâmide.

Para a melhor compreensão da ausência de coesão e a notaria ilegitimidade do “Novo Regime Fiscal, necessário analisar as contradições existentes no sistema financeiro segundo a doutrina marxiana, tema que será abordamos no próximo tópico.

3. CRISE FINANCEIRA: UMA CONSTANTE NO SISTEMA CAPITALISTA DE PRODUÇÃO

David Harvey define o capital financeiro como uma espécie de processo de circulação de capital baseado no sistema de crédito. Constitui igualmente um bloco de poder, caracterizado por contradições internas; “forças contrárias que simultaneamente criam e corroem a formação de blocos de poder no interior da burguesia”[8].

Por sua vez, o sistema de crédito apresenta um escopo de coordenar a circulação do capital. Destarte, por exemplo, reposiciona o capital monetário entre os diversos setores, atividades, empresas, regiões e países. Ademais, favorece a equalização de taxas de lucro e ajuda coordenar os capitais fixo e circulante.[9]

Marx avessara que o capital, enquanto destinado à circulação perante o sistema de crédito, passa ser o capital para “toda a classe dos capitalistas industriais e comerciais”, sendo um instrumento para aprimorar a acumulação de capital.[10] Portanto, o capital monetário, desde que gerenciado e organizado, pode ser usado para a imposição da classe capitalista coletivamente considerada em relação ao capitalista individual. Este naturalmente apresenta a propensão a maximizar seus lucros, mediante a adoção de técnicas e decisões que poderão não favorecer a uma acumulação mais equilibrada. Destarte, o sistema de crédito acabado por controlar comportamentos equivocados dos capitalistas individuais em prol desta classe coletivamente considerada. Interessante notar que a ascendência do capital financeiro, fundamental para a perpetuação do sistema de produção capitalista, exige a intervenção estatal.[11]

Assim o sistema de crédito apresenta fundamental importância no capitalismo, regulando a acumulação de riquezas em prol de uma classe coletiva de capitalistas, de maneira a evitar o colapso do sistema. Na realidade atua minorando as inevitáveis crises do processo de acumulação do mais-valor.

Segundo David Harvey, pode se extrair das obras de Marx que o processo de acumulação de riqueza é cíclico, característica que é fruto das contradições internas deste processo geradas pela acumulação em si, pelo excedente de mão-de-obra e pelas taxas salariais. Este ciclo de acumulação apresenta as seguintes fases: a) Estagnação: estágio inicial, verificado após o “crash”. É caracterizado por uma grande redução da produção e do lucro. Há queda de preços, com excedentes com valor de mercado inferior ao custo de produção. Como consequência se constata a proliferação do desemprego, a queda no valor dos salários e menos uma diminuição do lucro dos capitalistas.

Nesta etapa há um descredito no sistema financeiro e redução da demanda por capital financeiro ante as péssimas expectativas no futuro. E o dinheiro é utilizado para “medir valores” e remover o chamado capital fictício não relevante na economia. b) Recuperação: A redução dos salários e da taxa de juros ocorrida durante a estagnação acaba paulatinamente a favorecer o aumento dos lucros, compensando até mesmo a queda dos preços das mercadorias. Há inclusive uma redução dos custos do capital fixo (máquinas por exemplo) e sua própria composição torna-se mais fácil em razão da redução das taxas de juros (ocasionada pela queda da demanda por capital na fase anterior) e da queda do valor da mão-de-obra (originada pelo excedente).

Esta etapa é marcada por forte liquidez, vez que os preços baixos das mercadorias favorecem suas vendas, de maneira que o capitalista industrial acaba por necessitando de menos empréstimos. Acontece, assim, uma expansão da acumulação e um aumento do capital fictício, o qual ainda não é ameaça à base monetária. c) Expansão baseada no crédito: Após a recuperação da fé no sistema, constata-se uma expansão dos salários e do lucro da burguesia, de forma a indicar uma expectativa de aumento da demanda por bens de consumo. Esse aumento de circulação de riqueza leva a expectativas otimistas na economia como um todo. Em razão da melhora das expectativas, as reservas dos industriários para investimentos chegam ao limite, de forma gerar a busca de capital com os financistas.

Assim, a demanda por crédito leva à expansão do capital monetário, de maneira que o capital fictício se põe à frente da acumulação real. Com a fortalecimento do sistema financeiro, os lucros dos industriários são equalizados, pela tendência de alta de juros devido à demanda por financiamentos. Os salários tendem a ter uma valorização proporcional maior do que a observada pelo trabalho.

Há, portanto, uma luta dos capitalistas industriais pelo mais-valor relativo em tempos de escassez de mão-de-obra. Por derradeiro a demanda elevada por capital financeiro coloca a indústria à mercê do capital monetário, de tal forma que o lucro dela passa a ser uma forma de atrair investimentos, representados pela emissão de títulos como ações e de dívidas. d) Febre especulativa: A expansão ocasionada acaba por gerar aumento dos preços, de forma que o capital circulante chega a superior ao trabalho social.

No entanto, os salários continuam a subir, bem como a taxa de juros, de forma que o lucro dos industriais resta “esmagado”. Destarte estes procuram solução para o problema e são auxiliados pelos financistas com o fornecimento com capital de caráter fictício. E este capital, ávido por mais lucro, acaba por se aventurar a empreendimentos de risco e “burla”.

Dessa maneia, origina-se a “febre especulativa”, caracterizada pela desproporção entre os diversos setores da economia, entre a produção e distribuição de bens, e principalmente em relação à grande diferença de capital fictício e o real valor dos produtos. e) “Crash”: Por fim o abalo o abalo nas formas de capital fictício geral uma crise, havendo o retorno à base monetária com a consequente demanda por liquidez.

Ocorre que a escassez por dinheiro gerada pela exigência por liquides leva as taxas de juros a altíssimos índices. A cadeia de pagamentos acaba por romper em algum ponto, ocasionando milhares de fragmentações. E isso acaba por resultar na interrupção da circulação de mercadorias, o que gerará estagnação, com desemprego avassalador e grande queda das taxas salarias.[12]

Ponto interessante para o presente estudo é notar a participação ativa do Estado na circulação do capital financeiro. Principalmente a partir do século XVIII, Estados engajados no comércio capitalista passaram a adotar estratégias de desvalorização ou reavaliação de suas moedas com a finalidade de obterem vantagens comerciais e políticas.

Destarte advieram doutrinas mercantilistas que resultaram na criação de um sistema de crédito e de criação de formas fictícias de capital. Portanto, por meio dos bancos centrais, o Estado passou a atuar relativamente ao capital financeiro, criando estruturas legais e institucionais de circulação do capital que rende juros. Além disso o próprio Estado passou a absorver parte que capital financeiro, mediante a criação de capital fictício, representado por títulos da dívida pública.

Assim, esta parcela do aparato estatal acaba captado pelo capital financeiro, sendo destituído de autonomia em relação ao capital, gerando uma verdadeira unidade entre este aparato e capitalistas industriais e financeiros.[13] Deste diapasão, Marx salienta que o sistema de crédito passa a demandar uma intervenção do Estado, de maneira que simultaneamente “socializa” o capital e exerce o controle do trabalho social, sendo possível falar de uma socialização do capital.[14]

Assim, evidencia-se que o sistema capitalista de produção opera por meio de ciclos de acumulação de riqueza, de maneira que as contradições observadas no cerne desta dinâmica são inerentes a este modo de organização econômica. Dessa forma, pode-se afirmar que a ocorrência de crises econômicas é fenômeno constante e inevitável.

No entanto, objetivando evitar o colapso do sistema, o Estado se lança como agente do sistema financeiro, efetuando regulamentações, atuando ativamente no controle monetário e absorvendo grande parte do capital financeiro mediante a emissão de títulos da dívida público. Portanto, o Estado se coloca como um equalizador, visando minorar os efeitos das crises existentes nos ciclos de acumulação do capital, acabando, em última análise, por possibilitar a perpetuação do sistema capitalista de produção.

A caraterística cíclica do sistema capitalista de produção e a atuação do Estado como agente financeiro, seja regulando o sistema de crédito, seja captando capital financeiro, são temas fundamentais para se perquirir (i) legitimidade da Emenda Constitucional n.º 95 de 2016. Necessário, portanto, verificar se tais realidades foram referidas no debate acerca da necessidade de limitar investimentos sociais perante a crise econômica observada no país. No decorrer do presente artigo exposta a ideia de democracia deliberativa defendida por Jürgen Habermas, procedendo-se a uma crítica desse modelo perante a realidade, especialmente quanto ao discurso utilizado pelo governo e pela grande mídia relativamente à Proposta de Emenda Constitucional n.º 247 de 2016, que originou o supra mencionado ato constitucional.

4. ORÇAMENTO BRASILEIRO E SISTEMA DA DÍVIDA PÚBLICA

Em que pese a afirmativa do governo quanto à necessidade de contenção de despesas públicas, pouco se debateu a respeito do destino dos recursos do orçamento brasileiro e do funcionamento, mesmo que superficial, do sistema de dívida pública.

Dados obtidos pelo movimento “Auditoria Cidadã da Dívida” por meio do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) revelam que, no ano de 2018, 40,66 % do orçamento público federal – R$ 1,065 trilhão - foi destinado efetivamente ao pagamento de juros e amortização da dívida, consoante gráfico que é reproduzido abaixo:

O levantamento mencionado, por outro lado indica que somente 4,09 % foi aplicado na área da saúde e 3,62 % em educação, o que indica que o investimento em áreas sociais na realidade não constitui a prioridade do Estado Brasileiro.

Segundo Maria Lucia Fattorelli a dívida pública é gerada e aumentada principalmente por : a) dívidas sem contraprestação oferecida ao Estado, como, por exemplo, passivos de bancos, prejuízos do Banco Central, prejuízos com a variação dólar e custo da remuneração da sobra da caixa das instituições financeiras; b) aplicação na dívida de juros abusivos, juros sobre juros, atualização monetária automática, contabilização de juros como se fossem amortização, resgates antecipados com o pagamento de ágio e pagamento de comissões e encargos; c) refinanciamento de dívidas com o setor privado, inclusive suspeitas de prescrição; e d) programas de salvamento de instituições financeiras, como o PROER e PROES ; e d) realização de sofisticadas operações de securitização de créditos, que geram dívida pública de maneira disfarçada e são pagas diretamente pelos contribuintes, sendo desfiadas pela rede bancária de modo que sequer chegam ao orçamento público.[15]

A situação orçamentária do Brasil verificada em 2018 é resultado da acumulação de déficits nominais resultantes da política monetária realizada pelo Banco Central, a qual inclui a prática das chamadas “Operações Compromissárias”, que são destinadas à sobra de caixa das instituições financeiras e os contratos de “swap” cambial. Sob o argumento de controle da inflação o Banco Central desenvolve uma política monetária baseada na estipulação de altas taxas de juros e na redução da base monetária (redução da quantidade de dinheiro em circulação).

Esta redução da base monetária é operada mediante a entrega das sobras de caixa pelas instituições financeiras ao Banco Central, o qual por sua vez remunera essas instituições com juros diários. Estas “Operações Compromissárias” relacionadas às sobras de caixa custaram, no período compreendido entre 2014 a 2017, 449 bilhões de reais. Destaca-se a ausência de amparo legal destas operações, vez que não autorizadas por lei ordinária, tanto é que foi proposto o Projeto de Lei n.º 9.428/2017, objetivando regulamentar esta prática.[16]

Ademais, ocorre no âmbito da arrecadação de tributos o ilegal sistema de “Secularização de Créditos”, por meio do qual os valores pagos pelos contribuintes são absorvidos pelas instituições financeiras a título de cessão fiduciária de crédito. Dessa forma, somente parte dos valores arrecadados chegam de fato aos cofres públicos, ocorrendo qual ao restante um empréstimo ilegal, que não é contabilizado como dívida pública.

Portanto, resta evidente que a prioridade do Estado Brasileiro é o pagamento dos juros e amortizações da dívida que, no ano de 2018, corresponderam, 40,66 % do orçamento público federal. Ao passo que o investimento em áreas sociais extremamente relevantes como saúde e educação atingiram respectivamente 4,09 % e 3,62 %.

Ademais, alguns mecanismos de criação e amortização da dívida e o pagamento de seus juros não apresentam legalidade ou transparência. Prova disso não as operações de “Secularização de Créditos” e as “Operações Compromissárias” derivadas da remuneração da sobra de caixa das instituições financeiras.

A obscuridade e a ilicitude dessas práticas financeiras contrastam com o discurso oficial de necessidade de redução de gastos públicos, o que leva a crer que a chamada “austeridade fiscal” destina-se somente os direitos sociais básicos do cidadão, ao alcançando os lucros do capital financeiro, situação que coloca em cheque a legitimidade democrática da Emenda Constitucional n.º 95 de 2016.

5. A (I)LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 95 DE 201

Jürgen Habermas, em sua obra “Direito e Democracia: entre facticidade e validade” identifica a existência de tensões facticidade e validade e entre a positividade do direito e a legitimidade pretendida pelo ordenamento jurídico, as quais não podem ser ignoradas. No tocante à legitimidade, assevera que o processo legislativo democrático necessita confrontar-se com as expectativas normativas da comunidade, de modo que a força legitimadora deste processo advém de um entendimento dos cidadãos quanto às regras de convivência social. E este entendimento é alcançado por meio do agir comunicativo.[17]

Neste diapasão, Habermas elabora uma teoria da democracia baseada na política deliberativa, a qual apresenta como sustentáculos a autonomia pública da teoria política republicana (representada pela vontade geral/soberania popular) e a ideia de autonomia privada da teoria política liberal (interesses particulares/liberdades individuais), podendo ser compreendida como um meio-termo aos modelos republicano e liberal.

O autor em questão concebe o termo "deliberação" como uma categoria normativa que advém de uma concepção procedimental da legitimidade democrática. Assenta-se, assim, em exigências normativas da ampliação da participação dos cidadãos nos processos de deliberação e decisão política, mediante os discursos.[18]

A teoria da ação comunicativa, utilizada na ideia de democracia deliberativa, pressupõe a interação de sujeitos, capazes de falar e agir, que desenvolvem relações interpessoais com o escopo de alcançar uma compreensão a respeito de uma situação e sobre os planos de ação a serem desenvolvidos para coordenarem suas práticas por meio do entendimento.

Ocorrem deste procedimento remissões a pretensões de validade passíveis de críticas quanto a sua veracidade, correção normativa e autenticidade. Cada uma destas pretensões diz respeito a distintos mundos objetivos dos fatos, mundos sociais das normas e mundos das experiências subjetivas.

O entendimento decorrerá da definição do contexto em que estes procedimentos se manifestam. É neste ponto que Habermas menciona o conceito de mundo da vida, o qual pode é dividido em elementos estruturais: cultura, sociedade e pessoa. Destarte, existe uma correlação direta entre a ação comunicativa e mundo da vida, já que cabe àquela a reprodução das estruturas simbólicas culturais, sociais e subjetivas.

Dessa forma, por meio do entendimento mútuo, a ação comunicativa possibilita a transmissão e a renovação o saber cultural; propicia a integração social por meio da coordenação de ações; e, por fim leva à formação da personalidade individual.[19]

Portanto, o processo de criação legítima do direito do direito é obtido por meio deste agir comunicativo, que opera mediante a institucionalização do direito de participação política e da vontade popular, de forma resultar na elaboração de atos normativos no parlamento.

Neste o contexto, o discurso apresenta os sentidos “cognitivo” e “prático”. O primeiro tem a função de filtrar temas, contribuições e argumentos, de forma a selecionar aqueles que apresentam uma aceitabilidade racional. Já o segundo, diz respeito à produção de relações de entendimento, as quais deverão ser “isentas de violência”.[20]

Entrementes a teoria do discurso sofre críticas de posicionamentos substancialistas, as quais são bastante relevantes no contesto brasileiro, marcado por violência social e institucional, desigualdades socioeconômicas e elevado índice de pobreza.

Neste sentido, Bourdieu assevera que, nas sociedades marcadas por desapossamento de bens materiais e conhecimento cultural por parte da maioria da população, há a concentração de poder político, o que ele denomina de capital político, nas mãos de um pequeno grupo, o qual passa a exercer o monopólio desse capital político.[21] Destarte, há a criação do chamado “profissional político”; pela ausência do capital cultural o cidadão se vê obrigado a outorgar poderes de representação a tais profissionais, que segundo este mecanismo estariam mais preparados para a elaboração de pautas políticas.

O cerne desse processo ocorre nos partidos políticos, concebidos como estruturas compostas por eleitores e militantes orientados por um programa; porém dirigidos por grupos sociais dominantes que procuraram se perpetuar nesta posição. Além da própria permanência no campo hegemônico, esta classe dominante, por meio do monopólio de produção e imposição dos interesses políticos, impõe seus interesses como se fossem os interesses dos representados (BOURDIEU, 1998, p. 164/173).

Embora destinada à teoria das decisões judiciais, é interessante anotar as críticas efetuadas por Lênio Luiz Streck quanto ao modelo proposto por Habermas. A teoria discursiva do Direito (cuja formulação de certo modo é transposta para a teoria da democracia) apresenta um caráter procedimental, de modo a quais sejam os procedimentos a serem operados para a fundamentação do agir.

Segundo Streck a teoria em análise não leva em consideração a crise de legitimidade verificada na eleição dos representantes do povo, o que coloca em cheque a legitimidade democrática dos fundamentos da teoria procedimental habermasiana. Portanto, Streck afirma que a realidade brasileira não comporta a aplicação da teoria procedimentalista habermasiana em razão da grande desigualdade política e econômica existentes.[22]

A ausência de representação política adequada, bem assim a manipulação dos discursos oficiais e da grande mídia foram as notas características do debate social e legislativo que conduziu à aprovação da Emenda Constitucional n.º 95 de 2016. Verifica-se que a sociedade não foi informada acerca das consequências do ato aprovado perante a realidade brasileira, caracterizada por imensa acumulação de rende, especialmente a proveniente do capital. Não se exposto a tendência natural do sistema capitalista de produção de repetir padrões cíclicos de crise.

Igualmente não se informou a população de que mais de 40 % do orçamento federal é destinado ao pagamento dos juros da dívida e amortizações; dívida esta que nunca fora submetida a auditoria para verificar sua verdadeira extensão.

Em pesquisa reveladora, Ana Cláudia Soares de Paiva analisou, no mês de outubro de 2016, 45 títulos do jornal Folha de São Paulo a respeito da então Proposta de Emenda Constitucional n.º 241 de 2016 e identificou atuação social deste meio de comunicação com o intuito de consolidar perspectivas ideológicas e determinar posturas sociais frente ao tema.

Destes 45 títulos, 6 foram explorados no artigo resultante da pesquisa, dentre os quais destacam-se os seguintes: a) “Relatório final da PEC do teto permite R$ 9 bilhões a mais em gasto com saúde”: No senso contrário ao lógico, procurou-se incutir no leitor que o congelamento dos investimentos sociais, inclusive na saúde, geraria mais investimentos públicos para a área em questão; b) “Meireles indica aumento de impostos caso PEC do teto não seja aprovada”: O jornal reproduziu o discurso do Ministro na Fazendo, o qual evidentemente procurou angariar apoio social para a aprovação PEC, mediante a propagação da afirma da temida necessidade de aumento de impostos.

Nota-se na fala um tom de ameaça traduzido pela oração condicional; c) “Não há nenhuma perseguição aos mais pobres, diz Temer sobre ajuste fiscal”: Na oração buscar-se afirmar que a intenção do governo não é prejudicar os mais podres. O objetivo foi amenizar as críticas lançadas à PEC por outros veículos de comunicação. No entanto, não explica o impacto que a reduções de investimentos sociais ocasionará nas camadas mais necessitadas da população; d) “Chiadeira contra teto não virá dá educação e saúde, afirma especialista”. Neste título ignorou-se que os estabelecimentos de ensino consistiram nos espaços de resistência à proposta de emenda constitucional. Ademais, veicula a falsa premissa de que as limitações de gastos incidiram nas relevantes áreas da saúde e educação.[23]

Portanto, em que pese a relevância do pensamento político de Jürgen Habermas, sua teoria não possui aplicação no contexto brasileiro, o qual é marcado por grande concentração de renda, desigualdades sociais e monopólio dos meios de comunicação por interesses dominantes. Tal situação restou verificada durante o processo de discussão social e legislativa da Proposta de Emenda Constitucional n.º 241 de 2016, que resultou na aprovação da Emenda Constitucional n.º 95 de 2016. No discurso veiculado pelo Governo e pela grande mídia não se constatou o debate de temas relevantes como a grande desigualdade econômica existente no país; a característica cíclica do capitalismo relativamente a ocorrência de crises financeiras; a situação da dívida pública brasileira; e a atuação do Estado no Sistema Financeiro como grande captador de capital financeiro, inclusive os derivados das sobras de caixa das instituições financeiras.

6. CONCLUSÃO

A Emenda Constitucional n.º 95 de 2016, denominada “Novo Regime Fiscal”, igualmente conhecida como “Emenda do Teto dos Gastos”, determinou o congelamento dos gastos públicos, inclusive dos investimentos em relevantes áreas sociais, pelo período de 20 anos, estipulando tão somente a correção dos valores pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Evidenciou-se que as normas aprovadas ocasionarão uma perpetuação e incremento da desigualmente econômica e social no país. Estudos com base em dados tributários demonstram realizados que no ano de 2010 cerca de 25% da riqueza nacional foi concentra por apenas 1% da população (centésimo superior). Ademais, levantamentos efetuados na série histórica de 2006 a 2010 revelam que não ocorreram alterações significativas na percentagem de renda auferida pelas parcelas mais ricas da população. Assim, a redução de investimentos públicos em áreas de relevância social agravará a situação de desigualdade, mormente em razão da emenda em questão haver desconsiderado as projeções de crescimento da população brasileira durante o período de 20 anos.

Outrossim, constatou-se que dados obtidos pelo movimento “Auditoria Cidadã da Dívida” por meio do SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) revelaram que 40,66 % do orçamento público federal de 2018 foi destinado efetivamente ao pagamento de juros e amortização da dívida. Parte destes valores foram destinados a entidades do sistema financeiro mediante por meio de “Operações Compromissárias” destinadas a remunerar diariamente os bancos quanto as sobras de caixa existentes.

Ademais, verificou-se a adoção da prática de “Secularização de Créditos”, por meio do qual os valores pagos pelos contribuintes são absorvidos pelas instituições financeiras a título de cessão fiduciária de crédito, de maneira que grande parte dos valores recolhidos pelos contribuintes passam a circular pelo mercado financeiro, não alcançando os cofres públicos.

Portanto, perante a redução dos investimentos sociais em áreas fundamentais e a manutenção de um sistema financeiro que privilegia o pagamento juros às camadas mais abastadas da população, é inevitável que a Emenda Constitucional n.º 95 de 2016 irá ocasionar a perpetuação e o aumento da desigualdade econômica e social.

De destacar ainda que a referida Emenda Constitucional é nitidamente ilegítima do ponto de vista democrático. Durante o processo de discussão social e legislativo da Proposta de Emenda Constitucional n.º 241 de 2016, que resultou na sua aprovação, não se constatou por parte do Governo e da grande mídia o debate de temas relevantes como a grande desigualdade social existente no país e o agravamento dela pela redução dos investimentos sociais; a característica cíclica do capitalismo relativamente a ocorrência de crises financeiras; a situação da dívida pública brasileira; e a atuação do Estado no Sistema Financeiro como grande captador de capital financeiro.

Neste sentido, no caso do Brasil, um país marcado pela grande desigualdade econômica, social e cultural, bem como pela concentração do poder político nas mãos de uma pequena parcela da população, não aplica a teoria da democracia de Habermas. No caso da Proposta de Emenda Constitucional n.º 241 de 2016 não houve espaço para a atuação de um livre agir comunicativo; não se deu a institucionalização do direito de participação política e da vontade popular, vez que a sociedade não fora informada de aspectos relevantes do funcionamento do sistema financeiro e da dívida pública, nem das consequências da emenda no que diz respeito aos direitos fundamentais sociais.

7. REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrant Brasil, 1998.

BRASIL. IBGE. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/>. Acesso em: 19/09/2018.

CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.

HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Landy, 2004.

HARVEY, David. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

LUBENOW, Jorge Adriano. Esfera pública e democracia deliberativa em Habermas: modelo teórico e discursos críticos. Kriterion, Belo Horizonte, v. 51, n. 121, p. 227-258, jun. 2010. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2010000100012&lng=en&nrm=iso > Acesso em: 24/02/2019.

MARX, Karl. O capital: crítica a economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1986.

MEDEIROS, Marcelo; SOUZA, Pedro H. G. Ferreira de; CASTRO, Fábio Ávila de. O topo da distribuição de renda no Brasil: Primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares (2006-2012). Dados: Rio de Janeiro, vol. 58, n.1, pp. 7-36, 2015.

MORENO, Fernando Díez. El estado social. Madrid: Cuadernos y debates, 2004.

PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

PAIVA. Ana Cláudia Soares de. O controle opinativo da mídia jornalística tradicional dentro do caos de um governo golpista. Campina Grande: Editora Realize, 2017. Disponível em http://www.editorarealize.com.br/revistas/sinalge/trabalhos/TRABALHO_EV066_MD1_SA6_ID923_18022017142056.pdf> Acesso em: 24/02/2019.

PINTO, José Marcelino de Rezende. A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas: conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar. Paidéia (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, n. 8-9, p. 77-96, Aug. 1995. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X1995000100007&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 24/02/2019.

SOUZA, Jessé; VALIM, Rafael; et al. Resgatar o Brasil. São Paulo: Contracorrente/Boitempo, 2018.

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva, 2011.

WORLD INEQUALITY DATABASE. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X1995000100007&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 24/02/2019.

Material suplementar
Notas
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor móvel gerado a partir de XML JATS4R