Artículos Originales

Oportunidades e Desafios no Cenário de (Pós-)Pandemia para Transformar a Educação Mediada por Tecnologias

Opportunities and Challenges in the (Post-)Pandemic Scenario to Transform Technology-Mediated Education

Silvia Dotta
Universidade Federal do ABC , Brasil
Edson Pimentel
Universidade Federal do ABC, Brasil
Ismar Silveira
Universidade Presbiteriana Mackenzie e Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
Juliana Braga
Universidade Federal do ABC , Brasil

Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología

Universidad Nacional de La Plata, Argentina

ISSN: 1851-0086

ISSN-e: 1850-9959

Periodicidade: Semestral

núm. Esp.28, 2021

editor-teyet@lidi.info.unlp.edu.ar

Recepção: 10/12/2020

Aprovação: 11/01/2021



DOI: https://doi.org/10.24215/18509959.28.e19

Cita sugerida: S. Dotta, E. Pimentel, I. Silveira, J. Braga, “Oportunidades e Desafios no Cenário de (Pós-)Pandemia para Transformar a Educação Mediada por Tecnologias,” Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología, no. 28, pp. 157-167, 2021. doi: 10.24215/18509959.28.e19

Resumo: Sem aulas presenciais, a pandemia do SARS-CoV-2 impôs, para a continuidade dos processos de ensino-aprendizagem, o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na forma de um conjunto de ferramentas, via internet. De forma emergencial, professores e estudantes foram instados a utilizar computadores e celulares, por meio de plataformas virtuais, para experiências de aprendizagem. A esperada transformação da Educação, do modelo massivo transmissivo para uma aprendizagem ativa, com o suporte das tecnologias finalmente poderia tornar-se uma realidade. Contudo, vulnerabilidades existentes mas subreptícias e ignoradas foram reveladas e evidenciadas. Destaca-se o fato de que muitas pessoas não têm acesso a computador, nem à internet com velocidade e volume de acesso suficientes. Muitos professores não possuem conhecimento pedagógico adequado para uso dessas ferramentas nas suas práticas educativas. Mesmo assim, muitas experiências de uso de TIC na Educação têm ocorrido nesse cenário de pandemia na forma de ensino remoto emergencial. Planejamentos para um pós-pandemia já contemplam a Educação híbrida. Este ensaio objetiva discutir aspectos a serem considerados no contexto da Educação mediada por tecnologias, mesmo em um cenário emergencial. É um convite para uma reflexão sobre as práticas pedagógicas e as possibilidades de mediação da aprendizagem com o uso das TIC.

Palavras-chave: Ensino remoto emergencial, Educação mediada por tecnologias, Práticas pedagógicas.

Abstract: With no face-to-face classes, the SARS-CoV-2 pandemic imposed, for the continuity of teaching-learning processes, the use of Information and Communication Technologies (ICT) in the form of a set of tools, through the internet. In an emergency, teachers and students were urged to use computers and cell phones, through virtual platforms, for learning experiences. The expected transformation of education, from the massive transmissive model to active learning, could finally become a reality with the support of technologies. However, existing but surreptitious and ignored vulnerabilities have been revealed and highlighted. It is noteworthy that many people do not have access to a computer or the internet with sufficient speed and volume of access. Many teachers do not have adequate pedagogical knowledge to use these tools in their educational practices. Even so, many experiences of using ICT in Education have occurred in this pandemic scenario in the form of emergency remote education. Plans for a post-pandemic already include hybrid education. This essay aims to discuss aspects to be considered in the context of technology-mediated education, even in an emergency scenario. It is an invitation to reflect on pedagogical practices and the possibilities of mediating learning using ICT.

Keywords: Emergency remote education, Technology-mediated education, Pedagogical practices.

1. Introdução

Foi assim. De repente. Acordamos em um mundo sem sala de aula. Sem lousa. Sem giz. Sem alunos desatentos. Sem a turma do fundão, os indisciplinados. Ninguém para decorar nossas verdades e ir bem na prova. Era um dia qualquer de março de 2020. Descarrilhamos. E agora?.

Agora temos de dar aula on-line, gravar e editar(!) videoaulas, preparar textos, pesquisar conteúdos, organizar e enviar material para o portal, atender videochamadas, responder mensagens no Whatsapp, assistir a lives, atender a pai e mãe, responder sobre a merenda, preparar apostila, formatar arquivo para impressão, criar atividade para estudo em casa, remoto, emergencial, a distância, por celular, sem internet, avaliar um milhão de atividades. Sem planejamento, sem preparo, sem formação, sem fluência técnica.

Assim fomos lançados ao inevitável mundo da aprendizagem mediada por tecnologias. Lá no século XX já sabíamos – nós, os pesquisadores da Informática na Educação – que as tecnologias educacionais eram inevitáveis para construirmos o século XXI. Mas havia muitas resistências! As atitudes refratárias às TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) levaram nossa sociedade a uma estagnação e, agora, diante da (pós-?) pandemia, precisamos asfaltar o caminho enquanto dirigimos em alta velocidade.

Contudo, a tarefa de asfaltar este caminho não é simples e nem fácil. A preparação do terreno aponta para diversas vulnerabilidades: impossibilidade de contemplar a totalidade dos alunos em todos os níveis de ensino; desconhecimento pela maioria dos professores para uso dessas ferramentas nas suas práticas de ensino-aprendizagem; heterogeneidade de dispositivos nas mãos de professores e estudantes; disparidade em relação a velocidade e volume de acesso à internet, isso para os que possuem esse acesso.

É importante destacarmos que essas vulnerabilidades não foram geradas e nem reveladas pela pandemia, elas já existiam. A pandemia apenas destacou o grau de importância, ou o prejuízo que essas fragilidades representam para todos os contextos e, especialmente, para a Educação.

O documento da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) denominado Grandes Desafios da Pesquisa em Computação no Brasil – 2006–2016[1], construído a partir de muitas reflexões e colaborações, e divulgado há 15 anos, apontava o “Acesso participativo e universal do cidadão brasileiro ao conhecimento” como um dos grandes desafios científicos da computação para a década (2006-2016), sugerindo criar condições para vencer as barreiras tecnológicas, educacionais, culturais, sociais e econômicas. O documento destaca que tais barreiras impedem o acesso e a interação por meio da concepção de sistemas, ferramentas, modelos, métodos, procedimentos e teorias capazes de abordar, de forma competente, a questão do acesso do cidadão brasileiro ao conhecimento.

Afinada com este grande desafio (acesso participativo e universal ao conhecimento) a Comissão Especial de Informática na Educação (CEIE) da SBC instituiu em 2012, e realizou até 2019, o DesafIE!, um workshop para discutir os desafios relacionados às barreiras tecnológicas educacionais. O texto de apresentação dos anais da primeira edição [2] destaca que:

“o sistema educacional vigente é ainda baseado predominantemente no modelo transmissivo, no qual o professor apresenta conteúdos empacotados em sequências pré-definidas a estudantes passivos. Por outro lado, o dinamismo possibilitado pelas novas TIC agilizam as possibilidades de acesso à informação e interação entre indivíduos. Entretanto, as dificuldades inerentes ao processo de Educação continuada, ao casamento das teorias pedagógicas com o aporte tecnológico e à falta de um esforço conjugado na busca por novas oportunidades de usar as TIC em favor da aprendizagem ainda nos deixam conviver com práticas escolares do século XIX.”

Se os argumentos de que o modelo educacional vigente precisava (e precisa) ser atualizado e as mudanças para uma Educação com maior engajamento dos estudantes poderiam ser alcançadas por meio das TIC não foi suficiente para uma revolução, talvez, e de forma muito dolorida, uma pandemia mundial possa ser capaz de deixar rastros positivos e fomentar a transformação da Educação.

De fato, desde o início da pandemia mundial, com a instauração das regras de distanciamento social e consequente fechamento das escolas, discussões acerca da implementação de ações educativas pela internet foram impostas aos gestores, professores e estudantes. Diante de incertezas sobre a duração da pandemia, e as mudanças abruptas nas rotinas familiares, a resistência inicial para prosseguir com as aulas vem sendo substituída pela necessidade de continuar de alguma forma, mesmo tendo de lidar com as vulnerabilidades e desafios.

A seu modo e a seu tempo, instituições e professores foram buscando formas para continuar com o processo de ensino-aprendizagem. Para a grande maioria dos professores instados a transferir suas aulas para o meio da internet, a grande questão foi: como fazer isso com qualidade? Se, de um lado, gestores buscaram parcerias com especialistas em TIC para tentar orientar seus professores, por outro, muitos professores também tiveram a iniciativa de pesquisar ferramentas adequadas para a nova necessidade. Ademais, pesquisadores e especialistas em TIC para a Educação se voluntariaram em diversas iniciativas para apoiar os professores nesse contexto emergencial.

Um dos desafios das soluções produzidas em cenários emergenciais é que, limitados pela urgência e pela pressa, estas soluções podem esconder diversos problemas, inclusive estruturais. Por exemplo, gestores e professores podem concluir que soluções com qualidade mínima, emergencialmente, podem continuar funcionando em tempos normais. Por isso, é importante que sejam declaradas e registradas as ressalvas para as soluções adotadas emergencialmente, de modo que, o quanto antes, elas sejam corrigidas ou reconstruídas para atender a padrões para uma Educação de qualidade.

Nesse sentido, nesse momento de alta disseminação e de reverberação de soluções mais imediatistas de uso de TIC na Educação, produzidas ou adaptadas num cenário de pandemia, torna-se necessário refletir e discutir conceitos e princípios presentes nas pesquisas da Informática na Educação, de modo a orientar ou reorientar essas produções.

Este ensaio tem por objetivo discutir elementos fundamentais a serem considerados no contexto da Educação mediada por tecnologias, mesmo em um cenário emergencial. Convidamos professores, gestores e pesquisadores para uma reflexão sobre as práticas pedagógicas e as possibilidades de mediação da aprendizagem com o uso das TIC.

A sequência do ensaio está organizada como segue. A seção 2 apresenta e discute termos relacionados a Educação mediada por tecnologias e as diversas modalidades. A seção 3 aborda a formação de professores, inclusive no cenário emergencial. A seção 4 apresenta e discute como as TIC podem facilitar o uso de práticas pedagógicas que colocam o estudante como centro do processo, propiciando maior participação, engajamento e presença.

2. Educação Mediada por Tecnologias

Impedidos de ocupar os espaços da sala de aula, nós, professores, de repente vimo-nos obrigados a transportar nossas práticas pedagógicas para o espaço da nossa casa. Sem poder receber nossos alunos presencialmente fomos instados a descobrir como encontrá-los a distância. Muitos de nós, já acostumados com ferramentas de comunicação por computador ou celular (Facebook, Instagram, Whatsapp) começamos a nos questionar como usar essas tecnologias para a Educação. E, então, um conjunto de outras ferramentas, que boa parte dos cidadãos, incluindo os professores, nem sabiam que existiam, apareceram em nossas vidas: Google Meet, Zoom, Jitsi, Teams.

Eis que um pensamento incômodo começou a martelar a mente de muitos: “Vou me tornar um professor de Educação a distância? Logo eu, que nem acredito muito nessa modalidade de Educação?”. E, então, mundo afora, diversos textos e artigos foram produzidos para esclarecer (e tranquilizar) que entre a Educação presencial e a Educação a distância existem outras possibilidades, ainda mais em um cenário de emergências.

A necessidade de diferenciar o que poderia ser feito em termos de Educação, nesse cenário emergencial, de Educação a distância aparece claramente no trabalho de Pimentel e Carvalho [3]: “Como ponto de partida, precisamos diferenciar Educação a Distância (EAD), uma modalidade educacional alternativa à Educação presencial, daquilo que denominamos de Educação on-line (EOL), que é uma abordagem didático-pedagógica” - distintos termos são adotados por outros autores, como Hodges et al.[4], por exemplo, que sugere o uso do termo Ensino Remoto Emergencial (ERE). Ainda em Pimentel e Carvalho [3], há o alerta de que o “ruim” na modalidade presencial torna-se o “péssimo” na modalidade a distância. Isso está relacionado com a abordagem didático-pedagógica ainda predominante na Educação presencial e muitas vezes transposta para a Educação a distância que é o instrucionismo, ou o que podemos chamar de “ensinagem”, na qual o foco está na transmissão de conteúdos pelo professor.

A figura 1, adaptada de Cope e Kalantzis [5], representa o cenário de “ensinagem” da sala de aula tradicional, em que o professor acha que transmite o conhecimento. Segundo os autores [5], nesse cenário, as interações são reduzidas ao mínimo, geralmente por razões práticas de "ruído" e disciplina na sala de aula.

Esquema de
comunicação um-para-um de sala de aula tradicional. Fonte: Adaptada de Cope e
Kalantzis [5].
Figura 1
Esquema de comunicação um-para-um de sala de aula tradicional. Fonte: Adaptada de Cope e Kalantzis [5].

Pimentel e Carvalho [3] destacam que a modalidade a distância não implica necessariamente a adoção de práticas instrucionistas-massivas e informam que suas práticas têm sido ancoradas no conceito de Educação On-line de Santos [6]: “conjunto de ações de ensino-aprendizagem ou atos de currículo mediados por interfaces digitais que potencializam práticas comunicacionais interativas e hipertextuais”.

A definição de Santos [6] possui características do que Cope e Kalantzis [5] apresentam na figura 2, na qual vemos diversas possibilidades de interações, que, mesmo mediadas por um facilitador (professor), podem fluir mais livremente do que o apresentado na figura 1.

. Esquema de
comunicação muitos-para-muitos. Fonte: Adaptada de Cope e Kalantzis [5].
Figura 2
. Esquema de comunicação muitos-para-muitos. Fonte: Adaptada de Cope e Kalantzis [5].

Ambas as figuras mostram o professor ao centro e cabe muita discussão sobre isso conforme veremos mais adiante. A arquitetura da figura 2 apresenta setas nas duas direções indicando que nessa proposta os estudantes também podem iniciar a comunicação, inclusive com os próprios pares. De acordo com Cope e Kalantzis [5], este tipo de configuração não é de fácil aplicação na sala de aula presencial por conta de elementos como barulho e indisciplina. Mas com o suporte de adequadas ferramentas de TIC, as interações podem ser quase silenciosas, não importa quão intensas e simultâneas.

Que bom! Descobrimos, nesse ponto, que não precisamos nos tornar adeptos e defensores da Educação a distância e ainda assim usar as TIC para ministrarmos as nossas aulas. Posso me tornar um professor da Educação On-line!

Um pouco de calma! Não se torna um professor da Educação On-line, pelo menos não o da concepção de Santos [6], da noite para o dia. Conforme nos contam Hodges et al. [4] a Educação On-line, incluindo ensino e aprendizagem on-line, é estudada há décadas e envolve pesquisas sobre teorias, modelos, padrões e critérios de avaliação. O abrangente estudo de Means et al.[7] identifica nove tópicos destacando a complexidade do design e processo de tomada de decisão: modalidade, ritmo, proporção aluno-professor, pedagogia, papel do professor on-line, papel do aluno on-line, sincronia da comunicação on-line, papel das avaliações on-line e fonte de feedback.

Devemos lembrar de que estamos em uma emergência, um momento crítico que requer ações, mais ou menos imediatas. Não há muito tempo para uma preparação adequada e até para a reformulação de concepções pedagógicas. Conforme relatado em Branch [8] o aprendizado on-line eficaz resulta de um planejamento e design cuidadosos, usando um modelo sistemático de design e desenvolvimento. Hodges et al.[4] destacam ser “esse cuidado no design” que estará ausente na maioria dos casos nessas mudanças de emergência.

De certa forma, para justificar eventuais lacunas de qualidade ou inconsistências nas práticas educacionais nesse momento de pandemia, com o uso das TIC, cunhou-se o termo Ensino Remoto Emergencial (ERE). De acordo com Hodges et al.[4], o ERE surgiu como um termo alternativo comum usado por pesquisadores da Educação On-line e profissionais para estabelecer um claro contraste em relação ao que muitos de nós conhecemos como Educação On-line de alta qualidade. Hodges et al.[4] justificam o uso do termo “ensino” em detrimento de escolhas como “aprendizado” ou “Educação”, pois, segundo eles, as primeiras tarefas realizadas durante as mudanças emergenciais são as de um professor.

Cerca de cinco meses após o início da pandemia no Brasil, as instituições entenderam que a emergência não é tão temporária quanto se imaginava e estão buscando aprimorar o ERE. Por outro lado, instituições educacionais que interromperam suas aulas tentam aproveitar as experiências e ingressar no ERE, dado que ainda não há uma previsão segura para o fim da pandemia e o retorno às atividades presenciais.

Diante das vulnerabilidades já mencionadas, acrescenta-se o fato de que, equipes de tecnologia das escolas, quando existentes, dificilmente conseguiram (ou conseguiriam) atender a demanda de todos os professores que precisam de apoio tecnológico para usar as diversas ferramentas. Conforme apontam Menezes Jr. e Rocha [9], já existem inúmeros recursos e metodologias voltados para o uso das tecnologias para fins educacionais. Ambientes virtuais de aprendizagem, Objetos Educacionais, Jogos Sérios, Mapas Conceituais, Portais Educacionais, Redes Sociais, Ferramentas Colaborativas e Tecnologias Móveis entre outros, são possibildades que permitem ao professor e a escola inovarem seus procesos de ensino e aprendizagem. Todavia, em muitos casos, nem mesmo essas ferramentas estavam identificadas e disponíveis. Assim, o caminho encontrado pelas instituições foi o de recorrer a empresas ou profissionais externos, principalmente no caso de escolas privadas. E, claro, muitos professores, por iniciativa própria também buscaram identificar as ferramentas e aprender a usá-las. E muitos pesquisadores da área de informática na Educação também se mobilizaram voluntariamente para produzir tutoriais e videoaulas para apoiar a comunidade de professores. Com a indisponibilidade de suporte técnico adequado para a produção de suas aulas, conforme apontam Hodges et al.[4] a mudança para o ERE exige que o corpo docente assuma mais controle do processo de concepção, desenvolvimento e implementação do curso. Com isso, certamente, muitas das experiências de aprendizado on-line ofertadas por professoras(es) aos seus alunos não serão plenamente planejadas, com alta probabilidade de estarem abaixo do ideal. Mas é preciso reconhecer que todos tentarão fazer o seu melhor para manterem seus alunos ativos.

E qual o risco dessas soluções “sem muita qualidade” se tornarem definitivas? Qual será o legado dessa corrida por soluções emergenciais? A comunidade de Informática na Educação precisa estar atenta para disseminar o conhecimento científico dos processos envolvidos na produção de Educação On-line de qualidade. É especialmente necessário que sejam feitas avaliações das experiências realizadas de modo que recomendações de melhorias possam ser feitas.

Sobre o legado, Hodges et al.[4] apontam que em situações ou momentos de crises, soluções criativas são pensadas para tentar atender às novas necessidades de nossos(as) alunos(as) e comunidades. Inclusive, em alguns casos, isso pode até nos ajudar a gerar soluções para problemas antes intratáveis. Questões como a falta de capacitação dos professores para o uso de TIC em suas aulas e também a constatação da carência de infraestrutura e recursos adequados para uma grande parcela de estudantes vulneráveis, certamente receberão um olhar mais cuidadoso por parte de todos. E se esse “certamente” parecer um otimismo exagerado, cuidar dessas vulnerabilidades será uma exigência pautada na incerteza de quando será decretado o fim dessa pandemia. Além disso, diversos alertas de novos vírus capazes de provocar novas pandemias surgem a cada dia. Assim, há uma expectativa de que a Educação Híbrida deverá ser uma configuração a ser adotada no pós-pandemia, tanto no início de um retorno escalonado, quanto na continuidade.

Segundo Bacich [10], o termo Educação Híbrida (do inglês Blended Learning) é, de forma geral, “a convergência de dois modelos de aprendizagem: o modelo presencial, em que o processo ocorre em sala de aula, como vem sendo realizado há tempos, e o modelo on-line, que utiliza as tecnologias digitais para promover o ensino”. Horn et al.[11] destacam que, no Ensino Híbrido, o aluno aprende por meio do ensino on-line, com algum elemento de controle do estudante sobre o tempo, lugar, modo e/ou ritmo do estudo, e por meio do ensino presencial, na escola.

Sim! A pandemia do SARS-CoV-2, de certa forma, impulsionará esse hibridismo em diversas áreas em que o trabalho remoto seja possível. A pandemia mostrou os prejuízos que ocorrem quando o mundo para. Não apenas prejuízos para a economia. Em termos de Educação, os prejuízos podem ser imensuráveis, principalmente para determinadas faixas-etárias.

A figura 3 apresenta um esquema em que a Educação Mediada por Tecnologias ocorre em diversos cenários, com maior ou menor grau de intensidade, seja na Educação On-line, na Educação a Distância, no Ensino Remoto Emergencial, no Ensino Híbrido ou no Ensino Presencial.

Educação Mediada
por Tecnologias em diversos cenários. Fonte: Autores
Figura 3
Educação Mediada por Tecnologias em diversos cenários. Fonte: Autores

Nossa esperança é que, passado o impacto de soluções emergenciais, a implementação desse modelo híbrido de Educação, mediado por tecnologias, com menos ou mais momentos on-line, nos diversos níveis, seja feito com planejamento adequado e com padrões de qualidade suficientes. Não basta apenas esperar ou esperançar, esse é um cenário propício para que a comunidade de pesquisadores da Informática na Educação cumpra o seu papel junto à sociedade divulgando suas pesquisas, seus resultados e ajudando a fomentar práticas educacionais de sucesso, conduzindo, de fato, os alunos à aprendizagem.

3. Formação de professores para além da pandemia

Até o início de 2020 era comum ouvir, de maneira jocosa, que se um profissional houvesse sido congelado no início do século XX e miraculosamente fosse revivido no século XXI, ele (ou ela) não seria capaz de exercer sua profissão. Certamente, um médico não conseguiria atuar em um centro hospitalar com parafernálias que vão de equipamentos de diagnósticos por imagem a tomógrafos. Tampouco um engenheiro civil seria apto a manipular ferramentas de CAD ou um profissional da área contábil fazer declarações de imposto via internet. Porém, dizia-se que o professor descongelado poderia entrar tranquilamente em sala de aula, pegar o seu bom giz e começar a escrever no quadro-negro, como se mais de cem anos não houvesse passado. Exageros à parte, tal troça revela um sem-número de verdades (como toda boa brincadeira, como está no dito popular): que o fazer docente foi pouco ou nada impactado pelos avanços tecnológicos das últimas décadas; que, independente do alunado viver em um mundo permeado de tecnologias, todo o processo de aprendizagem formal passa ao largo dessa realidade; e que o saber docente e a escola como instituição não dialogam com a contemporaneidade. Mas, aí, veio a pandemia.

Em 1997, Valente [12] mencionava a Informática na Educação como uma área em que pesquisas eram realizadas no Brasil já havia vinte anos naquele momento (a área totalizaria mais de quarenta anos no momento atual), mas até então não se percebia, de maneira clara, a adoção efetiva dos avanços tecnológicos de então na sala de aula. Passados mais de vinte anos, o cenário não é tão distinto como se gostaria de supor - ou não era, até março de 2020. Para os leitores que atribuem unicamente à insuficiência (ou mesmo ausência) de recursos financeiros destinados a compra de equipamentos e infraestrutura para as escolas, o autor [12] alerta que a raiz para a não-adoção efetiva das tecnologias digitais no contexto da Educação brasileira passava, antes de tudo, pela formação do professor. Em sua clássica e já mencionada obra, Valente [12] afirmava que "a formação do professor deve prover condições para que ele construa conhecimento sobre as técnicas computacionais, entenda por que e como integrar o computador na sua prática pedagógica e seja capaz de superar barreiras de ordem administrativa e pedagógica" (p.23).

Diversos autores apontam para o processo de formação do professor como raiz de diversos problemas educacionais. Frequentemente tido como ineficiente e desconectado das necessidades reais de aprendizagem em um mundo em constante mutação, o processo de formação de professores traz em si um grande potencial transformador, dado o impacto da carreira na sociedade, de maneira holística, ao mesmo tempo em que apresenta diversos problemas que não possuem soluções triviais ou rápidas.

À guisa de exemplo, em diferentes contextos tem-se que a formação do professor para uso de tecnologias digitais limita-se a uma abordagem extremamente utilitária, voltada à mera instrumentalização do uso de artefatos tecnológicos, nem sempre relacionada com a prática docente ou conectada com uma real apropriação de competências tecnológicas para o exercício da docência [13][14]. Outro exemplo é o proposto por Ureta e Beiram [15]. Ao discorrerem sobre as Tecnologias para a Aprendizagem e Conhecimento (TAC), as autoras sugerem que o desenho das práticas educativas tevem partir da premissa da orientação dos estudantes para a construção de aprendizagens significativas através do emprego das tecnologias

Quando Perrenoud [16] elencou dez competências para ensinar, não imaginava que o despertar da terceira década do tão vislumbrado século XXI traria junto com ele uma transformação irreversível causada por uma pandemia. Tampouco estava no radar do autor que os avanços tecnológicos – já presentes no momento da escrita de sua citada obra e com evolução em compasso acelerado desde então – ainda não tinham sido de fato incorporados no fazer docente, diferente de outros aspectos da vida cotidiana. Fato é que quando instado a revisitar sua obra alguns anos mais tarde, o mesmo autor chega a vislumbrar o desaparecimento da própria escola até o final do século – não por sua obsolecência, mas por uma provável destruição do planeta causada pelos humanos [17]. Não chegamos ao final do século, mas a pandemia do SARS-CoV-2 adiantou algumas previsões apocalíticas, em que o fim da humanidade passa a ser discutido não mais como um horizonte remoto.

A figura 4 traz um mapa mental das dez competências elencadas por Perrenoud [17]. Nele, destaca-se, de maneira inequívoca, a necessidade de utilização do que se convencionou chamar de "novas tecnologias". Entretanto, não se imaginava que esta competência em específico estaria na base do desenvolvimento das demais competências da figura em tempos de isolamento social e escolas fechadas. Como, senão por meio de dispositivos tecnológicos, administrar a progressão das aprendizagens e envolver os alunos? De que outra forma, senão por intermédio de tecnologias digitais, informar e envolver os pais, ao mesmo tempo em que se passa a discutir e negociar novos procedimentos administrativos antes apenas impostos? Neste cenário - e possivelmente, em cenários vindouros - tomar as rédeas de sua própria formação continuada passa a estar de maneira irremovível na ordem do dia do docente, enquanto novos dilemas éticos e morais, próprios da virtualidade, são postos à mesa.

Dez competências para ensinar. Fonte: Autores, baseados em Perrenoud [17]
Figura 4
Dez competências para ensinar. Fonte: Autores, baseados em Perrenoud [17]

A premência da adoção de tecnologias digitais, dado o advento da pandemia do SARS-CoV-2, fez com que a adoção emergencial de soluções tecnológicas que permitissem manter um contato, ainda que mínimo, com o alunado, se tornasse uma realidade muito antes do que o senso comum tanto da Academia quanto dos idealizadores de políticas públicas imaginavam. Todo o processo de adoção de tecnologias digitais na Educação, que se previa moroso, lento e com inúmeras barreiras, fez-se realidade em um piscar de olhos para dirimir o isolamento social.

Foi nada além da emergência que fez com que os professores, independente de toda discussão sobre a ineficiência de seus processos formativos, buscassem soluções de forma voluntarista. Mesmo naquelas instituições que ofereceram recursos tecnológicos (como AVEAs ou acesso a softwares de videoconferência) e oficializaram o ensino remoto de emergência – de maneira síncrona, assíncrona ou mista, a adoção das soluções tecnológicas passa, principalmente, pela boa vontade e por iniciativa dos professores. Porém, a enorme brecha digital que se impõe ainda como realidade no Brasil e em vários outros países [18][19] impede que tais iniciativas sejam democraticamente acessíveis por todos os alunos.

4. Presença e Engajamento na Educação Mediada por Tecnologias

A pandemia trouxe-nos novos problemas? Do ponto de vista da Educação, as questões parecem ser as mesmas: como alcançar a todos de forma igualitária? Como promover uma aprendizagem efetiva? Como garantir a presença real de estudantes e professores em processos de aprendizagem? Como conquistar o engajamento do aluno? Como formar professores para uma Educação mais integrada, humanista e menos tecnicista, comportamental? Como desenvolver o pensamento crítico e a autonomia? Talvez a única pergunta aparentemente nova seja: como fazer tudo isso quando somos compulsoriamente isolados e distanciados do espaço escolar?

A escola é um espaço de sociabilização, a aprendizagem é produto das interações sociais entre alunos, professores, e demais membros da comunidade escolar. É a presença social e suas interações que fomentam a Educação. Se estamos distantes, isolados no tempo e no espaço, nada aprendemos. Diante do distanciamento social, restam-nos o apoio das tecnologias de comunicação para estabelecer as pontes: facilitar o diálogo, permitir a presença, favorecer o engajamento do aluno. As tecnologias não fazem isso por si só. É necessária a ação docente. É a atitude do professor que irá garantir a ocorrência do diálogo, a sensação da presença e o estímulo ao engajamento. Educação não é um ato espontâneo. É um ato intencional.

Após alguns meses de distanciamento social e tentativa de organizar o trabalho educacional em um contexto “escolar” um tanto esquizofrênico, aprendemos com muita dor que aulas remotas podem ser muito mais cansativas e menos variadas em termos de estímulos sensoriais para o aluno, oferecem imprevistos relacionados à instabilidade e velocidade de conexão, dificuldades de configurações de áudio, vídeo ou outras, problemas técnicos incomuns à sala de aula presencial. Isto passou a exigir do docente uma elevada dose de criatividade e dedicação no desempenho da sua atividade para superar estas limitações e promover um ambiente de ensino efetivo, atraente e produtivo. Todavia, o mais importante foi perceber que os modelos de Educação pautados no autoritarismo da transmissão de conteúdos e das relações assimétricas professor-aluno estão de fato falidos, ou pelo menos não cabem nos novos espaços de aprendizagem, a saber: a sala de webconferência, as lives, a videoaula, as mídias sociais, o organizador de arquivos na nuvem e tantos outros.

O exposto até aqui dá pistas daquilo que pensamos ser necessário ressignificar: o conceito de presença, a importância do diálogo, o protagonismo do estudante. Ressignificar esses aspectos exige rever a postura do professor. Desde os escritos de Paulo Freire, discute-se a necessidade de escapar de uma Educação bancária para uma Educação dialógica [20]. Isso requer mudanças nevrálgicas em inúmeras esferas: na gestão pública, no currículo, na organização escolar, na formação do corpo docente. Aqui, refletiremos sobre a postura do professor. Sabemos que as outras esferas influenciam nessa postura, mas faremos um exercício para refletir sobre aquilo que temos um alcance imediato: nosso comportamento individual, a postura do professor.

Para exemplificar a postura do professor da qual sugerimos reflexão, tomaremos como lugar de aprendizagem os espaços videográficos (caberá ao leitor extrapolar ou não nossas reflexões para outros campos) onde o professor é convidado(?) a atuar na produção de videoaulas e na organização de webconferências. Ao enfrentar o desafio de se produzir e editar videoaulas ou de transmitir uma aula por meio de uma ferramenta de webconferência há uma tendência de o professor reproduzir sua prática cotidiana em aulas presenciais. É aqui que fazemos as perguntas cruciais: Que (vídeo)aula é essa? É interativa? Empática? Dialógica? Insere o aluno no centro da aprendizagem? Promove a colaboração? Estimula o engajamento? Desenvolve o senso crítico? Fomenta a autonomia?

Como dissemos, a Educação é intencional, então, os espaços videográficos de aprendizagem – a videoaula e a webconferência, dentre outros – têm intrínseca a função didática. A função didática organiza o espaço videográfico de aprendizagem como um gênero audiovisual, e pressupõe presença de sete atributos, a saber: (1) espaço educativo institucional, (2) presença docente, (3) disciplina curricular, (4) exposição metodologizada, (5) predomínio de linguagem denotativa, (6) teor explicativo, argumentativo e explicativo e (7) audiência discente. [21].

O espaço educativo institucional refere-se à “instituição” escolar, podendo ser identificado tanto no espaço físico onde a escola está construída, como nos espaços virtuais onde ela possa ser representada.

A presença docente não se faz, necessariamente, só em corpo presente, os recursos audiovisuais podem funcionar como garantidores da presença docente nos espaços videográficos, ao articularem a textualidade do seu discurso em arranjos e formas diversas de registros de imagem e voz (imagens de arquivo, fotografia, letterings, off, voz over) quer seja do próprio docente, quer seja de outrem (um ator? um apresentador? um produtor?, um diretor? uma animação? um software?) .

"O professor oferece-se à pergunta, sugere, autoriza, define, demonstra, reformula e/ou explica os objetos vigentes, e o faz quase sempre por intermédio de disciplina oral/escrita metodologizada (passo-a-passo sistematizado: apresentação do problema, investigação e solução) na qual organiza capacidades de linguagem de maior teor expositivo e argumentativo [...]" [21].

Um discurso marcado pela primazia de sequências de textos pelos quais lança-se mão com mais constância de construções verbais de sentido denotativo, apoiados pelo emprego da discussão, refutação e sustentação de posições, por outro lado, nota-se que essas mesmas sequências de textos apresentam menor apelo conotativo, como o testemunho/depoimento, a experiência confessional, a mimese ficcional e a poesia.

Khan Academy é um exemplo dessa presença docente sem a figura do professor. O discurso do narrador é uma construção verbal de sentido denotativo, é sistematizado, metodologizado, refere-se a alguma disciplina curricular, dirige-se a uma audiência discente.

A audiência discente é o elemento central a ser considerado nos espaços videográficos, sejam eles síncronos (por exemplo, webconferência) ou assíncronos (videoaulas). Por isso, o professor deve estimular a presença do estudante em atividades remotas, provocando a atitude responsiva do aluno [22], retirando-o da passividade – comportamento comum da sala de aula presencial, na qual geralmente identifica-se uma grande quantidade de alunos passivos, consumistas de informações prontas, desmotivados e com baixo grau de autonomia e organização [23].

Espaços videográficos síncronos oferecem a vantagem de estabelecer um encontro em tempo real, propiciando uma interação instantânea e intensificando a sensação de presença. É uma falácia afirmar que a diferença entre a sala de aula presencial e a sala de aula remota está no dualismo entre presença e distância. É possível uma presença geográfica do professor e uma postura de afastamento pedagógico. Ao mesmo tempo, é possível, por meio da presença virtual, uma postura dialógica, presente e afetiva. A efetiva sensação de proximidade percebida pelo aluno é mais relevante para o processo de aprendizagem que a distância geográfica entre aluno e professor [24]. A presença síncrona de professores e alunos favorece a sensação de pertencimento ao grupo, promovendo o engajamento do aluno.

Os espaços videográficos assíncronos também podem promover essa sensação de presença e pertencimento e engajar o aluno nos processos de aprendizagem. É necessário para isso romper as barreiras de uma cultura instrucionista-transmissiva (da escola e dos professores) que se dirige a um receptor passivo – os alunos emudecidos lá no início da escolarização. Mais uma vez, será a postura dialógica do professor que irá favorecer o engajamento e a aprendizagem. Por exemplo, em vez de se produzir uma videoaula que apresente uma “cabeça flutuante-falante” e/ou um monótono conjunto de slides, pode-se adotar uma postura mais questionadora, conversacional, que, no mínimo, aguce alguma curiosidade de quem está assistindo e fomente o diálogo entre os estudantes.

Em meados do século XX, Freire [20] discorreu sobre a Educação Dialógica, destacando a ideia de que Educação é Comunicação. Pesquisadores das áreas das TIC e da Educação a Distância, como, por exemplo, Harassim [25], Moore [26], Marcuschi [27], Dotta [28], dentre outros, concordam que o diálogo entre professores e alunos exerce papel crucial na aprendizagem presencial ou a distância. Há uma preocupação de se praticar um diálogo que seja capaz de engajar o aluno, estimular o senso de pertencimento ao grupo e promover um ambiente de aprendizagem dialógica e problematizadora. Essas estratégias permitem a anulação da “frieza” da máquina e a criação da parceria professor-aluno, favorecendo a aprendizagem dialógica, em que o professor promove situações que possibilitam a participação ativa e crítica dos estudantes na construção do conhecimento.

Metodologias que organizam conteúdos e atividades de aprendizagem centradas no estudante [29], como, por exemplo, aprendizagem por pesquisa [30], aprendizagem colaborativa [31], aprendizagem dialógica [28], educação centrada no aluno [32], dentre outras, têm apresentado resultados muito eficazes no que diz respeito ao engajamento do estudante e à efetiva aprendizagem [28].

Mais recentemente, cunhou-se o termo metodologias ativas. Os primeiros indícios de métodos ativos datam do século XVIII, na obra de Rosseau [33], e apesar de se apresentarem como algo novo, os princípios dessas metodologias vem sendo construídos desde o início do século XX, a partir dos achados teóricos da aprendizagem social (Lev Vigotski - 1896-1934), da aprendizagem pela experiência (John Dewey - 1859-1952), da aprendizagem significativa (David Ausubel - 1918-2008), da pedagogia da autonomia (Paulo Freire, 1921-1997). Esses estudiosos desnudaram a realidade: o modelo tradicional de ensino não dá conta do fenômeno humano e social, portanto, precisa ser superado, substituído.

As metodologias ativas apresentam-se como alternativa para isso pois focam no protagonismo do estudante, oportunizando suas vozes e valorizando suas opiniões. Partem da prática para suscitar a teoria. Migram do ensinar para o aprender.

“A partir de uma maior interação do aluno no processo de construção do próprio conhecimento [...], o aprendiz passa a ter mais controle e participação efetiva na sala de aula, já que exige dele ações e construções mentais variadas, tais como: leitura, pesquisa, comparação, observação, imaginação, obtenção e organização dos dados, elaboração e confirmação de hipóteses, classificação, interpretação, crítica, busca de suposições, construção de sínteses e aplicação de fatos e princípios a novas situações, planejamento de projetos e pesquisas, análise e tomadas de decisões [34]apud [33]”.

Nesse sentido, ao se planejar processos de aprendizagem no modo remoto, em espaços videográficos síncronos ou não, é acertado escolher metodologias ativas, como: pedagogia de projetos, aprendizagem baseada em problemas, aprendizado maker. Há um sem-número de metodologias sendo criadas e aprimoradas para a realização dessa prática, nas quais os docentes podem se apoiar, antes, porém, é essencial trazer à reflexão qual é a concepção de Educação e de aprendizagem que circula em nossas veias. Essa concepção dialoga de forma harmônica com o chamado que a situação da (pós-)pandemia está nos fazendo? Se não, há a possibilidade de ressignificar essa prática docente, priorizando os aspectos abordados aqui?

Conclusões

Um número incontável de professores, de modo emergencial, por conta das consequências da pandemia do SARS-CoV-2, com ou sem o suporte adequado, passaram a utilizar TIC para, de alguma forma interagir com seus alunos, seja para transmitir conteúdos, enviar e recolher atividades, ou mesmo para esclarecer dúvidas. Vimos e ouvimos, a partir das diversas mídias, relatos de dificuldades e insucessos, muitas delas reflexos das vulnerabilidades existentes nas raízes da sociedade brasileira e mundial. Sabemos que em outros contextos as experiências foram mais exitosas.

Todas essas experiências, exitosas ou não, certamente deixarão um legado para a sociedade e também para a comunidade de pesquisadores de Informática na Educação. Casos e casos a serem estudados e analisados. Sim, em tempo de dificuldades precisamos enxergar o “copo mais cheio”.

Da mesma forma que na Educação, podemos e devemos utilizar os erros (misconceptions) dos nossos alunos para ajudá-los a corrigir suas incompreensões, em um processo de aprendizagem significativa [34], também neste caso, podemos analisar o que foi realizado sem muito planejamento e fazer correções. Para os professores que participaram do processo, como autores dessas experiências, pode ser mais fácil aprender as boas práticas, a partir do entendimento dos problemas das suas soluções.

Assim, mesmo com o final da pandemia, que é ainda imprevisível, esta grande formação de professores em ação precisa continuar. Agora, não mais partindo do zero com todos eles. Repositórios de boas práticas precisam ser construídos, organizados e divulgados. Novas soluções computacionais para a Educação, fruto de resultados de investigações em campo, poderão surgir. E, claro, isso também não começará do zero, pois pesquisas em informática já abordam soluções para recomendação de recursos educacionais, aprendizagem personalizada, aprendizagem colaborativa, recursos educacionais abertos, recursos acessíveis e muito mais.

Contudo, para a Educação, o grande legado deste momento tão difícil da humanidade pode ser a divulgação sobre as carências e necessidades do sistema educacional. De modo colateral, poderão advir melhores condições para ajudar a transformar a Educação do modelo massivo transmissivo para uma aprendizagem ativa, com o suporte das tecnologias. O que temos nesse momento é mais do que tínhamos no começo da pandemia. Se não temos as soluções perfeitas, temos muitas experiências e um inventário enorme, inclusive de vulnerabilidades, para continuar a luta e o serviço por uma Educação de qualidade para todos e todas.

Referências

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[2] E. P. Pimentel and A. Direne, “Apresentação dos anais do I Desafie!,” in I workshop de desafios da computação aplicada à Educação, Curitiba, 2012.

[3] M. Pimentel and F. S. P. Carvalho, “Princípios da Educação On-line: para sua aula não ficar massiva nem maçante!,” SBC Horizontes, 2020. [Online]. Available: http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2020/05/23/principios-educacao-online

[4] C. Hodges, S. Moore, B. Lockee, T. Trust and A. Bond, A. “The difference between emergency remote teaching and on-line learning,” Educause Review, no. 27, 2020.

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[20] P. Freire, Extensão ou comunicação?. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2014.

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[22] M. Bakthin, Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

[23] S. Dotta, Aulas virtuais síncronas: Condução de webconferência multimodal e multimídia em Educação a distância. Santo André: Editora UFABC, 2014.

[24] R. Tori, Educação sem distância: as tecnologias interativas na redução de distâncias em ensino e aprendizagem. São Paulo: Artesanato Educacional, 2018.

[25] L. Harasim, “Educational applications of computer conferencing,” International Journal of E-Learning & Distance Education/Revue internationale du e-learning et la formation à distance, vol. 1, no. 1, pp. 59-70, 1986.

[26] M. G. Moore, “Teoria da distância transacional,” Revista brasileira de aprendizagem aberta e a distância, vol. 1, pp. 1-14, 2002.

[27] L. A. Marcuschi, “Gêneros textuais: definição e funcionalidade,” in Gêneros textuais e ensino. vol. 20, pp. 1-16, 2002.

[28] S. C. Dotta, “Aprendizagem dialógica em serviços de tutoria pela internet: estudo de caso de uma tutora em formação em uma disciplina a distância,” Ph. D. thesis, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

[29] J. Haymore Sandholtz, C. Ringstaff and D. C. Dwyer. Ensinando com tecnologia: criando salas de aulas centradas nos alunos. Porto Alegre: Artes médicas, 1997, p. 196.

[30] P. Demo, Educar pela pesquisa. Rio de Janeiro: Autores Associados, 2011.

[31] E. F. Barkley, K. P. Cross, and C. H. Major, Collaborative learning techniques: A handbook for college faculty. New York: John Wiley & Sons, 2014.

[32] H. E. Bosch et al., “Innovaciones didácticas para ciências y matemática asistidas por TIC,” Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología, no. 19, pp. 60-64, 2017.

[33] A. Diesel, A. L. Santos Baldez, and S. Neumann Martins, “Os princípios das metodologias ativas de ensino: uma abordagem teórica,” Revista Thema vol. 14, no. 1, pp. 268-288, 2017.

[34] C. da Silva Souza, A. Giraldes Iglesias and A. Pazin-Filho, “Estratégias inovadoras para métodos de ensino tradicionais–aspectos gerais,” Medicina (Ribeirão Preto. On-line), vol. 47, no. 3, pp. 284-292, 2014.

Autor notes

Silvia Dotta

Docente da UFABC - Universidade Federal do ABC, é doutora em Educação pela FEUSP. Integra o grupo de pesquisa INTERA, onde desenvolve pesquisas sobre divulgação científica e mediação da aprendizagem por tecnologias.

Información de contacto: Avenida dos Estados, 5001, Santo André, SP, CEP 09210-580, Brasil. silvia.dotta@ufabc.edu.br. https://www.interaufabc.com.br/pesquisadores

Edson Pinheiro Pimentel

Docente da UFABC - Universidade Federal do ABC, é douto em Computação pelo ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Integra o grupo de pesquisa INTERA e desenvolve pesquisas sobre computação aplicada à Educação.

Información de contacto: Avenida dos Estados, 5001, Santo André, SP, CEP 09210-580, Brasil. edson.pimentel@ufabc.edu.br. https://www.interaufabc.com.br/pesquisadores

Ismar Frango Silveora

Docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade Cruzeiro do Sul, é doutor em Engenharia Elétrica pela USP (2003). Atua nas áreas de Informática na Educação, Jogos Digitais, Sistemas Inteligentes e Sistemas Interativos.

Información de contacto: Rua da Consolação, 930, São Paulo, Brasil. ismar.silveira@mackenzie.br. http://tecnologiasfci.mackenzie.br

Juliana Cristina Braga

Docente da UFABC e doutora em Computação Aplicada pelo INPE (2004). Membro do grupo de pesquisa INTERA onde pesquisa nas áreas de Informática na Educação, Interação Humano Computador e Engenharia de Software.

Información de contacto: Avenida dos Estados, 5001, Santo André, SP, CEP 09210-580, Brasil. juliana.braga@ufabc.edu.br. https://www.interaufabc.com.br/pesquisadores

Informação adicional

Cita sugerida: S. Dotta, E. Pimentel, I. Silveira, J. Braga, “Oportunidades e Desafios no Cenário de (Pós-)Pandemia para Transformar a Educação Mediada por Tecnologias,” Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología, no. 28, pp. 157-167, 2021. doi: 10.24215/18509959.28.e19

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