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Reconhecimento de emoções em rostos e comportamento ocular na ansiedade social: Um estudo sobre eye-tracking
A. Ferreira; C. Cardoso,; J. Samões;
A. Ferreira; C. Cardoso,; J. Samões; A. Leite
Reconhecimento de emoções em rostos e comportamento ocular na ansiedade social: Um estudo sobre eye-tracking
Emotion recognition in faces and eye behavior in social anxiety: A study on eye-tracking
PsychTech & Health Journal, vol. 3, núm. 2, 2020
PSYCHTECH-PUB
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Resumo: O eye-tracking é um sistema de rastreamento ocular, através do qual é possível estudar o reconhecimento emocional de sujeitos diagnosticados com ansiedade social. Dada a importância das expressões faciais e o seu reconhecimento, o objectivo deste estudo foi o de investigar o reconhecimento de emoções em rostos bem como o comportamento ocular em sujeitos com ansiedade social, recorrendo à tecnologia eye-tracking, para compreender se indivíduos com elevada ansiedade social revelavam padrões atencionais diferentes dos sujeitos com baixa ou sem ansiedade social. Para o efeito, realizou-se uma revisão sistemática, da qual resultaram 20 artigos. No que diz respeito aos principais resultados encontrados, verificou-se que os padrões oculares concentram-se sobretudo na região ocular quando os participantes estão na presença de emoções consideradas negativas, enquanto que perante emoções positivas se observam padrões oculares direccionados para a região da boca. Relativamente aos processos atencionais na ansiedade social, aquilo que é comummente observado na literatura é um efeito de hipervigilância inicial e evitamento posterior, especialmente no caso de expressões faciais negativas como a raiva. Contudo, a presente revisão evidenciou discordância entre os investigadores. Conclui-se que, em geral, os sistemas eye-tracking apresentam-se vantajosos ao nível do rastreamento ocular, com aplicabilidade em populações subclínicas e clínicas, como a ansiedade social.

Palavras-chave: ansiedade social, expressões faciais emocionais, Eye-tracking, reconhecimento emocional.

Abstract: Eye-tracking is a tracking system through which is possible to study the emotional recognition of subjects diagnosed with social anxiety. Given the importance of facial expressions and their recognition, the aim of this study was to investigate the recognition of emotions in faces as well as eye behavior in subjects with social anxiety, using eye-tracking technology, to understand whether individuals with high anxiety revealed different attentional patterns concerning subjects with low or no social anxiety. For this purpose, a systematic review was carried out, resulting in 20 articles. With regard to the main results, it was found that ocular patterns are concentrated mainly in the ocular region when participants are in the presence of emotions considered negative, while in the presence of positive emotions, eye patterns directed towards the mouth region were observed. Regarding the attentional processes in social anxiety, what is commonly observed in the literature is an effect of initial hypervigilance and later avoidance, especially in the case of negative facial expressions such as anger. However, the present review showed disagreement between the researchers. It is concluded that, in general, eye-tracking systems are advantageous, with applicability in subclinical and clinical populations, such as social anxiety.

Keywords: social anxiety, emotional facial expression, Eye-tracking, emotion recognition.

Carátula del artículo

Artigo científico

Reconhecimento de emoções em rostos e comportamento ocular na ansiedade social: Um estudo sobre eye-tracking

Emotion recognition in faces and eye behavior in social anxiety: A study on eye-tracking

A. Ferreira
Performance & Health Psychology Lab, Portugal
C. Cardoso,
erformance & Health Psychology Lab, Portugal
J. Samões
Performance & Health Psychology Lab., Portugal
A. Leite
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal
PsychTech & Health Journal
PSYCHTECH-PUB, Portugal
ISSN: 2184-1004
Periodicidade: Bianual
vol. 3, núm. 2, 2020

Recepção: Junho , 10, 2020

Aprovação: 28 Julho 2020


Autor correspondente: aleite@utad.pt

Introdução

Reconhecimento emocional

O ser humano apresenta uma alta capacidade de descodificação do ambiente social no qual se encontra inserido (Bodenschatz, Kersting, & Suslow, 2019), sendo o processamento facial, bem como o reconhecimento emocional, promotores das relações que se estabelecem nesse contexto (Hunter, Roland, & Ferozpuri, 2020). Ao considerar o rosto como um estímulo social, devemos distinguir as variáveis que afectam a atenção visual, como por exemplo, a fala, os movimentos (estáticos ou dinâmicos), bem como a expressão facial (Matsuda, Omori, McCleery, & Yamamoto, 2019). As modalidades não verbais da comunicação como movimentos corporais, gestos, assim como expressões faciais produzem informações essenciais, para além da comunicação verbal (Bours et al., 2018). As expressões faciais humanas fornecem pistas sociais críticas que contêm informações relevantes para as interacções sociais e emocionais (Bodenschatz, Skopinceva, Ruß, Kersting, & Suslow, 2020); estas moldam comportamentos que permitem que os indivíduos se adaptem às comunidades sociais (Matsuda et al., 2019). Por exemplo, as expressões de valência negativa representam, potencialmente, uma ameaça directa e ou indirecta, sendo que tal requer uma resposta adaptativa rápida por parte do observador (Bodenschatz et al., 2020).

A atenção automática ocorre com pouco esforço cognitivo e desempenha um papel fundamental na detecção de aspectos biologicamente relevantes, como rostos humanos (Saito, Motoki, Nouchi, Kawashima, & Sugiura, 2019). Um mecanismo de processamento de emoções com uma direcção automática do olhar poderia ter um valor adaptativo, uma vez que ajudaria a identificar rapidamente o estado emocional de outras pessoas (Bodenschatz et al., 2019). Estudos anteriores demonstraram que a alocação da atenção visual pode ser modificada através do reforço com recurso aos estímulos não sociais (Matsuda et al., 2019). Tais comportamentos sociais induzidos por expressões faciais não podem ser estabelecidos sem atenção visual ao rosto, como um pré-requisito para discriminar expressões faciais (Matsuda et al., 2019).

Aprender com estas expressões desde tenra idade é crucial para o desenvolvimento da comunicação social (Matsuda et al., 2019), sendo a sua descodificação uma das formas mais eficientes de compreender as emoções e sentimentos dos outros (Bours et al., 2018). Estudos realizados em bebés salientam que rostos felizes atraem atenção visual devido à sua preparação biológica (Matsuda et al., 2019), pelo que se revela fundamental para os mesmos a descodificação de expressões emocionais, encontrando-se o desenvolvimento dessa capacidade subjacente ao tipo de emoções expressas e ao seu modo de apresentação (Palama, Malsert, & Gentaz, 2018). As preferências visuais das crianças por rostos têm sido amplamente documentadas, com recurso à tecnologia de eye-tracking (Matsuda et al., 2019).

As expressões faciais funcionam como antecedentes e como consequências da fixação do olhar, contudo, estudos mais recentes concentram-se apenas no primeiro (Matsuda et al., 2019). Na literatura sobre reconhecimento de emoções, pesquisas sugerem que áreas faciais de interesse distintas (AOIs) expressam cada emoção de várias maneiras e intensidades diferentes (Iskra & Tomc, 2016). Desta forma, a proeminência dos estímulos sociais depende do estado emocional de um indivíduo, verificando-se que sujeitos que apresentem dificuldades precoces na regulação emocional poderão vir a desenvolver perturbações ao nível psíquico (Kadosh et al., 2018).

Saito et al.(2019) demonstraram um efeito interactivo entre a solidão subjectiva e a informação facial sobre a atenção automática. A diminuição da atenção dispensada aos rostos pode contribuir para as deficiências no reconhecimento de emoções e expressões, tal como sucede na perturbação do espectro do autismo (Wieckowski & White, 2020) e em sujeitos com perturbação de comportamento, os quais apresentam prejuízos ao nível deste reconhecimento (Martin-Key, Graf, Adams, & Fairchild, 2018).

De acordo com Hunter et al.(2020), indivíduos sem níveis clínicos de sintomas depressivos processam expressões emocionais de forma muito semelhante a indivíduos com poucos ou nenhuns destes sintomas, com uma notável excepção. De um modo geral, os indivíduos visualizaram a região “T”, áreas de interesse inferior e médio, com maior frequência do que áreas de interesse superior. A distinção entre áreas de interesse inferior e médio são exibidas em todas as emoções, excepto na felicidade, em indivíduos com sintomas depressivos clinicamente significativos (Hunter et al., 2020). Neste estudo distinguiu-se a área de interesse da região do olho/zona central da área da sobrancelha/zona superior, sugerindo que são os olhos que contêm mais informação emocional (Hunter et al., 2020), originando assim um padrão comum para a região “T”, a qual salienta a importância das áreas dos olhos, nariz e da boca (Hunter et al., 2020). Segundo Iskra e Tomc (2016), os olhos são de longe o elemento mais atraente, na medida em que apenas quando os participantes dispunham de mais tempo disponível, os seus olhos se deslocariam para a boca e o nariz, verificando-se que as fixações visuais se apresentam mais reforçadas por rostos felizes do que pelos zangados (Matsuda et al., 2019). Por sua vez, um estudo realizado por Bek, Poliakoff e Lander (2019), noutro tipo de população clínica (indivíduos com a doença neurodegenerativa de Parkinson), verificou que os participantes mantêm o seu olhar fixo para a região da boca em primazia, quando confrontados com estímulos de rostos dinâmicos.

Eye-tracking

O eye-tracking é um dispositivo que mede posições e movimentos oculares, bem como alterações no tamanho da pupila dos indivíduos, existindo dois elementos principais no processo de rastreamento ocular: fixações e sacadas (Iskra & Tomc, 2016; Lynch & Andiola, 2019). Os primeiros sistemas de eye-tracking terão sido construídos no início do século XX, tendo a sua aplicação inicial estado circunscrita à investigação do processo de leitura (Iskra & Tomc, 2019). O movimento ocular havia sido alvo de interesse já no final do século XIX, na área da percepção visual, com a análise de imagens faciais a impulsionar a utilização destes sistemas (Iskra & Tomc, 2019).

O processo de rastreamento ocular inclui componentes elementares, tais como o gaze point que é a unidade mais básica e representa o ponto para onde se olha. Quando vários destes pontos se encontram próximos no espaço e no tempo, entra-se no domínio da fixação. As sacadas dizem respeito aos movimentos oculares rápidos que decorrem entre duas fixações (Lynch & Andiola, 2019). Esta tecnologia permite identificar padrões de comportamento ocular durante a realização de uma determinada tarefa e tem múltiplas aplicações, nomeadamente, ao nível dos padrões atencionais face a estímulos, no auxílio da avaliação de níveis de processamento de um indivíduo ou relativamente à sua carga emocional ao processar informações. Além disso, funciona como um óptimo instrumento para os investigadores analisarem e entenderem certos processos cognitivos implícitos (Lynch & Andiola, 2019).

A tecnologia de rastreamento ocular oferece, portanto, uma forma singela de avaliar a forma como os indivíduos processam estímulos emocionais, sendo muito importante, no processo de reconhecimento facial, a emoção transponível nos rostos (Iskra & Tomc, 2016). As características faciais particulares apontam para uma dependência da emoção expressa; além disso, o comportamento de olhar específico pode indicar que características diagnósticas de expressões emocionais são preferencialmente processadas (Calvo, Fernández-Martín, Gutiérrez-García & Lundqvist, 2018); razão pela qual Strnádelová e colegas (2019) sugerem que o rastreio dos olhos é um método mais objetivo do que os questionários de auto-relato.

Eye-tracking e fobia social

A perturbação de ansiedade social, também denominada fobia social, diz respeito ao receio de ser julgado de forma pejorativa, no seu meio social, em interacções com estranhos ou em actividades como falar, comer, ou beber em público. A ansiedade face a estas situações pode ser sobre estimada e ter consequências severas no quotidiano do sujeito, ao nível académico, profissional, pessoal e social (American Psychiatric Association, 2013, p.202 cit. in Claudino, Lima, Assis, & Torro, 2019). O eye-tracking tem sido também amplamente utilizado como uma ferramenta de pesquisa no estudo do processamento emocional de indivíduos ansiosos, em particular em crianças e adolescentes (Lisk, Vaswani, Linetzky, Bar-Haim, & Lau, 2020). Estes estudos revelam que vieses atencionais direccionados para estímulos ameaçadores, nesta altura do desenvolvimento humano, constituem um risco precoce para o desenvolvimento de perturbações de ansiedade e sua manutenção (Kadosh et al., 2018; Liang, Tsai, & Hsu, 2017). O efeito mais comummente observado é o de hipervigilância-evitamento, especialmente no caso de expressões faciais negativas como a raiva (Claudino, et al., 2019). Assim, indivíduos com esta perturbação, quando expostos a pistas sociais, mostram um padrão inicial automático de hipervigilância face às mesmas, traduzido por um maior número de fixações, seguido de comportamentos oculares de evitamento assim que a percebem (Kim & Lee, 2016). O estudo conduzido por Claudino et al.(2019) terá também demonstrado que estes padrões de evitamento estão sobretudo concentrados em áreas faciais com características marcadas, como a região dos olhos. Segundo Boll, Bartholomeus, Peter, Lupke e Gamer (2016), esta região transmite informações importantes sobre o estado emocional dos sujeitos, o seu foco atencional e as suas intenções, pelo que os estudos que investigam a conexão entre a fobia social e o comportamento atencional ocular de indivíduos com a perturbação têm sido amplamente explorados. Contudo, apesar de Boll et al. (2016) terem evidenciado uma hipervigilância relativamente à região dos olhos comparativamente à região da boca, não foram encontradas evidências relativamente a um evitamento posterior, indicando que o viés atencional se mantém. Por sua vez, esta direcção atencional para a região ocular pode retratar uma sensibilidade aumentada a pistas sociais importantes que constituem potenciais ameaças para indivíduos com fobia social, contribuindo para o desenvolvimento e manutenção de medos sociais (Boll et al., 2016).

Dada a importância das expressões faciais e do seu reconhecimento para a comunicação, adaptação e interacção social, será que indivíduos com índices elevados de ansiedade social dispensam a mesma atenção ocular no reconhecimento emocional de rostos quando comparados com sujeitos com baixos índices?

MÉTODOS

O objectivo deste estudo foi o de investigar o reconhecimento de emoções em rostos bem como o comportamento ocular em sujeitos com ansiedade social, recorrendo à tecnologia eye-tracking, para compreender se indivíduos com elevada ansiedade social revelavam padrões atencionais diferentes dos sujeitos com baixa ou sem ansiedade social.

Design do estudo

Trata-se de uma revisão da literatura que inclui a recolha de dados secundários e a avaliação crítica de estudos seleccionados cuja síntese dos resultados será qualitativa.

Procedimentos

Depois de definida a questão de investigação e determinado o objectivo principal bem como a metodologia mais adequada, foi realizada uma pesquisa bibliográfica em várias bases de dados (B-on, PubMed e Google Scholar) através de palavras-chave (emotion recognition, eye-tracking, emotional facial expression e social anxiety). Foram estabelecidos os critérios de elegibilidade que incluíram critérios de inclusão (os artigos seleccionados deveriam conter tarefas experimentais de reconhecimento de emoções no visionamento de rostos, em particular, mas não exclusivamente, em indivíduos com ansiedade social; os artigos deveriam recorrer a sistemas de eye-tracking para investigar o reconhecimento de emoções no visionamento de rostos; os artigos deveriam preferencialmente abranger todas as etapas da investigação, de forma a potenciar a comparação entre estudos; os artigos deveriam obedecer aos limites temporais estabelecidos, entre 2016 e 2020) e critérios de exclusão (teses de doutoramento ou de mestrado não seriam incluídas na amostra final; artigos publicados em revistas não indexadas não seriam contemplados).

De 41,945 artigos identificados inicialmente, foram seleccionados 33, após aplicação dos critérios de elegibilidade, de exclusão dos artigos duplicados, e de leitura e análise dos abstracts dos artigos para aferir a adequabilidade dos mesmos. Em seguida, os 33 artigos foram lidos e analisados na íntegra, tendo sido excluídos 13 por divergirem do objectivo principal da investigação (Figura 1).

RESULTadoS

A amostra é composta por 18 estudos experimentais quantitativos, uma revisão sistemática e uma metaanálise. A totalidade dos estudos utilizados no projecto em desenvolvimento terão sido publicados em jornais revistos por pares e indexados.

Descrição dos principais instrumentos utilizados

Todos os estudos recorreram ao sistema de eye-tracking, tendo existido variações singelas, pelo que três dos mesmos terão feito uso do Tobii X-120, nomeadamente o estudo de Iskra e Tomc (2016), Iskra e Tomc (2019) e Hunter et al. (2020) que apresenta uma variação, fazendo uso do sistema Tobii X3-120. O sistema iView X RED250 da SMI, um dispositivo de eye-tracking com recurso a infravermelho e baseado em vídeo, terá sido utilizado por Bodenschatz et al. (2020) e por Bodenschatz et al. (2019), sendo que Kim e Lee (2016) recorreram a uma variante desse sistema, o iView X RED-IV. Por sua vez, Bek et al.(2019) recorreram à tecnologia de rastreamento ocular EyeLink 1000, assim como Boll et al. (2016) e Martín-Key et al.(2018). Liang et al. (2017), optaram pela tecnologia de eye-tracking iView X e Saito et al.(2019) utilizaram o Tobii Pro X2-60, pelo que, somente Strnádelová, et al. (2019) fizeram uso de uma variação desse sistema, o Tobii X2 60 com I-VT Fixation Filter. O estudo de Calvo et al.(2018) e de Palama et al. (2018) apostaram na utilização da RED system eyetracker da SMI. A investigação de Wieckowski e White (2019) é pautada pelo uso do Tobii T60 XL, sendo que, por sua vez, Matsuda et al. (2019) serviram-se do Tobii X120. Por fim, nos dois últimos estudos a apresentar foi utilizado, respectivamente, o Tobii 1750 (Bours et al., 2018) e o Tobii TX300 (Kadosh et al., 2018).


Figura 1
Fluxograma

Relativamente aos restantes instrumentos utilizados Bodenschatz et al. (2019), terão feito uso da Mini International Neuropsychiatric Interview à semelhança de Bodenschatz et al. (2020). Os últimos, por sua vez terão utilizado ainda o Inventário de depressão de Beck (BDI-II); o Inventário de Ansiedade de Características de Estado (STAI), bem como o Trail Making Test Part B (TMT-B). Boll et al.(2016) recorreram à utilização de diversos instrumentos psicométricos como o Social Phobia and Anxiety Inventory (SPAI), o Social Interaction Anxiety Scale (SIAS), o Beck’s Depression Inventory (BDI), o State-Trait Anxiety Inventory (STAI-T), o Toronto Alexithymia Scale (TAS-20) e o Social Desirability Scale (SDS-17). Por sua vez, Kim e Lee (2016) utilizaram o Social Avoidance and Distress Scale (SADS) e o Fear of Negative Evaluation2 (BFNE2), sendo que Liang et al. (2017) fizeram uso de uma versão breve deste último, o Brief Fear of Negative Evaluation Scale (BFNE). Hunter et al. (2020), utilizaram também o Inventário de depressão de Beck (BDI-II), à semelhança de Bodenschatz et al. (2020). Saito et al. (2019) usaram o UCLA Loneliness Scale e, por fim, Strnádelová et al. (2019) fizeram uso da Escala de Formas de Autocrítica / Ataque e Autoconfiança (FSCRS).

Wieckowski e White (2019) aplicaram o subteste de Reconhecimento de Afectos da Avaliação Neuropsicológica do Desenvolvimento (NEPSY-II), o Questionário de Regulamento de Emoção e Habilidades Sociais, Versão para Pais (ERSSQ), o Conjunto de estímulo à emoção (EU), e por fim, a Escala de Responsabilidade Social (SRS-2). No que concerne à investigação de Bours et al.(2018) constata-se, através da análise que foram manipulados, o Questionário de Comunicação Social (SCQ), o Inventário de características insensíveis e não emocionais (ICU), o Inventário psicopático juvenil (YPI), e por último, o Questionário de agressão reactiva e proactiva (RPQ). Quanto ao estudo de Martín-Key et al.(2018) pode-se afirmar que foram utilizados dois instrumentos, sendo estes a Escala de Inteligência Abreviada de Wechsler e o Cronograma de transtornos afectivos e esquizofrenia para crianças em idade escolar - presente e versão vitalícia (K-SADS-PL). Por fim, o estudo de Kadosh et al.(2018) aplicou, por sua vez, o Questionário de Ansiedade Traço e Estado para Crianças (STAIC).

Descrição dos resultados dos estudos originais

Os diversos estudos diferiram em termos de objectivos, sendo, contudo, a utilização da tecnologia de eye-tracking comum a todos. No estudo de Bek, et al. (2019), o objectivo geral foi o de comparar indivíduos com a doença de Parkinson e controlos saudáveis quanto à precisão e aos movimentos oculares no reconhecimento de emoções em expressões faciais estáticas e dinâmicas, pelo que os resultados sugerem que, de forma geral, os grupos não diferiram entre si, mas o movimento aumentou significativamente o reconhecimento no grupo controlo, o que sugere que o uso do movimento como uma pista para o reconhecimento de emoções está comprometido na doença de Parkinson.

Boll et al. (2016) também realizaram uma comparação entre um grupo clínico e um saudável, tendo como objectivo principal examinar os mecanismos relevantes para a percepção de pistas sociais no scanning de traços faciais em pacientes com fobia social, por comparação a controlos saudáveis, através do estudo do comportamento ocular dos indivíduos em resposta a expressões faciais emocionais. Não foram encontradas diferenças significativas para a precisão da classificação de emoções, sendo alta para ambos os grupos, tendo sido, contudo, demonstrada uma considerável hipervigilância para a região ocular em pacientes com fobia social (viés atencional precoce para a região ocular), sem evidências de qualquer evitamento posterior. Por outro lado, relativamente à gaze-cueing task, não foram encontradas diferenças significativas nas taxas de acerto no que respeita à identificação da letra. Contudo, pacientes com fobia social detectavam a letra alvo de forma significativamente mais lenta do que os participantes do grupo controlo, observando-se ainda que os participantes direccionavam a sua atenção com mais frequência para a direcção do olhar das faces representadas do que para a direcção oposta.

De forma semelhante, o estudo de Kim e Lee (2016) teve como objectivo principal investigar quais os processos e mecanismos subjacentes à interpretação de expressões emocionais nos indivíduos com perturbações de ansiedade social em comparação com controlos saudáveis, tendo recorrido ao estudo do movimento oculares e da resposta comportamental face à exposição a imagens compostas por rostos e corpos com emoções congruentes ou incongruentes. Os resultados mostraram que indivíduos com ansiedade social eram mais propensos a interpretar o estado emocional baseando-se no corpo, independentemente do tipo de composto emocional, sendo também menos propensos a interpretar o estado emocional de um rosto ou expressão corporal com raiva quando comparados com controlos saudáveis. Indivíduos com ansiedade social mostram diferentes padrões atencionais e de interpretação face aos estímulos, revelando um padrão de hipervigilância sem evitamento posterior, sendo que, pelo contrário, quando apresentavam evitamento, a hipervigilância inicial não se verificava.

Por sua vez, o estudo de Liang et al. (2017), procedeu também à realização de uma comparação entre indivíduos socialmente ansiosos e não ansiosos, sendo o principal objectivo da investigação estudar o curso temporal da atenção sustentada relativamente a diversos estímulos emocionais, utilizando um paradigma de visualização livre na ansiedade social. Os participantes socialmente ansiosos não eram mais propensos a dirigir a sua atenção inicial para rostos com raiva, em comparação com indivíduos não ansiosos; contudo, verificou-se que indivíduos socialmente ansiosos revelavam maior envolvimento com rostos ameaçadores num estadio inicial (250-500 ms) e maior dificuldade em desviar a sua atenção dos estímulos raivosos se estes fossem fixados inicialmente. Por sua vez, indivíduos não ansiosos são caracterizados por um maior envolvimento perante estímulos positivos numa fase posterior do processamento (6-8s após o início do estímulo), o que pode sugerir que estes sujeitos dirigem propositadamente a sua atenção para informações positivas a fim de regular as suas emoções. Por fim, o efeito de evitamento posterior relativamente a potenciais ameaças, comummente relatado na literatura, não foi verificado em indivíduos socialmente ansiosos.

No que concerne ao objectivo do estudo de Kadosh et al.(2018), este consistiu em avaliar os vieses de atenção para rostos emocionais numa amostra de 23 raparigas adolescentes subclinicamente ansiosas. Através de uma resposta aberta de reorientação da atenção comportamental na tarefa de sobreposição, bem como técnicas de eye-tracking, não foi possível encontrar evidências de um viés significativo em relação a estímulos ameaçadores. Juntamente com os resultados de pesquisas anteriores de participantes clinicamente ansiosos que relataram altos níveis de vieses de atenção, os resultados parecem sugerir que, os vieses de atenção não aumentam linearmente em função do nível de ansiedade individual.

Saito et al. (2019) estudaram em que medida é que o estado interno de solidão tem impacto no processamento rápido e eficaz das informações sociais, através de uma tarefa que consistia na apresentação simultânea de rostos humanos e imagens não sociais, como uma casa. Para tal, os participantes foram avaliados através escala de solidão e os resultados mostraram um efeito interactivo entre a solidão subjectiva e as informações faciais (competência e calor) na atenção automática. As pessoas que se sentiam mais sozinhas tendiam a dirigir a atenção automática para alvos calorosos e as pessoas que se sentiam menos sozinhas tendiam a dirigir essa atenção para alvos competentes, sendo que estes resultados sugerem que a solidão influencia adaptativamente o processamento automático de informações sociais.

No estudo original quantitativo de Bodenschatz et al. (2019) pretende-se verificar o processamento de preferência para características respeitantes a expressões faciais, sendo as mesmas apresentadas fora da consciência subjectiva dos indivíduos; bem como investigar a direcção do olhar para características faciais relevantes, com o propósito de compreender se a mesma afecta as respostas dos participantes na tarefa de verificação afectiva. Para tal, os participantes terão realizado tarefas de reconhecimento utilizando primes afectivos e máscaras. Os resultados indicam um efeito significativo para as áreas de interesse (AOIs), com menos tempo de entrada para os olhos em comparação com a boca. Tempos de entrada para a região dos olhos foram significativamente mais pequenos para faces receosas, quando em comparação com faces felizes. Por sua vez, os tempos de entrada médios para a região da boca foram significativamente mais pequenos para faces felizes do que para faces tristes. No que respeita à região dos olhos, este tempo terá sido significativamente mais pequeno para faces felizes em comparação com faces receosas. O tempo de prolongamento médio para a região da boca foi significativamente mais pequeno para faces tristes em comparação com faces felizes.

Por sua vez, Bodenschatz et al. (2020) procuram examinar o processamento automático de emoções em expressões faciais (EFEs) em indivíduos com depressão major (MDD). Para tal, neste estudo original, terá sido efectuada uma tarefa de priming afetivo exploratória da influência de EFEs, apresentados de uma forma muito breve, e mascarados, no comportamento ocular precoce em indivíduos clinicamente deprimidos em comparação com os indivíduos saudáveis. Os resultados apontam que a região dos olhos era fixada em primeira instância com maior frequência após o prime receoso, quando em comparação com primes felizes e neutros. O mesmo acontece após primings tristes em comparação com primings felizes. Terá existido uma alta probabilidade global de entrada ocular na região dos olhos quando em comparação com a área da boca. Ter-se-á verificado uma probabilidade maior de entrada na região dos olhos para o grupo de controlo em comparação com a amostra de indivíduos deprimidos, e uma probabilidade menor de entrada para a região da boca para os indivíduos saudáveis, em comparação com o mesmo grupo.

O estudo original quantitativo de Hunter et al.(2020) pretende compreender a preferência para determinadas características faciais em indivíduos com sintomatologia depressiva, através da duração da visita do olhar dos participantes para AIOs superiores, inferiores, médias e periféricas. Para tal, os participantes foram divididos em dois grupos (deprimidos e controlos). e terão preenchido o Inventário de Depressão de Beck (BDI), de forma a verificar a severidade da depressão e utilizaram uma tarefa de reconhecimento emocional em faces, em adultos e crianças. Os resultados apontam para um maior tempo de observação em rostos medrosos, seguido de raiva, neutro, felicidade e, por último, tristeza. Verifica-se uma maior quantidade de tempo gasto a visualizar a porção inferior da face, seguida pela área média e, por fim, a superior. Com rostos adultos, o medo revelou uma duração significativamente maior face à visualização em comparação com a raiva, tristeza e felicidade. Contudo, para rostos de crianças, apenas duas diferenças emergiram como significativas, a raiva em comparação com a tristeza e neutra com a tristeza.

Iskra e Gabrijelčič Tomc (2019) tinham por objectivo verificar de que forma o tempo de observação e as dimensões da imagem da face influenciam diferentes dados de eye-tracking; o segundo objectivo era o de avaliar como é que o tempo de observação e as dimensões da imagem da face podem provocar efeitos ao nível do desempenho do reconhecimento. Este estudo original terá ainda procurado inferir em que momento da observação se dá a mudança do olhar para observar características faciais internas, e se existe alguma relação entre a duração da fixação, o comprimento da sacada e o desempenho do reconhecimento. A duração média da fixação foi mais longa para imagens de pequenas dimensões e o menor tempo médio de fixação foi para imagens faciais de grande dimensão. O tempo de observação tem menor influência em imagens faciais grandes. O comprimento médio da sacada foi menor para imagens faciais de pequena dimensão e o maior foi para imagens faciais de grande dimensão. O reconhecimento apresentou a maior percentagem (independentemente da dimensão da imagem facial) no tempo de observação de 8 segundos e pior para 1 segundo. A análise do reconhecimento incorrecto médio para diferentes testes de observação terá sido pior para o teste de observação de 1 segundo (8 segundos foram menos propenso a erros). Para todos os tempos, a porção média para a observação da área dos olhos terá sido a maior, seguindo-se a área da boca e a área do nariz. Em todos os testes, os participantes observaram características faciais internas por mais de dois terços do tempo total de observação.

O artigo original quantitativo de Iskra e Tomc (2016) conduziu os objectivos do estudo através de dois testes. A primeira experiência teria por propósito verificar de que forma os participantes observavam três elementos faciais centrais tendo em conta o tempo disponível e qual a distribuição do tempo de observação para a região dos olhos, boca e nariz. O segundo teste teve por propósito a obtenção de informação básica de quão bem os observadores recordam as faces tendo em conta o tempo de exibição facial. Para tal, os participantes foram divididos em três grupos de teste de diferentes tempos de realização. Os resultados apontam para diferenças no tempo médio de fixação bastante significativas, sendo que para “1 segundo” o tempo médio é mais curto, apresentando o teste de “4 segundos” maior tempo. Verificou-se que os olhos são de longe o elemento mais atraente, pelo que apenas quando os participantes dispusessem de mais tempo disponível, estes dirigiram o seu olhar para a boca e o nariz. Contudo, terá sido evidente que mesmo no teste mais longo, com duração de quatro segundos, nenhum outro elemento facial, senão os olhos, terá sido observado.

Strnádelová et al. (2019) exploram a relação entre a autocrítica, a autoconfiança e os padrões de leitura que os participantes usam para o reconhecimento da felicidade em fotografias, bem como os pontos faciais (AOI) onde se concentram aquando dessa leitura. Os resultados apontam para uma duração da fixação maior para a AOI dos olhos do que para a AOI dos lábios. Uma pontuação crescente na subescala de ódio auto-dirigido encontrava-se, geralmente, correlacionada negativamente com a duração da fixação total na região dos olhos. Um efeito similar, mas mais fraco, foi observado para a relação entre o ódio auto-dirigido e a duração total da fixação para a área ao redor dos olhos. Os participantes que apresentavam altas pontuações no self tranquilizado tenderam a despender menos tempo na fixação dos olhos do que na área dos lábios. No que respeita à duração da fixação total para a AOI lábios a média terá sido mais baixa, seguindo-se a AIO ao redor dos olhos, com maior média para a AIO dos olhos.

No estudo de Calvo et al. (2018), o objectivo prendeu-se com a caracterização de um perfil de orientação da atenção com as particularidades do diagnóstico de expressões, e na posterior elaboração de uma base de dados relativas à expressão facial para a qual os movimentos oculares e as consequentes fixações são avaliadas, enquanto os observadores procedem à análise de rostos durante a categorização da expressão emocional. Os resultados mostram que os perfis atencionais específicos caracterizavam cada emoção: a região dos olhos era vista mais cedo e mais para rostos zangados e tristes; a região da boca era vista mais cedo e mais para rostos felizes; a região do nariz/bochecha era vista mais cedo e mais para rostos enojados; as regiões dos olhos e da boca atraíram a atenção de maneira mais equilibrada para surpresa e medo. Isto revela uma atenção visual selectiva aos recursos de diagnóstico, normalmente facilitando o reconhecimento de expressão.

Palama et al. (2018) examinaram a capacidade de discriminar expressões emocionais (crianças de 6 meses de idade) e se esta se baseava na natureza da emoção oposta, de forma amodal (isto é, independentemente das modalidades sensoriais) ou nas características físicas específicas dos estímulos (rostos ou vozes). Os resultados apontaram que não havia diferença no tempo durante o qual os bebés procuram um rosto feliz ou zangado, depois de ouvir a voz neutra ou zangada. No entanto, depois de ouvir a voz feliz, os bebés olhavam mais para o rosto irritado e incongruente (em especial a área da boca) do que para o rosto feliz e congruente. Esses resultados revelaram que uma transferência cross-modal (das modalidades auditiva para visual) é possível para bebés de 6 meses somente após a apresentação de uma voz feliz, sugerindo que eles reconheciam essa emoção como amigável.

Matsuda et al. (2019) propuseram a construção de um paradigma experimental que permitisse a comparação do valor de reforço das expressões faciais no comportamento visual, assentando que o comportamento da maioria dos participantes era mais reforçado por rostos felizes do que por raiva. Os resultados demonstraram que um paradigma contingente ao olhar em combinação com esquemas de reforço simultâneos poderia ser utilizado para uma comparação quantitativa dos valores de reforço para estímulos visuais durante fixações visuais. Assim, este estudo conseguiu examinar as funções das expressões faciais como consequências, independentes de antecedentes, em contraste com estudos anteriores que usaram o paradigma de aparência preferencial.

Relativamente ao estudo de Bours et al. (2018), estes debruçaram-se sobre uma comparação directa entre o reconhecimento emocional da face em adolescentes, do sexo masculino, com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), Perturbação de Desafio e Oposição (PDO) e perturbação típica de desenvolvimento (PD), investigando assim o papel de traços psicopáticos, traços insensíveis e não emocionais (UC) e os subtipos de comportamento agressivo no reconhecimento da face. Os resultados deste estudo sugerem que, os adolescentes do sexo masculino com PEA ou POD / PD olhavam menos para os olhos em expressões emocionais de medo, raiva, felicidade ou neutralidade. Estes, por sua vez, também levaram significativamente mais tempo para se fixar primeiro nos olhos de rostos medrosos em comparação com PD. Os adolescentes do sexo masculino com PDO / PD que exibiam as primeiras fixações mais rápidas nos olhos de rostos medrosos apresentaram pontuações mais altas nas características psicopáticas. No entanto, não foram encontradas evidências fortes que sobrevivessem a múltiplas comparações para sustentar que, na PEA e PDO / PD, as pontuações mais altas nos traços da UC, psicopatia e agressão estavam relacionadas com o olhar nos olhos de rostos de medo.

O estudo de Wieckowski e White (2020) apostou na avaliação da aceitabilidade, viabilidade e eficácia preliminar de uma intervenção de modificação da atenção projectada para atenuar défices no reconhecimento de emoções (Facial Emotion Recognition - FER), na Perturbação do Espetro do Autismo (PEA). Os resultados mostraram que o programa é viável de implementar conforme planeado e aceitável para as famílias. Além disso, é visível uma FER melhorada e comportamentos sócio-emocionais adaptados, identificados pelos pais. A mudança no FER, medida por meio de tarefas comportamentais, não é aparente, excepto quando o FER estava consideravelmente abaixo da média antes da intervenção. Além disso, não houve mudança no olhar para pistas socialmente relevantes após a intervenção, o que é inconsistente com o mecanismo hipotético subjacente à intervenção (aumentar o olhar para estímulos socialmente relevantes).

Quanto ao estudo de Martín-Key et al.(2018), este procurou investigar até que ponto os prejuízos no reconhecimento das emoções faciais, na perturbação de comportamento (PC) podiam ser explicados por uma falha no reconhecimento de regiões faciais emocionalmente informativas, como os olhos, ou por problemas na avaliação de sinais emocionais. Verificaram que adolescentes com PC mostram dificuldades no reconhecimento de emoções e uma tendência reduzida para fixar a região ocular do rosto ao visualizar expressões de medo e tristeza. Curiosamente, descobriu-se que ter PC e ser homem tiveram efeitos prejudiciais no reconhecimento de emoções e atenção aos olhos. As análises sugerem ainda que deficits relacionados com o comportamento desafiante (CD) no reconhecimento de emoções faciais podem ser melhor conceptualizados como resultado de problemas na avaliação de sinais emocionais, em vez de padrões anormais de fixação ocular.

Descrição dos resultados das revisões sistemáticas e meta-análises

Relativamente à revisão sistemática de Claudino et al. (2019), estes procuraram englobar um conjunto de estudos que utilizassem técnicas de rastreamento ocular para possibilitar a identificação de diferentes padrões de reconhecimento e fixação ocular face a expressões faciais em indivíduos com fobia social em comparação com controlos saudáveis. Apesar das diferenças metodológicas observadas entre os diversos estudos, a grande maioria sugere que indivíduos com fobia social apresentam efeitos de hipervigilância iniciais e de evitamento posterior, face às expressões emocionais em geral, mas em especial às negativas (e.g. raiva). Este efeito observa-se através de um número significativo maior de fixações nos primeiros momentos, seguidos de um evitamento posterior. Verificou-se também um evitamento de regiões da face relevantes para o diagnóstico da expressão emocional, particularmente a região ocular, no caso de expressões faciais negativas.

Por fim, no que concerne ao estudo de Lisk et al. (2019), procuraram realizar uma metaanálise de estudos que recorreram aos sistemas de eye-tracking para aceder ao comportamento ocular e atencional de jovens ansiosos e não ansiosos, centrando-se especialmente nos possíveis efeitos de hipervigilância inicial e evitamento posterior relativamente a potenciais ameaças por parte de indivíduos com ansiedade; os principais resultados evidenciaram que os jovens ansiosos e não ansiosos não diferiram significativamente no comportamento ocular e atencional inicial face a uma potencial ameaça. Contudo, jovens ansiosos mostraram significativamente menos tempo de permanência geral sob estímulos ameaçadores aquando da sua apresentação, o que indica um posterior evitamento face a esta.

Quadro 1
Sumário dos resultados

discussão

O objectivo deste estudo foi o de investigar o reconhecimento de emoções em rostos bem como o comportamento ocular em sujeitos com ansiedade social, recorrendo à tecnologia eye-tracking, para compreender se indivíduos com elevada ansiedade social revelavam padrões atencionais diferentes dos sujeitos com baixa ou sem ansiedade social. Para tal, foram realizadas pesquisas em três bases de dados (B-on, PubMed e Google Scholar) com recurso às palavras-chave emotion recognition, eye tracking, emotional facial expression e social anxiety, as quais terão sido cruzadas entre si, de forma a alargar o espectro de pesquisa. Foi realizada uma avaliação quanto à pertinência dos artigos em estudo, de acordo com os critérios de elegibilidade, bem como escrutinados os seus resumos, excluídas as investigações duplicadas, tendo restado 20 artigos dos 41945 inicialmente encontrados.

Os artigos restantes (20) abordam constructos clínicos e subclínicos diferentes, dos quais é exemplo a depressão (Bodenschatz et al., 2020; Hunter et al., 2020) e a ansiedade social (Boll et al., 2016; Kadosh et al., 2018;Kim & Lee, 2016; Liang et al., 2017); enquanto dirigem a sua atenlção para perturbações do desenvolvimento, das quais é exemplo o autismo (Wieckowski & White, 2020), a perturbação de desafio e oposição (Bours et al., 2018), a perturbação do comportamento (Martín-Key et al., 2018) e doenças neurodegenerativas, como Parkinson (Bek et al., 2019).

Alguns estudos foram realizados em amostras não clínicas, como sucedeu nos estudos de Iskra e Tomc (2016; 2019). Nestes casos, os participantes provinham, maioritariamente, da população em geral; contudo, algumas das amostras terão sido recolhidas junto de estudantes universitários (Calvo et al., 2018; Hunter et al., 2016; Iskra & Tomc, 2019; Matsuda et al., 2019; Saito et al., 2019) e em crianças (Palama et al., 2018). No que concerne à caracterização da amostra verifica-se que a mesma é maioritariamente compreendida por indivíduos do sexo feminino e estudantes, sendo que os restantes provêm da população geral. As idades variam em média dos 6 meses aos 71 anos, sendo pertencentes a uma faixa etária entre a infância, passando por jovens adultos até adultos seniores. Não é frequente a utilização de um tipo de amostragem específico para a eleição dos participantes, com excepção do estudo de Strnádelová et al.(2019). As amostras são maioritariamente compostas por indivíduos seleccionados por conveniência, embora tivessem que responder a critérios de selecção, especialmente no caso de estudos com constructos clínicos (grupo experimental) e controlos.

Em relação aos instrumentos utilizados nos diferentes estudos, não se verificou homogeneidade razão pela qual se torna difícil realizar comparações entre estes. Foram utilizados instrumentos para avaliar a depressão (Bodenschatz et al., 2019), a flexibilidade cognitiva e de níveis de ansiedade, bem como avaliação dos níveis de autoconfiança, autocrítica e inteligência (Bodenschatz et al., 2020;Strnádelová et al., 2019).

Bodenschatz et al. (2019) indicam um efeito significativo para as áreas de interesse (AOIs), com menos tempo de visualização para os olhos em comparação com a boca. Tempos de visualização para a região dos olhos foram significativamente mais pequenos para faces receosas, quando em comparação com faces felizes. Por sua vez, os tempos de visualização médios para a região da boca foram significativamente mais pequenos para faces felizes do que para faces tristes. No que respeita à região ocular, este tempo terá sido significativamente mais pequeno para faces felizes em comparação com faces receosas. O tempo de prolongamento médio para a região da boca foi significativamente mais pequeno para faces tristes em comparação com faces felizes (Bodenschatz et al., 2019). Kadosh et al.(2018) relatam também, no seu estudo com uma amostra subclinicamente ansiosa que os participantes tendiam a dar preferência à região ocular, aquando a observação de rostos e eram menos precisos no reconhecimento de expressões neutras. O estudo de Iskra e Tomc (2016) terá verificado ainda que os olhos são de longe o elemento mais atraente, pelo que apenas quando os participantes dispunham de mais tempo estes dirigiram o seu olhar para a boca e o nariz. Iskra e Tomc (2019) verificaram que a porção média de observação da área em torno dos olhos teria sido maior em comparação com a boca e do nariz. Constatou-se ainda que os participantes observaram características faciais internas por mais de dois terços do tempo total de observação, quando em comparação com regiões periféricas da mesma. Por sua vez, Boll et al. (2016), mostraram que se verificava, em indivíduos com ansiedade social, uma clara hipervigilância inicial face à região ocular quando em comparação com a região da boca, o que se traduzia por um tempo de fixação maior para os olhos. Em conclusão, estes autores sugerem, portanto, que os mecanismos atencionais envolvidos no reconhecimento e interpretação de pistas sociais, das quais são exemplo as emoções, pode encontrar-se deficitário em indivíduos com ansiedade social, o que, de certo modo, dificulta as suas interacções sociais, acarretando consequências severas para a vida dos sujeitos.

De forma semelhante, Kim e Lee (2016) também postulam que sujeitos com ansiedade social evidenciavam mecanismos atencionais complexos, sugerindo um padrão de hipervigilância inicial face a determinado estímulo, não se verificando um evitamento posterior, sendo apenas verificado este evitamento quando a hipervigilância inicial não ocorria. Tais evidências sugerem que indivíduos com ansiedade social podem evitar o rosto de forma estratégica, o que acaba por afectar a interpretação da emoção. Liang et al. (2017), apesar de não terem encontrado um viés atencional inicial para rostos ameaçadores em indivíduos com ansiedade social por comparação a controlos saudáveis, evidenciaram efectivamente um maior envolvimento com rostos que veiculavam potenciais ameaças numa fase inicial e uma maior dificuldade posterior em desviar a sua atenção quando estes rostos eram inicialmente fixados, não se confirmando, portanto, qualquer sinal de evitamento. Claudino et al. (2019) consideraram ainda que apesar das diferenças metodológicas verificadas, constatavam-se efeitos de hipervigilância inicial face às expressões emocionais, mas em especial às negativas, e também um evitamento posterior de regiões de diagnóstico importantes para o reconhecimento de emoções, em especial relativamente à região ocular. Contudo, Claudino e colegas (2019) consideram que uma limitação dos estudos incluídos na sua revisão sistemática foi a utilização exclusiva de estímulos estáticos (ou seja, imagens); ora, nas relações sociais quotidianas, as condições de interação são mais complexas, com expressões faciais dinâmicas e intensidades emocionais variáveis. Os autores sugerem ainda que estudos que comparam faces estáticas e dinâmicas mostraram que faces dinâmicas provocam maior atividade em áreas associadas à interpretação de sinais sociais e ao processamento de emoções (Claudino et al., 2019).

No que concerne às limitações do estudo, uma das maiores dificuldades prendeu-se com a articulação dos constructos (emotional recognition, social anexiety e eye tracking), sobretudo no que diz respeito à baliza temporal proposta. Propostas futuras poderão basear-se na utilização da tecnologia eye-tracking para complementar dados provenientes de instrumentos psicométricos utilizados no diagnóstico de perturbações agudas e na implementação para auxílio na detecção precoce de perturbações de desenvolvimento neuropsicológico, com adaptações necessárias, da qual é exemplo o autismo e para a qual já existe literatura com recurso à utilização de tecnologia de rastreamento ocular, contudo não direccionada para este propósito. Sugere-se ainda que, sejam realizados mais estudos a respeito da tecnologia do eye-tracking em si, por se verificarem ainda aplicabilidades muito focalizadas em determinadas áreas e perturbações em concreto. O marco temporal previamente estabelecido, permitiu, desta forma, consciencializar para o facto de existirem reduzidas investigações que debatam somente a temática do rastreamento ocular.

Por fim, podemos concluir que de uma forma geral os sistemas eye-tracking apresentam vantagens ao nível do rastreamento ocular dos sujeitos e a sua aplicabilidade é deveras extensa sendo utilizado tanto para populações clínicas como para sujeitos sem qualquer tipo de patologia. Verifica-se que face a emoções consideradas negativas, das quais é exemplo a tristeza, os olhos concentram-se sobretudo na AOI em torno da região ocular, enquanto que em emoções substancialmente positivas como a felicidade verifica-se um foco na a área da boca. Os participantes tendencialmente concentram-se mais nestas zonas e na região T, com atenção para toda a área em redor da região ocular, nariz e boca, quando em comparação com áreas periféricas faciais. O reconhecimento emocional de EFE é uma das principais tarefas realizadas quando se utiliza o sistema eye-tracking, existindo emoções que são mais facilmente detectadas em relação a outras, quer em populações clínicas quer em grupos de controlo. Ainda no que concerne ao constructo da ansiedade social, a presente revisão não evidenciou concordância relativamente aos mecanismos atencionais subjacentes à identificação e reconhecimento de emoções, pelo que dadas as inconsistências verificadas em torno desta problemática, estudos futuros que abordem novamente a temática, nomeadamente no que respeita a estímulos emocionais negativos, devem ser explorados, a fim de possibilitar mais concordância entre a comunidade científica.

Material suplementar
REFERêNCiaS
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Notas
Autor notes

Ângela Leire. ECHS-1, Quinta de Prados, 5000-053 Vila Real, Portugal.e-mail: aleite@utad.pt


Figura 1
Fluxograma
Quadro 1
Sumário dos resultados

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