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MAPEAMENTO PARTICIPATIVO PARA IDENTIFICAÇÃO DAS ÁREAS SOB AMEAÇA DE INUNDAÇÃO NO BAIRRO PARQUE MAMBUCABA, ANGRA DOS REIS/RJ
Fabiana Peres de Freitas; Heitor Soares de Farias
Fabiana Peres de Freitas; Heitor Soares de Farias
MAPEAMENTO PARTICIPATIVO PARA IDENTIFICAÇÃO DAS ÁREAS SOB AMEAÇA DE INUNDAÇÃO NO BAIRRO PARQUE MAMBUCABA, ANGRA DOS REIS/RJ
Continentes – Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia e do Departamento de Geociências, vol. 8, núm. 15, 2019
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
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Resumo: O bairro Parque Mambucaba está localizado em uma planície de inundação flúvio-marinha do rio Mambucaba no município de Angra dos Reis, no estado do Rio de Janeiro. O histórico das ocupações mostra uma área com grande suscetibilidade às inundações que tem se agravado à medida que o bairro cresce. Dois mapeamentos oficiais sobre as áreas inundáveis no bairro, realizados pela CPRM e Prefeitura de Angra dos Reis, utilizando-se de técnicas de geoprocessamento, apresentaram resultados distintos. Diante do impasse realizou-se um mapeamento participativo, utilizando a vivência dos moradores para delimitar as áreas inundáveis no bairro. Foram realizadas entrevistas com moradores mais antigos e com técnicos da prefeitura, além da participação de alunos do ensino médio da rede estadual. Durante as oficinas para capacitação dos entrevistados concluímos que a falta de saneamento básico no bairro é um agravante, pois as inundações iniciam com a água do rio retornando pelas galerias de esgoto improvisadas, mesmo quando o rio não transborda.

Palavras-chave:Riscos, Percepção Ambiental, Cartografia Social.

Abstract: The Parque Mambucaba neighborhood is located on a floodplain of the Mambucaba River in the municipality of Angra dos Reis, Rio de Janeiro State. The history of occupations shows an area with high susceptibility to flooding that has worsened as the neighborhood grows. Two official mappings of flooded areas in the neighborhood, carried out by CPRM and Angra dos Reis City Hall, using geoprocessing techniques, presented different results. Faced with the impasse, a participatory mapping was carried out, using the residents' experience to delimit the floodable areas in the neighborhood. Interviews were conducted with older residents and city hall technicians, as well as the participation of high school students from the state network. During the training workshops for respondents, we concluded that the lack of basic sanitation in the neighborhood is aggravating, as flooding begins with river water returning through makeshift sewage galleries, even when the river does not overflow.

Keywords: Scratchs, Environmental Perception, Social Cartography.

Résumé: Le quartier de Parque Mambucaba est situé dans une plaine inondable de la rivière Mambucaba, dans la municipalité d’Angra dos Reis, Rio de Janeiro. L’histoire des occupations montre une région très exposée aux inondations qui s’est aggravée avec la croissance du quartier. Deux cartographies officielles des zones inondées dans le quartier, réalisées par le CPRM et la mairie d'Angra dos Reis, à l'aide de techniques de géotraitement, ont présenté des résultats différents. Face à l'impasse, une cartographie participative a été réalisée, utilisant l'expérience des résidents pour délimiter les zones inondables du quartier. Des entretiens ont été menés avec des résidents plus âgés et des techniciens de l'hôtel de ville, ainsi qu'avec la participation d'élèves du secondaire du réseau de l'État. Lors des ateliers de formation à l'intention des répondants, nous avons conclu que le manque d'installations sanitaires de base dans le quartier s'aggrave, car les inondations commencent avec le retour des eaux de rivière par des galeries d'égouts improvisées, même lorsque la rivière ne déborde pas. Mots-clés : Les risques; La perception de l'environnement; Cartographie sociale.. Introdução

Carátula del artículo

ARTIGOS

MAPEAMENTO PARTICIPATIVO PARA IDENTIFICAÇÃO DAS ÁREAS SOB AMEAÇA DE INUNDAÇÃO NO BAIRRO PARQUE MAMBUCABA, ANGRA DOS REIS/RJ

Fabiana Peres de Freitas
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil
Heitor Soares de Farias
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil
Continentes – Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia e do Departamento de Geociências, vol. 8, núm. 15, 2019
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Recepção: 10/11/2019

Aprovação: 21/12/2019

Introdução

As variadas formas de produção e reprodução do espaço geográfico exercem forte pressão sobre o espaço natural, sendo desenvolvidas, na maioria das vezes, sem considerar a fragilidade dos sistemas naturais, mas principalmente a vulnerabilidade dos grupos sociais o que por vezes amplia as condições de risco a que está exposta grande parcela da população urbana. Neste sentido, sendo as bacias hidrográficas importantes unidades de planejamento e gestão ambiental, estas são palco de inúmeros problemas socioambientais, repercutindo negativamente na qualidade de vida das populações.

A ocupação das planícies de inundação é um exemplo do processo historicamente excludente de constituição dos espaços urbanos brasileiros. Como em grande parte são ocupadas pelas populações socialmente vulneráveis, tornam os desastres naturais hidroclimatológicos mais devastadores e graves no Brasil (ZANELLA, et al., 2013).

Em Angra dos Reis, no litoral sul, região turística da Costa Verde no estado do Rio de Janeiro, não é diferente. Formado por belas paisagens no contato entre a Serra do Mar e o Oceano Atlântico, o município tem grande parte do seu território composto por relevo escarpado, além de poucas e esparsas planícies, ambos densamente ocupados ao longo de sua história.

As características de seu quadro natural influenciam fortemente a ocorrência das chuvas orográficas que, quando associadas à passagem das frentes vindas do sul do país, deflagram intensa pluviosidade, uma das maiores do estado, com médias anuais de até 2000 milímetros (NIMER, 1989). Assim, durante os verões, Angra dos Reis tem recebido destaque na mídia em consequência da ocorrência de desastres naturais, normalmente deslizamentos de encostas, embora as inundações sejam mais frequentes.

O bairro Parque Mambucaba é a área mais afetada pelas inundações que atingiram a região nas últimas duas décadas. Dentre esses eventos está o que ocorreu em janeiro de 2010, quando durante 24 horas, entre os dias 2 e 3, choveu 200 mm, resultando em uma drástica inundação que atingiu todo o bairro, onde cerca de 64 pessoas foram retiradas de suas casas pela Defesa Civil.

Assim, conhecendo a política de prevenção aos desastres naturais realizada pela Defesa Civil de Angra dos Reis, a realidade da população do Parque Mambucaba e mediante os eventos de inundação constantes, e eventualmente extremos, que ocorrem no bairro, esta pesquisa tem o objetivo de identificar as áreas suscetíveis à inundação no bairro Parque Mambucaba.

Problematização

O bairro Parque Mambucaba está localizado na planície de inundação do rio Mambucaba, que representa um importante fragmento do Domínio da Mata Atlântica, agrupando ampla diversidade de tipos vegetacionais, grandes extensões contínuas de áreas florestadas, pois compreende, em parte, a zona de amortecimento do Parque Nacional da Bocaina. Esta abrange desde áreas costeiras até vertentes íngremes no alto do planalto dissecado da Bocaina, do nível do mar a 2.088 metros de altitude.

É considerado um dos principais redutos de Floresta Atlântica, ainda em bom estado de conservação, apesar de inúmeros pontos de interferência humana. Deve-se destacar a alta diversidade e complexidade natural da área, resultantes das inúmeras combinações entre tipos de relevo, altitudes, características topográficas, rede de drenagem, substrato rochoso, solos e cobertura vegetal natural.

A evolução natural do relevo na paisagem resultou em um elevado número de cursos d’água que, junto às matas ciliares, formam inúmeros e intrincados corredores naturais, representando assim um grande volume de recursos hídricos, tanto para flora e fauna local como para as populações humanas costeiras (ICMBIO, 2009). A amplitude da planície, a grande disponibilidade hídrica, a qualidade das águas e as características naturais, em grande parte preservadas, fazem desta uma das mais importantes planícies flúvio-marinhas do litoral sul-fluminense.

O Parque Mambucada dista cerca de 55 quilômetros do centro do município de Angra dos Reis e 46 quilômetros do centro de Paraty, município vizinho, o que tem ajudado a manter a área preservada. No entanto, o bairro apresentou um crescimento populacional muito grande desde a abertura da rodovia BR 101 na década de 1970. Hoje são mais de 25 mil residentes, número que cresce quando há oferta de emprego nas obras de construção das usinas nucleares de Angra dos Reis (Figura 1).


Figura 1
Localização do bairro Parque Mambucaba
Fonte: Dados CPRM

A expansão urbana foi feita sem infraestrutura de saneamento básico adequada no bairro, que é afetado quando há eventos pluviométricos intensos, o que é comum na região, inundando ruas e casas. Sabendo desta realidade recorreu-se a órgãos oficiais para buscar mapeamentos que identificassem áreas suscetíveis à inundação em Angra dos Reis.

O primeiro mapeamento encontrado foi desenvolvido pelo CPRM (Figura 2). São utilizados três tons de azul para identificar a intensidade das inundações - alta, média e baixa. O bairro Parque Mambucaba, destacado por um círculo vermelho, foi incluído por inteiro na classe com alta suscetibilidade à inundação (DEFESA CIVIL ANGRA DOS REIS, 2018).


Figura 2 -
Mapa de suscetibilidade à inundação em Angra dos Reis
Fonte: CPRM

A área destacada em vermelho é apontada pela Defesa Civil de Angra dos Reis como pontos críticos de alagamento, consequência dos problemas de drenagem e falta de galeria de águas pluviais, em alguns casos, somada à urbanização de forma desordenada e sem infraestrutura, que intensificam os problemas na região. A construção de microdrenagem é uma das principais ações a serem executadas em ações imediatas, como aponta o Plano Municipal de Saneamento de Angra dos Reis (PMSB).

Diante das divergências entre dois mapeamentos realizados por órgãos oficiais, e que parecem terem sido produzidos a partir de técnicas de geoprocessamento, optou-se por realizar um novo mapeamento da suscetibilidade à inundação no Parque Mambucaba. A Cartografia Social a partir da percepção da população, utilizando como ferramenta participativa, foi escolhida como alternativa para construção do mapa.

Revisão da Literatura

Tradicionalmente os mapas são elaborados para facilitar e legitimar as conquistas territoriais, definir o Estado como uma entidade espacial e construir nacionalismos. A sociedade nunca teve a oportunidade de construir seus mapas, suas cartografias. As bases cartográficas e os mapas geralmente são produzidos por técnicos especializados, sob o interesse de instituições públicas e privadas (ACSERALD, 2010).

Diferentes iniciativas de mapeamento, especialmente a partir dos anos 1990, se propuseram a incluir populações locais no processo de produção de mapas em todo o mundo. Assim, moradores de comunidades tradicionais, ou que ocupam territórios onde existem conflitos, têm produzido seus próprios mapas retratando seu cotidiano e suas referências numa base cartográfica. Por meio do mapeamento social busca-se dar voz e visibilidade a diversos grupos sociais politicamente excluídos.

A Cartografia Social constitui-se como um ramo da ciência cartográfica que trabalha com a demarcação e a caracterização espacial de territórios em disputa, de forma crítica e participativa (GORAYEB e MEIRELES, 2014).

A participação implica ir além do processo de consulta para garantir a participação dos agentes sociais nos mais amplos sistemas de tomada de decisão, formais e informais. Isso inclui ampliar e representar as vozes, interesses e necessidades e fortalecê-los para que reivindiquem seus direitos e mantenham suas instituições responsáveis nas decisões que afetam seus modos de vida (PLESSMAN, 2013).

A aplicação da cartografia na identificação e diagnóstico de áreas de risco tem sido bastante explorada em diversas cidades brasileiras, surgindo então várias metodologias, as quais de modo geral, têm como base a combinação de dados e informações referentes a aspectos geológicos (litologia), geomorfológicos (declividade, hipsometria, etc.) e de uso do solo (tipologias de ocupação, tipos de vegetação etc.). Dessa forma, a cartografia assume um papel importante na gestão do risco, pois através dela é possível elaborar mapas associando os conhecimentos físicos, ambientais e sociais que interferem na dinâmica das inundações.

O mapa de áreas de risco à inundação é um instrumento importante na prevenção, controle e gestão das inundações. O zoneamento e a cartografia que o acompanham constituem a base de uma política de prevenção. Após o zoneamento de áreas sob ameaça de inundação, bem como a produção de informações de diagnósticos e prognósticos levantadas pelo estudo, os dados podem ser utilizados pelo poder público no sentido de apoio a regulamentação das áreas de risco a inundação (BRASIL, 1997).

Entretanto, cabe destacar que aqui está sendo considerado o risco é a percepção por um indivíduo ou por um grupo social (VEYRET, 2007). Mesmo o risco ambiental, fruto de processos físicos ou tecnológicos, envolve uma vulnerabilidade a ser considerada, “que compreende as fragilidades dos sistemas social, político e humano em geral, que convergem no risco, que é o imprevisível percebido e vivido” (VEYRET, 2007, p 237).

Ser vulnerável é estar fisicamente exposto a uma ameaça. É apresentar certa fragilidade diante do sinistro, em razão da má qualidade das construções ou do desconhecimento da ameaça. É, de igual modo, não ter em vista os meios disponíveis para enfrentar a crise que pode sobrevir (VEYRET e REICHMOND, 2007).

Destas definições apreende-se que para existir risco é necessária a presença do homem. Além disso, ele deve estar vivendo em uma situação onde reconheça a possibilidade de o perigo acontecer. Mas, se por ventura o homem desconhece essa possibilidade, na sua visão o risco não existe, ainda que esteja vivendo diante dele. Nesse caso o homem se torna ainda mais vulnerável, pois sem conhecer os perigos que corre não pode atuar para reduzir o risco (FARIAS, 2016).

Nesse sentido a realização de oficinas para a construção dos mapeamentos participativos, baseados na cartografia social, é uma troca de saberes que também envolve a ampliação da percepção em relação aos riscos. No entanto, este trabalho objetivou mapear as áreas suscetíveis à inundação sem considerar a vulnerabilidade das construções, constituindo um mapeamento da ameaça e não do risco.

Histórico das inundações

Segundos dados da Defesa Civil de Angra dos Reis, nas três últimas décadas Angra dos Reis registrou desastres de grandes magnitudes, vitimando fatalmente 95 pessoas e deixando centenas de desabrigados. Os registros mais precisos datam a partir de 1992 quando, após chuvas de grande intensidade, diversos pontos do município sofreram deslizamentos e o Parque Mambucaba teve uma grande inundação, com danos materiais à população. Desde então diversos outros incidentes foram registrados envolvendo deslizamentos, nos quais danos materiais quase sempre estiveram presentes.

Na madrugada do dia 09 de dezembro de 2002 a região foi acometida por forte chuva e o Parque Mambucaba foi totalmente alagado, totalizando 240 mm num intervalo de 24 horas. Foi o primeiro grande desastre de origem natural com grande número de vítimas fatais, em todo o município de Angra dos Reis. Na época foi decretada situação de calamidade pública pelo Prefeito e cerca de 1500 pessoas ficaram desabrigadas. Pelo menos 34 pessoas morreram e 150 ficaram feridas.

Nesse evento, a chuva começou por volta das 19h de domingo e aumentou à meia-noite. Houve ocorrências em toda a cidade, mas a Grande Japuíba foi a região mais afetada. Só em Areal morreram 20 pessoas. Também houve mortes nas comunidades de Banqueta, Ribeira, Belém e Nova Angra, todas em Grande Japuíba. No Parque Mambucaba uma pessoa morreu e mais de 300 ficaram desabrigadas devido às inundações dos rios Perequê e Mambucaba. Os desabrigados foram acomodados nas escolas locais.

No dia 14 de março de 2011, várias ruas e casas do Parque Mambucaba foram alagadas em razão da cheia do Rio Mambucaba. O nível da água atingiu 1,5 metro de altura no interior de alguns imóveis. Segundo a Defesa Civil de Angra dos Reis o número de desalojados chegou a 184 pessoas. O trabalho de retirada dos moradores foi realizado com botes e caminhões. As famílias foram levadas para abrigos.

De acordo com informações da APRIMAPPA (Associação Pró Rios Mambucaba e Perequê na Prevenção dos Alagamentos), na tarde do dia 19 de Janeiro de 2012, após 40 minutos de chuva foram registrados alagamentos em diversas ruas do bairro Parque Mambucaba (Figura 4), o que causou inúmeros transtornos à população local. O trânsito chegou a ser interrompido e o comércio foi obrigado a fechar as portas em alguns pontos.

No dia 03 de janeiro de 2013, houve outra inundação no Parque Mambucaba, desta vez relacionada à alta pluviosidade combinada à elevação da maré. Dezenas de pessoas ficaram desabrigadas e a rua principal foi fechada. No dia 2 de janeiro de 2016 o bairro foi afetado devido ao transbordamento do Rio Mambucaba. Cerca de 250 residências foram atingidas, principalmente na região do Residencial Paraíso.


Figura 4
Avenida Magalhães de Castro, 19 de agosto de 201
Fonte: APRIMAPA, 2012

O segundo mapeamento encontrado foi desenvolvido por uma empresa de consultoria para a Prefeitura Municipal de Angra dos Reis (Figura 3). Neste mapa as áreas alagáveis no Parque Mambucaba não incluem todo o bairro, mas somente as áreas mais próximas às margens dos Rios Mambucaba e Perequê, diferentemente do que indica a CPRM (DEFESA CIVIL ANGRA DOS REIS, 2018).


Figura 3
Mapeamento das Áreas Alagáveis no Parque Mambucaba, em Angra dos Reis
Autores

A área destacada em vermelho é apontada pela Defesa Civil de Angra dos Reis como pontos críticos de alagamento, consequência dos problemas de drenagem e falta de galeria de águas pluviais, em alguns casos, somada à urbanização de forma desordenada e sem infraestrutura, que intensificam os problemas na região. A construção de microdrenagem é uma das principais ações a serem executadas em ações imediatas, como aponta o Plano Municipal de Saneamento de Angra dos Reis (PMSB).

Diante das divergências entre dois mapeamentos realizados por órgãos oficiais, e que parecem terem sido produzidos a partir de técnicas de geoprocessamento, optou-se por realizar um novo mapeamento da suscetibilidade à inundação no Parque Mambucaba. A Cartografia Social a partir da percepção da população, utilizando como ferramenta participativa, foi escolhida como alternativa para construção do mapa.

Revisão da Literatura

radicionalmente os mapas são elaborados para facilitar e legitimar as conquistas territoriais,

Tradicionalmente os mapas são elaborados para facilitar e legitimar as conquistas territoriais, definir o Estado como uma entidade espacial e construir nacionalismos. A sociedade nunca teve a oportunidade de construir seus mapas, suas cartografias. As bases cartográficas e os mapas geralmente são produzidos por técnicos especializados, sob o interesse de instituições públicas e privadas (ACSERALD, 2010).

Diferentes iniciativas de mapeamento, especialmente a partir dos anos 1990, se propuseram a incluir populações locais no processo de produção de mapas em todo o mundo. Assim, moradores de comunidades tradicionais, ou que ocupam territórios onde existem conflitos, têm produzido seus próprios mapas retratando seu cotidiano e suas referências numa base cartográfica. Por meio do mapeamento social busca-se dar voz e visibilidade a diversos grupos sociais politicamente excluídos (.

A Cartografia Social constitui-se como um ramo da ciência cartográfica que trabalha com a demarcação e a caracterização espacial de territórios em disputa, de forma crítica e participativa (GORAYEB e MEIRELES, 2014).

A participação implica ir além do processo de consulta para garantir a participação dos agentes sociais nos mais amplos sistemas de tomada de decisão, formais e informais. Isso inclui ampliar e representar as vozes, interesses e necessidades e fortalecê-los para que reivindiquem seus direitos e mantenham suas instituições responsáveis nas decisões que afetam seus modos de vida (PLESSMAN, 2013).

A aplicação da cartografia na identificação e diagnóstico de áreas de risco tem sido bastante explorada em diversas cidades brasileiras, surgindo então várias metodologias, as quais de modo geral, têm como base a combinação de dados e informações referentes a aspectos geológicos (litologia), geomorfológicos (declividade, hipsometria, etc.) e de uso do solo (tipologias de ocupação, tipos de vegetação etc.). Dessa forma, a cartografia assume um papel importante na gestão do risco, pois através dela é possível elaborar mapas associando os conhecimentos físicos, ambientais e sociais que interferem na dinâmica das inundações.

O mapa de áreas de risco à inundação é um instrumento importante na prevenção, controle e gestão das inundações. O zoneamento e a cartografia que o acompanham constituem a base de uma política de prevenção. Após o zoneamento de áreas sob ameaça de inundação, bem como a produção de informações de diagnósticos e prognósticos levantadas pelo estudo, os dados podem ser utilizados pelo poder público no sentido de apoio a regulamentação das áreas de risco a inundação (BRASIL, 1997).

Entretanto, cabe destacar que aqui está sendo considerado o risco é a percepção por um indivíduo ou por um grupo social (VEYRET, 2007). Mesmo o risco ambiental, fruto de processos físicos ou tecnológicos, envolve uma vulnerabilidade a ser considerada, “que compreende as fragilidades dos sistemas social, político e humano em geral, que convergem no risco, que é o imprevisível percebido e vivido” (VEYRET, 2007, p 237).

Ser vulnerável é estar fisicamente exposto a uma ameaça. É apresentar certa fragilidade diante do sinistro, em razão da má qualidade das construções ou do desconhecimento da ameaça. É, de igual modo, não ter em vista os meios disponíveis para enfrentar a crise que pode sobrevir (VEYRET e REICHMOND, 2007).

Destas definições apreende-se que para existir risco é necessária a presença do homem. Além disso, ele deve estar vivendo em uma situação onde reconheça a possibilidade de o perigo acontecer. Mas, se por ventura o homem desconhece essa possibilidade, na sua visão o risco não existe, ainda que esteja vivendo diante dele. Nesse caso o homem se torna ainda mais vulnerável, pois sem conhecer os perigos que corre não pode atuar para reduzir o risco (FARIAS, 2016).

Nesse sentido a realização de oficinas para a construção dos mapeamentos participativos, baseados na cartografia social, é uma troca de saberes que também envolve a ampliação da percepção em relação aos riscos. No entanto, este trabalho objetivou mapear as áreas suscetíveis à inundação sem considerar a vulnerabilidade das construções, constituindo um mapeamento da ameaça e não do risco.

Histórico das inundações

Segundo os dados da Defesa Civil de Angra dos Reis, nas três últimas décadas Angra dos Reis registrou desastres de grandes magnitudes, vitimando fatalmente 95 pessoas e deixando centenas de desabrigados. Os registros mais precisos datam a partir de 1992 quando, após chuvas de grande intensidade, diversos pontos do município sofreram deslizamentos e o Parque Mambucaba teve uma grande inundação, com danos materiais à população. Desde então diversos outros incidentes foram registrados envolvendo deslizamentos, nos quais danos materiais quase sempre estiveram presentes.

Na madrugada do dia 09 de dezembro de 2002 a região foi acometida por forte chuva e o Parque Mambucaba foi totalmente alagado, totalizando 240 mm num intervalo de 24 horas. Foi o primeiro grande desastre de origem natural com grande número de vítimas fatais, em todo o município de Angra dos Reis. Na época foi decretada situação de calamidade pública pelo Prefeito e cerca de 1500 pessoas ficaram desabrigadas. Pelo menos 34 pessoas morreram e 150 ficaram feridas.

Nesse evento, a chuva começou por volta das 19h de domingo e aumentou à meia-noite. Houve ocorrências em toda a cidade, mas a Grande Japuíba foi a região mais afetada. Só em Areal morreram 20 pessoas. Também houve mortes nas comunidades de Banqueta, Ribeira, Belém e Nova Angra, todas em Grande Japuíba. No Parque Mambucaba uma pessoa morreu e mais de 300 ficaram desabrigadas devido às inundações dos rios Perequê e Mambucaba. Os desabrigados foram acomodados nas escolas locais.

No dia 14 de março de 2011, várias ruas e casas do Parque Mambucaba foram alagadas em razão da cheia do Rio Mambucaba. O nível da água atingiu 1,5 metro de altura no interior de alguns imóveis. Segundo a Defesa Civil de Angra dos Reis o número de desalojados chegou a 184 pessoas. O trabalho de retirada dos moradores foi realizado com botes e caminhões. As famílias foram levadas para abrigos.

De acordo com informações da APRIMAPPA (Associação Pró Rios Mambucaba e Perequê na Prevenção dos Alagamentos), na tarde do dia 19 de Janeiro de 2012, após 40 minutos de chuva foram registrados alagamentos em diversas ruas do bairro Parque Mambucaba (Figura 4), o que causou inúmeros transtornos à população local. O trânsito chegou a ser interrompido e o comércio foi obrigado a fechar as portas em alguns pontos.

No dia 03 de janeiro de 2013, houve outra inundação no Parque Mambucaba, desta vez relacionada à alta pluviosidade combinada à elevação da maré. Dezenas de pessoas ficaram desabrigadas e a rua principal foi fechada. No dia 2 de janeiro de 2016 o bairro foi afetado devido ao transbordamento do Rio Mambucaba. Cerca de 250 residências foram atingidas, principalmente na região do Residencial Paraíso.



Figura 4

Avenida Magalhães de Castro, 19 de agosto de 2012.

Fonte: APRIMAPA, 2012

A forte chuva que caiu no final de tarde do dia 22 de janeiro de 2017 deixou várias ruas alagadas no Parque Mambucaba (Figura 5), incluindo a rua 26, uma das principais ruas do bairro. Durante essa chuva a rua Francisco Magalhães de Castro (Figura 5) novamente ficou inundada.


Figura 5
Rua São José, Antiga Rua 26, 22 de janeiro de 2017
Fonte: Rádio-costazul, 2017.

O maior desastre registrado no município ocorreu na noite do dia 01 de janeiro de 2010, onde em um intervalo de 36 horas choveu cerca de 420 mm, mais do que esperado para todo o mês. Cerca de 87% do município foi afetado e dezenas de bairros tiveram registros de ocorrências envolvendo deslizamentos.

O desastre deixou milhares de desabrigados e desalojados no bairro Parque Mambucaba, onde os alagamentos atingiram altura de 1,80m em determinadas residências. Um dos acessos do bairro à BR 101 foi interrompido devido ao solapamento de um trecho da rua Y. Novamente foi decretada situação de calamidade pública e até hoje algumas obras de estabilização não foram concluídas.


Figura 6
Foto da Avenida Francisco Magalhães de Castro, em 22 de janeiro de 2017
Fonte: Rádio-costazul, 2017.

Materiais e Métodos

Para alcançar os objetivos propostos esta pesquisa foi desenvolvida em diferentes etapas. A primeira delas foi a realização de entrevistas objetivando identificar as áreas de maior risco a inundação com diferentes grupos sociais: A - Uma visão técnica com um engenheiro representante da Defesa Civil Municipal; B - Uma visão histórica com moradores antigos e lideranças locais; C - Uma visão sobre eventos recentes com alunos do ensino médio do Colégio Estadual Almirante Álvaro Alberto, localizado no bairro Parque Mambucaba.

Devido às características dos grupos foram realizadas diferentes entrevistas: com o grupo A foi uma entrevista semiestruturada; com o grupo B foram oito entrevistas não-estruturadas com questões abertas, e com o grupo C foram 20 entrevistas estruturadas e com questões fechadas, como subsídio à pesquisa da percepção e elaboração do mapeamento participativo.

Durante a segunda etapa foi elaborado o mapeamento das áreas sob ameaça de inundação segundo a metodologia participativa, com os alunos do 2º ano do ensino médio do Colégio Estadual Almirante Álvaro Alberto. O mapeamento participativo foi desenvolvido em duas fases:

● a primeira ocorreu no dia 07 de dezembro de 2017, uma oficina voltada para o (re)conhecimento do bairro Parque Mambucaba, onde foram mostradas características físicas e históricas. Os alunos desenvolveram um croqui do bairro, destacando os pontos que identificaram como mais importantes;

● a segunda ocorreu no dia 09 de março de 2018, a produção do mapeamento participativo. Nesta oficina foram exploradas as inundações do bairro, com a apresentação do histórico das ocorrências. Após uma apresentação teórica, os alunos, divididos em grupos, produziram oito mapas onde foram identificadas as áreas que inundam sempre e as áreas que inundam apenas nas chuvas extremas.

As entrevistas fechadas e o mapeamento participativo foram realizados com o mesmo grupo de alunos do Colégio Estadual Almirante Álvaro Alberto, em horários no contraturno, com total apoio da direção durante todo o processo. Na primeira fase da oficina os alunos pertenciam ao primeiro ano do ensino médio, e seu conteúdo estava relacionado ao currículo mínimo da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Dessa forma a oficina serviu como uma ferramenta pedagógica de apoio e revisão dos conteúdos de Geografia para a referida série.

Durante a terceira e última etapa foi realizada uma análise dos oito mapas produzidos e foi confeccionado um mapa síntese, comparando confluências e divergências entre os mapas participativos.

Resultados e Discussões

Análises das entrevistas

Grupo A: Entrevista com o engenheiro da Defesa Civil

Identificou o Parque Mambucaba como uma área de alta susceptibilidade a inundações, informando que elas ocorrem devido a uma combinação de chuva na Serra da Bocaina, maré alta e a chuva localizada. No entanto ainda não possuem dados específicos que indiquem a partir de qual total de chuva há inundações. As inundações mais graves iniciam pela rua Dolor Barreto e pelas ruas próximas ao rio Perequê onde é possível visualizar vários pontos de solapamento das margens e onde ocorrem inundações mesmo sem o rio transbordar quando a maré está alta.

Destacou que atualmente existe um sistema de alerta por mensagens de celulares que informa através de dados do CEMADEN sobre o risco de inundações e deslizamentos. Também ressaltou a importância da Defesa Civil na prevenção de desastres com o início de um trabalho de percepção com a população e no gerenciamento de crises, quando ocorrem as inundações. Porém, alegou que a equipe de Engenharia da Defesa Civil ainda é pequena perante a quantidade de ocorrências o que dificulta as vistorias após os eventos de inundações.

Grupo B: Entrevistas com lideranças populares do bairro

1 Grande conhecedor do bairro onde atua como corretor de imóveis, desde a década de 1990. O valor do imóvel varia de acordo com a frequência das inundações. Atualmente os terrenos próximos ao rio Mambucaba são os mais baratos pois inundam facilmente e as casas devem ser construídas sobre pilotis. Quando questionado se os compradores estavam cientes desse fato ele respondeu que as marcas nas paredes dizem tudo, só não ver quem não quer.

2 Coordenadora do Colégio Estadual Almirante Álvaro Alberto, e vive na região desde 1982. Acompanhou várias inundações no Parque Mambucaba, mas destacou a enchente das goiabas como a mais impactante e trágica de todas, ocorrida em 1983. Relatou que o volume de chuva foi tão intenso que parte do gado criado às margens do rio Mambucaba foi arrastado para o mar. Outro relato interessante foi o fato das escolas do bairro serem atingidas pelas inundações de duas formas: a primeira, quando alaga as escolas; a segunda, quando não alaga mas as mesmas são utilizadas como abrigos para as pessoas desalojadas pela inundação.

3 Diretora do Colégio Estadual Almirante Álvaro Alberto e mora no Parque Mambucaba desde o início da década de 1980. Foi morar no bairro quando ele ainda estava sendo loteado. O terreno em que sua família mora foi adquirido no loteamento realizado por Dona Iolanda, uma senhora que tinha um lote em formato de U próximo a BR 101 e que hoje abrange a Rua Y, a Rua Tancredo Neves e a Rua Carlos Drummond de Andrade. Esses loteamentos foram realizados porque o terreno alagava, então os proprietários resolveram vender por um preço muito baixo. Outra informação interessante é a respeito dos córregos que cortavam o bairro, onde existiam várias “lagoas de sapos”. Antes do loteamento, existiam poucas casas caiçaras e algumas casas que eram resquícios das antigas fazendas de café que existiam na região.

4 Professora na região há mais de 20 anos. Já passou por várias inundações, inclusive conhece muito bem as áreas que sempre inundam a ponto de recusar terrenos nessas áreas. Afirmou que mora na Boa Vista para não ter o “risco de perder sua casa para a chuva”, pois quando morava na parte “baixa” do bairro sua mãe teve que ser retirada de casa com apoio dos bombeiros, porque estava tudo alagado.

5 Comandante do Destacamento de Bombeiros Militares 1/26, localizado na entrada da Vila residencial de Mambucaba. Relatou que sempre que ocorrem chuvas fortes o grupamento é acionado para resgate de pessoas que ficam ilhadas. A maior quantidade de chamadas relacionadas a enchentes ocorre nos Parque Mambucaba, próxima aos rios Mambucaba e Perequê, onde ocorrem muitos resgates de idosos, devido a dificuldade de locomoção.

6 Pedagoga no Colégio Estadual Almirante Álvaro Alberto, vive na região há mais de 35 anos. Afirmou que passou por várias inundações e destacou uma ocorrida em 1983 como sendo a mais trágica de todas. Quando perguntada sobre os riscos das inundações afirmou que a população já se acostumou tanto que não enxerga como um risco, já se adaptaram.

7 Pesquisador e grande apaixonado por Mambucaba, onde mora desde o final da década de 1980. Segundo suas pesquisas até a década de 1960 o Parque Mambucaba era conhecido pelos nomes das fazendas que ainda existiam, com o início da ocupação passou a ser chamado de Perequê. Era um lugar com muitas áreas alagadas e morar no Perequê era mal visto. Com vergonha do nome Perequê, o proprietário fez um grande loteamento de suas terras “que não serviam para nada por serem área de várzea e estarem sempre alagadas” e chamou o loteamento de Parque Mambucaba.

Outro relato extremamente interessante é a respeito da foz do rio Mambucaba que não desembocava onde é a sua foz atualmente. Há imagens que mostram que o rio percorria a frente da igreja do Rosário e encontrava com o riacho do Engenho, percorrendo a Vila Histórica de Mambucaba antes de desembocar no mar. A foz do rio foi alterada após forte chuva associada a ventos e a maré alta, aproximadamente em 1976 ou 1977.

8 Produtora de agricultura orgânica no sertão de Mambucaba, às margens do rio Mambucaba. Essa área no médio e alto curso do rio foi demarcada há aproximadamente 50 anos. Hoje esses terrenos são sítios e estão dentro dos limites do Parque Nacional da Serra da Bocaina. Sobre as inundações, afirmou que nos períodos chuvosos acontecem grandes cheias, pontes são destruídas e os moradores ficam sem comunicação.

Grupo C: Entrevista com alunos do ensino médio

Para a análise dessas entrevistas foram elaborados gráficos com as respostas das seguintes questões: Qual a intensidade do risco de inundação a que estão expostos? Se consideram expostos ao risco de contaminação da água? Quais riscos que eles se consideram mais susceptíveis em seu local de moradia (risco ambiental, social e industrial)? Como identificam o risco que é mais impactante?

Sobre a percepção das inundações, 11,8% dos alunos identificam o Parque Mambucaba como uma área de risco muito elevado, 41,2% risco elevado, 23,5% risco médio, 17,6% risco baixo e 5,9% consideram desprezível. Essa distribuição das respostas pode estar relacionada à área do bairro onde cada aluno vive (Figura 7).


Figura 7
Gráfico sobre risco de inundações no Parque Mambucaba
autores

Sobre a contaminação da água pelas inundações, a maior parte dos alunos identifica esse risco, sendo 20,6% risco muito elevado e 38,2% risco elevado. No entanto, 14,7% apontam como baixo e 5,9% desprezível, apesar de conviverem com o retorno do esgoto nas ruas e casas quando ocorrem as inundações (Figura 8).


Figura 8 –
Gráfico sobre risco de contaminação da água após as inundações
Autores

Sobre o tipo de risco mais impactante em seu local de moradia, 41,2% das respostas identificam a violência no Parque Mambucaba, o mesmo percentual para as inundações. Apesar da contaminação da água já ter sido apontada pela maioria na questão anterior, apenas 8,8% identificaram esse risco em um novo contexto. Com os mesmos 8,8% ficou o risco nuclear, apesar da grande proximidade das usinas nucleares Angra I e II. Isso mostra que alguns episódios violentos recentes em Angra dos Reis, também estão cada vez mais presentes no bairro (Figura 9).


Figura 9
Gráfico sobre maiores riscos que impactam em seu local de moradia
Autores

- Mapeamento participativo

Em um primeiro momento, voltado para um reconhecimento do bairro, os alunos tiveram contato com uma imagem do Google Earth. A partir daí tiveram liberdade para desenvolver croquis em uma cartolina branca, onde desenharam os pontos de suas referências espaciais.

Foram reproduzidos os limites do bairro, sendo os rios Mambucaba e Perequê bem presentes como delimitadores desta unidade espacial (Figura 10). A vegetação foi representada em verde, enquanto casas e comércios foram diferenciados por cores na legenda. As ruas foram traçadas de forma paralela como se o bairro fosse planejado, bem diferente do que se observa na realidade.


Figura 10 –
Mapa mental em fase de produção, com o rio e ruas traçados.
Autores

No segundo momento para o mapeamento das áreas suscetíveis à inundação, os alunos sugeriram a divisão das inundações em eventos frequentes e extremos, que ocorrem associados a grandes índices pluviométricos, mas também a outros fatores como a maré alta e chuva na cabeceira do rio.

A oficina resultou em 8 mapas onde foram identificadas as ruas Magalhães de Castro e Dolor Barreto e a Estrada do Mercantil, como as que mais sofrem com as inundações constantes. É interessante ressaltar que a Magalhães de Castro é a principal rua de acesso ao bairro.

Durante as discussões foi consensual que a principal causa dessas inundações é a ineficiência da rede de drenagem do bairro. Muitas ruas não têm, e quando têm encontram-se sobrecarregadas por uma parte da rede de esgoto que está ligada diretamente a elas, impedindo o escoamento da água da chuva. As casas mais próximas às margens dos rios têm canaletas construídas pelos moradores para despejar o esgoto diretamente nele. Estas canaletas apresentam retorno da água quando o rio enche, mesmo que não haja inundação, afetando a área próxima com água contaminada, inclusive sobre plantações de pequenos plantios de agricultura de subsistência.

Os mapas apresentaram muitas semelhanças como, por exemplo, o fato de as ruas próximas às margens dos rios Perequê e Mambucaba sendo aquelas que inundam com maior frequência, enquanto as ruas centrais do bairro, mais distantes dos rios, inundam apenas em eventos extremos. As poucas divergências estiveram relacionadas aos espaços de vivência de cada aluno, ou seja, a percepção foi influenciada pelo cotidiano (Figura 11).


Figura 11
Mapa síntese das áreas de inundações.
Autores

Considerações Finais

Em Angra dos Reis, o contato direto da Serra do Mar com o oceano faz com que a planície costeira seja pouco desenvolvida. As poucas planícies tornaram os núcleos urbanos dispersos ao longo do município, agravando o problema municipal de infraestrutura de saneamento básico.

Assim, as inundações ocorrem não só devido à chuva forte no Parque Mambucaba ou na Serra da Bocaina, mas também é possível que ocorra na presença de maré alta combinada com chuva localizada, sendo mais frequentes do que se imagina. Este fato influencia no preço dos terrenos, mas também na regularidade com que os alunos têm dificuldade para chegar às escolas do bairro, fazendo parte do cotidiano dos moradores.

A frequência com que as inundações ocorrem no Parque Mambucaba fez com que a população naturalizasse o fenômeno. Um sintoma disso são as soluções individuais, tomadas por alguns moradores, construindo suas casas sobre pilotis. Isso mostra conhecimento do problema e o entendimento de que o risco é pequeno. A não ser aquelas inundações relacionadas a eventos extremos, que embora tenham sido mais frequentes nas últimas décadas, ocorrem em um intervalo maior de tempo, suficientemente grande para cair no esquecimento coletivo e passar a ser tratado como algo raro.

Esse comportamento está presente nas entrevistas, onde apenas 1/3 dos entrevistados reconheceram morar em uma área de risco, apesar de residirem há mais de 20 anos no bairro, mas também nas respostas dos questionários, onde os alunos são capazes de identificar as inundações como algo impactante em suas residências, no mesmo nível da violência, cada vez mais presente no município, ainda têm dificuldade de associar a primeira a uma possível contaminação da água.

O risco de contaminação da água e o surgimento de doenças é bastante elevado, pois como falta saneamento básico em parte do bairro e o esgotamento sanitário é direcionado para os rios. Quando o rio enche e seu nível eleva, o esgoto de muitas casas passa a retornar e em muitas ruas esse é o início dos episódios de inundação. Este fato associado à falta de uma rede de drenagem das águas pluviais tem se mostrado um agravante nos casos de inundação, pois a água fica concentrada devido à dificuldade de escoar. Assim, algumas ruas permanecem cheias muito tempo depois da chuva cessar, como foi possível observar relatos dos alunos durante a realização das oficinas de mapeamento participativo.

O mapeamento participativo é o início de um processo de tomada de consciência por parte da população, afirmando que todas as pessoas são agentes de seu próprio espaço, e que tais experiências podem contribuir para dar visibilidade a grupos sociais geralmente excluídos de mapeamentos oficiais. Dessa forma, o mapeamento social, aplicado em oficinas para estudantes do Segundo ano do Ensino Médio da Escola Estadual Almirante Álvaro Alberto, pôde dar visibilidade às referências espaciais compartilhadas, ao torná-los autores de seus próprios mapas, colaborando na identificação das áreas de risco a partir de um novo ponto de vista, dos que vivem o Parque Mambucaba, bem diferente dos resultados apresentados nos mapeamentos oficiais.

No entanto este processo precisa de continuidade, pois, por todos os aspectos mencionados, pode-se concluir que os riscos existem, a população convive com eles, mas a contínua expansão do bairro em consequência do aumento populacional, provavelmente ampliará esses riscos, inclusive originando novos riscos ambientais.

Material suplementar
Referências Bibliográficas
ACSELRAD, H. Mapeamentos, identidades e territórios. Cartografia social e dinâmicas territoriais: marcos para o debate. Rio de Janeiro: IPPUR/UFRJ, 2010.
BRASIL. Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9433.htm. Acesso em 22/10/2017.
FARIAS, H.S. Risco e vulnerabilidade na periferia urbana da região metropolitana do Rio de Janeiro – a Baixada Fluminense. Reconcavo: v. 6, n. 11. 2016.
GORAYEB, A.; MEIRELES, J. Cartografia social vem se consolidando como instrumento de defesa de direitos. Rede Mobilizadores, 10 fev. 2014. Disponível em: http://www.mobilizadores.org.br/wp-content/uploads/2014/07/Cartilha-Cartografia-Social.pdf
IBAMA. Plano de Manejo: Parque Nacional da Serra da Bocaina. Brasília: IBAMA/PRÓ-BOCAINA, 2001. 6v.
ICMBIO - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Plano de Manejo da Estação Ecológica de Tamoios - Fase 1/ Diagnóstico da Unidade de Conservação. 2009.
PLESSMAN, F. Unidade M03U01, Módulo M03: Introdução à Participação; in: ETTERN/IPPUR/UFRJ, Guia Para Experiências de Mapeamento Comunitário, versão livremente adaptada para o português de CTA. 2010. Rio de Janeiro, 2013.
VEYRET, Y.; RICHEMOND, N. M. O Risco, os Riscos. In: VEYRET, Y. (Org.) Os Riscos – o Homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2007.
ZANELLA, M. E.; OLIMPIO, J. L.; COSTA, M. C. L.; DANTAS, E. W. C. Vulnerabilidade socioambiental do baixo curso da bacia hidrográfica do Rio Cocó, Fortaleza-CE. Revista Sociedade e Natureza, v.25 (2), p.317-332, 2013.
Notas
Notas
[1] Mestre em Geografia pelo PPGGEO/UFRRJ, fabianafreitas.ufrrj@gmail.com.
[2] Doutor em Geografia pela UFF, Docente do Departamento de Geografia da UFRRJ, heisofa@gmail.com.

Figura 1
Localização do bairro Parque Mambucaba
Fonte: Dados CPRM

Figura 2 -
Mapa de suscetibilidade à inundação em Angra dos Reis
Fonte: CPRM

Figura 4
Avenida Magalhães de Castro, 19 de agosto de 201
Fonte: APRIMAPA, 2012

Figura 3
Mapeamento das Áreas Alagáveis no Parque Mambucaba, em Angra dos Reis
Autores


Figura 4

Avenida Magalhães de Castro, 19 de agosto de 2012.

Fonte: APRIMAPA, 2012

Figura 5
Rua São José, Antiga Rua 26, 22 de janeiro de 2017
Fonte: Rádio-costazul, 2017.

Figura 6
Foto da Avenida Francisco Magalhães de Castro, em 22 de janeiro de 2017
Fonte: Rádio-costazul, 2017.

Figura 7
Gráfico sobre risco de inundações no Parque Mambucaba
autores

Figura 8 –
Gráfico sobre risco de contaminação da água após as inundações
Autores

Figura 9
Gráfico sobre maiores riscos que impactam em seu local de moradia
Autores

Figura 10 –
Mapa mental em fase de produção, com o rio e ruas traçados.
Autores

Figura 11
Mapa síntese das áreas de inundações.
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