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“Curte, que eu chamo”. Publicações e interações de adolescentes no Facebook

Rosana Fachel de Medeiros
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Analice Dutra Pillar
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

“Curte, que eu chamo”. Publicações e interações de adolescentes no Facebook

REVCOM. Revista científica de la red de carreras de Comunicación Social, núm. 10, 2020

Universidad Nacional de La Plata

Recepção: 22 Março 2020

Aprovação: 05 Maio 2020

Resumo: Na contemporaneidade, ter em mãos um celular com câmera e com acesso à internet é um hábito trivial, principalmente para os adolescentes. Com esse aparelho eles se comunicam com os amigos e administram suas redes sociais, produzindo e publicando conteúdos em formato de textos, vídeos e imagens. Neste texto problematizamos algumas postagens textuais e imagéticas realizadas por uma estudante do 8º ano do Ensino Fundametal no Facebook. Para tanto nos apropriamos de textos de autores que discutem a relação dos jovens nas redes sociais (ROCHA e SILVA, 2015, SANTAELLA, 2015, SIBILIA, 2008, 2015 e WEIGEND, 2009). Com a análise das postagem, percebemos que a aluna busca promover uma grande visibilidade para suas fotos pessoais, estimulando com textos a participação (com comentários e reações) de seus amigos virtuais em suas postagens. Com esta análise propomos uma discussão a respeito da forma como os adolescentes interagem entre si por meio do conteúdo que produzem e publicam no Facebook.

Palavras-chave: celulares, fotografias, adolescentes, Facebook.

Resumen: En el mundo contemporáneo, para los y las adolescentes tener un celular con cámara y acceso a internet se ha convertido en un hábito. Con ese aparato se comunican con amigos/as, administran sus redes sociales, producen y publican contenidos en distintos formatos de textos, videos e imágenes. En este artículo hemos problematizado algunas publicaciones en la red social facebook realizadas por una estudiante de 8vo año escolar en el "Ensino Fundamental" (etapa educativa de brasil). Para el abordaje retomamos textos y autores que discuten la vinculación entre jóvenes y redes sociales (ROCHA e SILVA, 2015, SANTAELLA, 2015, SIBILIA, 2008, 2015 e WEIGEND, 2009). Con el análisis de las publicaciones, percibimos que la alumna busca promover una visibilidad de su fotografías personales, estimulando con posteos la participación (comentarios y reacciones) de sus amigos/as virtuales. Proponemos a través de la propuesta una discusión al respecto de la forma como los y las adolescentes se integran entre sí por medio de lo que producen y publican en Facebook.

Palabras clave: celulares, fotografías, adolescentes, Facebook.

Abstract: A cell phone with internet access and a camera has become a habit for adolescents in our contemporary world. With this gadget they communicate with friends, administer their social networks, produce and publish content in different formats including text, video and pictures. In this article we have problematized some of the publications made by an 8th grader in the “Ensino Fundamental” (a Brazilian educational level), in the Facebook social network. For this task we went back to texts and authors that discuss the links between youngsters and social networks (ROCHA and SILVA, 2015; SANTAELLA, 2015; SIBILIA, 2008; 2015 and WEIGEND, 2009). While analyzing the publications we perceived that the student seeks to promote the visibility of her personal photos, stimulating participation (comments and reactions) from her virtual friends with her posts. We propose a discussion respecting the way in which adolescents integrate between themselves by means of what they produce and publish on Facebook.

Keywords: cell phones, photographs, teenagers, Facebook, cell phones, photographs, teenagers, Facebook.

Atualmente, grande parte dos estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental possui celular com câmera e com acesso à internet, isso não é diferente na escola municipal, onde Rosana Medeiros ministra a disciplina de Artes, na cidade de Canoas, na região Metropolitana de Porto Alegre/RS/Brasil. Com os celulares em mãos os jovens se comunicam com seus amigos, realizam publicações nas redes sociais e produzem conteúdos autorais em formato de textos, vídeos e imagens.1

Na pesquisa de doutorado intitulada “Os jovens e os aparelhos celulares: visualidades contemporâneas”, Medeiros (2018) procurou analisar como os estudantes interagem com o aparelho celular e o uso que fazem desse dispositivo em rede. O trabalho teve como foco as imagens que esses estudantes colecionam em seus aparelhos móveis e aquelas que eles escolhem para compartilhar com seus amigos nas redes sociais ou a partir de aplicativos online. Nesse artigo, apresentaremos um recorte dos estudos e discussões que foram realizadas na tese. Essa escolha dará ênfase às publicações imagéticas realizadas por uma das alunas na rede social Facebook, além disso, faremos referência a alguns trechos das conversas que tivemos com a aluna e seus colegas sobre as suas publicações no referido site.

A escolha de Estela2 não foi aleatória, selecionamos essa aluna por ela ter feito parte da pesquisa de doutorado e por ela acessar e atualizar frequentemente seu perfil na referida rede social, principalmente publicando fotos. Optamos por acompanhar as publicações somente de uma das adolescentes para tornar viável a análise, tendo em vista que os jovens são muito ativos nas redes e fazem novas publicações em curtos intervalos de tempo.

Utilizaremos as publicações imagéticas da referida adolescente como amostragem para pensar sobre as postagens dos jovens na Web. Já a seleção do site Facebook se deu devido a sua popularidade entre os estudantes da escola, sendo o site mais acessado por eles. Nesse site de relacionamento os jovens compartilham publicações, expressam pensamentos, interagem com seus amigos e disponibilizam fotos frequentemente.

No entanto, o que nos tem chamado atenção nos últimos meses é a forma como os estudantes de maneira geral, e a Estela, especificamente, estimulam a participação de seus amigos em suas postagem. Constatação essa que nos possibilita inferir a importância que os jovens dão para a opinião dos amigos virtuais. Segundo Dayrell (2007) a turma de amigos é referência na trajetória da juventude: é com essa turma com quem fazem os programas, conversam e buscam formas de se afirmar diante do mundo adulto, inventando um ‘eu’ e um ‘nós’ diferentes.

Essa ansiedade pela interlocução de seus parceiros fica evidenciada a partir de frases como: “Curte, que eu chamo”, “Se gosta de mim, dá um amei”, “Vai curtindo se eu te mencionar é pq tu é importante para mim”, “Comente ‘EX’ que eu marco dois ex peguete seus, e você diz qual sente saudades! Essa eu gostei”, “Comenta ‘diz aí’ que eu falo o que acho sobre ti”. Tais frases escritas com marcas da oralidade, evidenciam a expectativa de um retorno positivo acerca do que é postado na rede social.

“Comenta ‘diz aí’ que eu falo o que acho sobre ti”

Não é novidade que a opinião dos amigos é muito importante para os jovens. A novidade está na forma virtual que essa interlocução ocorre atualmente. Hoje, muitos jovens conversam mais mediados pelas tecnologias de comunicação do que pessoalmente. Eles demonstram sentirem-se mais à vontade atrás das telas do que falando olhando no olho do seu interlocutor. Essa sensação de ‘proteção’ proporcionada pelas telas, principalmente a do celular, permite aos alunos expressarem-se sobre os mais diversificados assuntos, como, também, facilita e estimula as interações nas páginas pessoais de seus amigos.

“Pego, não pego, já peguei, tenho vontade... Solta um pontinho que eu respondo kkkk”, com essa postagem Estela quer que seus amigos respondam publicamente sobre suas paqueras e sobre o interesse de se relacionar com alguém. Conversas desse tipo são muito comuns entre adolescentes, mas com a possibilidade de comunicação em rede e em tempo real essa interação tornou-se pública. É como se, para eles, não houvesse mais segredos e nem receio de se exporem de forma demasiada. Os jovens publicam na rede seus interesses e anseios mais íntimos, publicizando o que seria da ordem do privado, do particular.

Essa mesma relação pode ser observada nas fotos que eles postam. Os jovens frequentemente disponibilizam no Facebook fotos de si mesmos e muitas dessas fotos são realizadas na intimidade de seus lares, em seus quartos, várias delas na frente do espelho. Fontcuberta (2010, p. 9) discute o fascínio do seres humanos pelos espelhos e observa que “no atual estágio de nossa civilização da imagem, os espelhos atendem à necessidade e ao anseio de nos olharmos, mas também à necessidade e ao desejo de compartilhar esse olhar”. E o autor comenta que espelhos e câmeras definem o caráter panóptico e escópico de nossa sociedade, guiada pelo prazer de olhar.

Segundo Mariane Cara (2013), os jovens passam muitas horas direcionando as energias para as atividades do universo visual nas redes. Na intensidade das experiências vividas e postadas no Facebook, o papel da imagem é intensificado e torna-se instrumento de autopromoção e subjetivação. Ao analisar a forma como as adolescentes se mostram a partir das fotografias digitais nas redes sociais, Cara (2013) utiliza a expressão “extra-visibilidade” e afirma que as adolescentes produzem e publicam imagens muito bem trabalhadas para apresentar uma corporeidade espetacular.

Com o advento da comunicação em rede, publicizar a intimidade tornou-se comum no cotidiano dos jovens. Dar visibilidade ao universo particular é tema de discussão de Paula Sibilia desde seu livro “Show do eu: a intimidade como espetáculo” (2008), em que analisa a forma como os jovens expõem as suas intimidades nos Blogs publicados na internet. Em 2015, no artigo “O universo doméstico na era da extimidade: nas artes, nas mídias e na internet”, a autora analisa as mudanças recentes na forma como a esfera íntima é apresentada, principalmente nas redes sociais, a partir da incursão das novas tecnologias de comunicação e informação. De acordo com a autora:

[...] predominam agora famosas selfies, esses au­torretratos cuja principal – e cada vez mais desesperada – função consiste em dis­putar as atenções de todos os outros, procurando dirigi-las para o próprio rosto ou umbigo. Mas a exibição do universo particular de cada um não se esgota nesses pri­meiros planos que tanto abundam: há também toneladas de fotos de férias em família e comemorações de aniversários ou casamentos, imagens de ultrassom que mostram o bebê ainda por nascer dentro da barriga da mãe e calorosas manifestações de todas as classes de sentimentos. À luz dessas novidades, caberia se perguntar: o que aconteceu com a velha intimidade, esse espaço outrora tão apreciado e zelosamente resguardado? (Sibila, 2015, p.134).

O questionamento proposto por Sibilia nos instiga a pensar sobre o que é intimidade hoje. Atualmente, os jovens passam muitas horas conectados à internet ansiosos por novas mensagens, curtidas ou comentários em suas publicações de textos e imagens. Essas imagens são predominantemente fotos que registram passeios realizados, festas em que compareceram, diferentes momentos de lazer ou ócio com amigos e familiares, além de uma quantidade infinitamente maior de registros imagéticos que mostram os próprios adolescentes em diversificadas poses, cores e edições. Com essa gigantesca exposição da própria imagem, essas fotos, e os comentários sobre elas, que eram restritos a círculos pequenos de amigos e familiares hoje proliferam nos perfis sociais dos jovens na internet para quem quiser ver. Conforme Sonia Livingstone, as crianças e os jovens da era da internet estão preparados “para se despirem de corpo e alma”, eles não têm “senso de vergonha. Nenhum senso de privacidade” (2012, p. 94). E ainda são narcisistas, falam muito sobre si e, igualmente, mostram a si mesmos nessas redes como se pedissem para serem olhados.

A enorme exposição da própria imagem na rede também é objeto de estudo dos autores Francisco Silva e Éderson Silveira (2014). Eles afirmam que uma maior visibilidade na rede para o sujeito comum o transforma em célebre anônimo ansioso por expor nas telas o que antes ocultava. Assim, a fronteira que separava o que poderia ser tornado público daquilo que era da instância privada e que precisaria ser silenciado, parece cada vez mais frágil (Silva, Silveira, 2014).

Esse desejo por ver e ser visto se dá pela grande ‘fome de realidade’ (Sibila, 2008) que aumenta o apetite pelo intenso consumo de vidas alheias e reais. Essa constatação também foi observada nas fotos publicadas pela estudante canoense, as quais são intimistas já que, muitas vezes, retratam a imagem da própria aluna. De maneira geral, suas selfies mostram diferentes versões dela mesma, na frente do espelho ou não, fazendo poses, caretas, “biquinhos”, ou sorrindo para o aparato buscando se comunicar com seus interlocutores/observadores.

O perfil de Estela no Facebook

No período de coleta de dados Estela tinha 13 anos e era estudante do 8º ano do Ensino Fundamental. No Facebook ela se apresentava como: “13 anos/ pisciana/ gremista” e, tinha 3.820 amigos nessa rede social. Sua foto de perfil era uma selfie, nessa imagem a aluna se mostrava séria, com os olhos entreabertos, maquiada e com os cabelos alisados. Ela usava um colar dourado e uma blusa justa e colorida, a foto estava acompanhada da seguinte descrição “Vamos tirar onda de tudo o que rolou”.

É importante nos mencionarmos que os jovens atualizam suas fotos do perfil frequentemente, o que não foi diferente com Estela. Quando perguntamos para a estudante se ela tinha o hábito de trocar a foto de seu perfil seguidamente ela afirmou que sim e disse, ainda, que substitui sua foto de apresentação de cinco em cinco dias, em média. Após 21 horas da atualização do seu perfil sua nova foto foi curtida 108 vezes, 23 dos seus amigos virtuais mostraram-se encantados com sua foto e três pessoas clicaram no emoticon,3 “Uau” ( ), reagindo4 à postagem da aluna.

Rosana e Estela são amigas no referido site. Assim, foi possível acompanhar as publicações imagéticas da aluna de 13 de fevereiro de 2015 até 31 de julho de 2016. Nesse período a estudante disponibilizou para seus amigos e conhecidos 86 fotos. Dessas, 79 eram selfies, sendo que, 15 desses autorretratos são da Estela com algum dos colegas da escola, 10 retratam a estudante fora do ambiente escolar com algum amigo, 4 são da jovem com algum familiar e, principalmente, as selfies são da aluna sozinha, 13 dessas fotos não apresentam quaisquer edições e, em 37 das selfies publicadas pela estudante observa-se algum tipo de efeito na imagem como: moldura, inscrições, cortes e ajustes variados de cores. Para ilustramos o tipo de foto mais recorrente nas publicações da aluna no seu perfil virtual no Facebook apresentamos duas dessas imagens.

Figura 1
Figura 1

PrntScr de uma publicação imagética no Facebook da aluna Estela5. 2015.

Fonte: Arquivo de Rosana Medeiros.

Nessa foto publicada por Estela podemos perceber que a imagem foi editada previamente para a opção “preto e branco”, a aluna também colocou efeito nas duas laterais da sua foto. Como descrição para a sua imagem a estudante escreveu “Esquece a legenda e foca no conteúdo – com 11 amigos” (acrescentou o nome de 11 amigos). A legenda escolhida por Estela para acompanhar a sua foto nos permite inferir o seu interesse em ter a sua foto visualizada, sendo a própria aluna o “conteúdo” que deve ser “focado”.

Diego Basile e Joaquín Linne (2014) analisaram fotos produzidas e publicadas no Facebook pelos jovens dos setores populares da cidade de Buenos Aires/Argentina. De acordo com os autores os adolescentes experimentam com sua própria imagem e constroem sua corporeidade enquanto provam diferentes acessórios, roupas, maquiagem, gestos e utilizam programas de edição de imagem, constatações muito parecidas com as que fizemos a partir das fotos da Estela. Outra publicação da estudante que selecionamos para apresentar aqui também é uma foto que esteve presente em seu perfil virtual.

Figura 2
Figura 2

PrntScr de uma publicação imagética no Facebook da aluna Estela

Fonte: Arquivo de Rosana Medeiros.

Essa foto, assim como a primeira, foi previamente editada pela jovem antes de publicá-la. As laterais da imagem foram desfocadas e em seu rosto a aluna acrescentou “orelhas” e “focinho” de cachorro, para realizar essa edição a estudante utilizou o aplicativo Snapchat.6 Estela não colocou legenda nessa imagem, somente marcou o nome de dois dos seus amigos virtuais nessa publicação.

Da mesma forma que na foto anterior, Estela mostra-se séria e faz “biquinho”, além disso, a aluna olha diretamente para a câmera o que dá para ambas imagens um ar intimista ao convocar o olhar de quem a vê. A estudante veste uma blusa listrada, justa e decotada. Nas duas fotos de Estela é possível notar sua preocupação com a aparência. Nelas a jovem está maquiada e bem penteada. Suas blusas são decotadas e coladas ao corpo, evidenciando seu colo. Na segunda imagem o destaque para a região do colo da menina fica ainda mais evidente e a mostra adultizada.

Os registros fotográficos da estudante ao mesmo tempo em que dão visibilidade a uma menina inocente e brincalhona, a mostram adultizada. Ou seja, a mesma jovem que faz “biquinho” para a câmera ou acrescenta desenhos engraçados as suas fotos, mostra-se sensual e erotizada. Essa constatação evidencia uma identidade plural e multifacetada.

Na contemporaneidade, o sujeito que antes era visto como tendo uma identidade unificada e estável, tornou-se “fragmentado, composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas” (Hall, 2005, p. 12). Assim, as identidades se constroem na e pela atividade. A identidade nunca é dada, é sempre construída e reconstruída, em uma incerteza maior ou menor e mais ou menos durável. É um acontecimento histórico, ela não é preexistente, justamente porque é na ação e no discurso que mostramos quem somos.

Bauman (2005) situa a identidade na pós-modernidade, a qual denomina de modernidade líquida, mencionando que nesse contexto a fixidez dá lugar à incerteza e traz consigo a possibilidade de fluidez e deslocamentos permanentes. Para Fernanda Bruno (2004), a partir da utilização das tecnologias de informação e comunicação há uma transformação no modo como os indivíduos constituem a si mesmos e modulam suas identidades, a partir, especialmente do olhar do outro. Assim, a verdade que os jovens têm a intenção de mostrar a partir das fotos que publicam, curtem ou compartilham nas redes sociais, tem uma relação direta com a aprovação ou não pelo olhar de seus interlocutores. De acordo com Basile e Linne (2014), a necessidade de experimentar com a própria imagem é uma característica dos adolescentes, para quem a aparência é fundamental, porque considera e valoriza o olhar dos outros.

O espetáculo contemporâneo, materializado nas práticas de exposição de si nas redes sociais, precisa constituir o olhar do outro e garanti-lo para si (Bruno e Pedro, 2004). Assim, muitas das fotos que os adolescentes fazem de si mesmos e publicam na internet têm como objetivo conquistar visualizações, reações e comentários. Esse interesse em promover, ou espetacularizar a própria imagem, remete, de imediato, à conceituação de Guy Debord (1997) acerca da “sociedade do espetáculo”. O espetáculo, segundo o pensamento debordiano, privilegia o parecer ao ser, já que sua estrutura é baseada na aparência, a qual carece de contemplação.

Nas fotos da adolescente fica evidente sua preocupação com a aparência e suas poses nas fotos pressupõem um observador. Sibilia (2008), utiliza a expressão “extimidade” para fazer referência à exposição da intimidade tanto nos Realitys Shows quanto nas páginas pessoais na internet. De acordo com a autora, nunca a intimidade gerou tanto interesse e curiosidade. Em relação à exposição pública da própria imagem Fernanda Bruno e Rosa Pedro pontuam que:

[...] hoje parece estar se constituindo uma subjetividade exteriorizada, onde as esferas de cuidado e controle de si se fazem na exposição pública, no alcance do olhar, escrutínio ou conhecimento do outro. O decisivo aqui é compreender que não se trata da exteriorização de uma interioridade que, já tendo se constituído, decide se expor, mas antes de uma subjetividade que se constitui no ato mesmo de se fazer visível ao outro, portanto, como exterioridade (2004, p. 13).

De acordo com as autoras, o importante é buscar compreender como as subjetividades são construídas no ato de tornarem-se visíveis. Essa hiper exposição que as páginas pessoais na internet oportunizam, faz com que pessoas comuns exponham nas telas o que antes ocultavam. O mais intrigante da espetacularização de si, ou para utilizar uma expressão cunhada por Vilém Flusser, o que mais chama atenção na “magicização da vida” (2009, p. 9) nas redes é o fato de os indivíduos desejarem publicar sua intimidade, almejando conquistar olhares alheios.

A busca incessante por ver e, principalmente, ser visto não é exclusividade dos jovens brasileiros. Essa mesma constatação pode ser observada na pesquisa realizada por Diego Basile e Joaquín Linne (2014) com os jovens argentinos, moradores da periferia de Buenos Aires, os autores perceberam que os adolescentes utilizam constantemente as ferramentas disponíveis no Facebook para apresentarem-se. De acordo com os pesquisadores as fotos que mais tem importância para esses jovens são as fotos deles mesmos e aquelas que aparecem com seus amigos.

O mundo da cultura, conforme Dayell (2007), mostra-se um espaço privilegiado de práticas e rituais, onde os jovens procuram demarcar uma identidade juvenil a partir, principalmente, da visualidade. Segundo Fontenelle (2002) vivemos na “sociedade da imagem”, na qual “estar na imagem é existir”, para a autora essa sociedade é marcada pela performance e pela produção de impressões.

Além de ser comum aos jovens a busca por visualizações e pela participação de seus amigos nas suas publicações, também é recorrente marcar os nomes de alguns deles nas fotos, algo que a Estela fez nas duas postagens que apresentamos nesse texto. Dessa forma, independente de seus amigos estarem retratados na imagem, eles têm seus perfis relacionados com a postagem.

Quando questionamos Estela e seus colegas de turma sobre o porquê da marcação de amigos em algumas de suas fotos, eles responderem que marcam seus interlocutores para ganharem mais curtidas em suas fotos. Assim, marcar os amigos nas postagens também tem como objetivo receber mais reações e comentários. A partir do site Facebook, o jovem tem a possibilidade de ver e ser visto, experiências que têm grande valor para as suas relações com seus pares.

Pensar as tecnologias de comunicação na vida dos estudantes é vislumbrar um cenário de encontros que ocorrem, principalmente, em grupos. De acordo com Recuero (2009) com o advento da comunicação mediada por telas os jovens utilizam essas tecnologias para formarem comunidades, isso se dá, por conta da violência nas cidades e pelo ritmo acelerado que vivemos, fatos que, conforme a autora, dificultariam os encontros pessoais em espaços de interação social. Dessa forma, a maneira mais recorrente de encontro e comunicação entre os jovens é através do ciberespaço, pois ao se conectarem em circuito e de forma rizomática, eles rompem as demarcações da sua comunidade, da sua cidade. De acordo com Cleomar Rocha e Margarida Silva, a lógica de interação “encontra nas redes sociais o terreno fértil das inter-relações sociais, principalmente para a juventude” (2015, p.18).

Considerações finais

Ao finalizar esse texto é importante reiterarmos que a análise de algumas das fotos postadas pela adolescente na rede social Facebook é um recorte da tese de Medeiros (2018) e, dessa forma, utilizamos as publicações da estudante como uma pequena amostragem das interações dos adolescentes nas redes, já que percebemos que eles relacionam-se de forma muito parecida, principalmente, atrás das telas.

Nas postagens de Estela nos chamou atenção a forma incisiva com a qual a aluna estimula que seus amigos virtuais participem de sua página pessoal no Facebook, ansiosa pelas opiniões desses. A necessidade que os jovens têm de aprovação dos amigos em suas publicações de textos e, principalmente, de imagens ficou evidente em nossas conversas e na análise das postagens de Estela. Esse feedback tem grande valor para os jovens e, muitas vezes, faz com que eles modifiquem determinado comentário ou deletem uma foto que não teve muitas curtidas ou reações.

Assim, na ânsia pela aprovação dos amigos, a busca por curtidas e comentários tornou-se demasiada. Estela afirma que se uma foto não tiver muitas curtidas ela deleta a foto e procura uma foto nova para publicar. Além disso, ela faz questão de evidenciar que uma de suas fotos atingiu a marca de mil curtidas, nas palavras da aluna: “Se não tiver uns 50 likes na postagem eu excluo, e nas fotos tem de ter uns 300. Eu já tive mil likes numa foto, é só olhar o meu Face”. Basile e Linne (2014) afirmam que os jovens testam o nível de eficácia das suas imagens, através dos comentários que recebem de seus amigos e a partir da quantidade de curtidas (ou, mais recentemente, pela quantidade de reações) conquistadas pelas fotos postadas.

O ato de receber curtidas e de curtir as publicações e as fotos se dá de forma cíclica, ou seja, os jovens curtem as postagens dos usuários que, em consonância, curtem suas publicações também. Segundo Weigend (2009) os jovens gostam de chamar a atenção para si e tem certeza, se dão atenção, serão retribuídos da mesma forma. Como fica evidente na fala da Estela, “Eu só curto as publicações de quem curte as minhas”. Rocha e Silva (2015) nos ajudam a pensar a respeito da relação dos jovens no ciberespaço e sobre a capacidade dos jovens em influenciar e serem influenciados pelas opiniões de seus parceiros virtuais, conforme os autores:

No ciberespaço, o jovem constrói suas relações, singulariza seu modo de existir e amplia sua capacidade de ressonar, de afetar outras existências [...] ao fazê-lo, ele se abre para experenciar processos de afetações de suas redes, tornando-se integrante de outras tantas (2015, p. 25).

Os jovens suprem suas demandas sociais com a escrita e leitura de comentários em suas postagens, com suas publicações de fotos e pensamentos, como também, através das curtidas que recebem e daquelas que retribuem aos seus amigos virtuais. Assim, de acordo com os autores, o jovem vive seu tempo com toda a intensidade sociocultural própria à sociedade contemporânea, em constante ressonância e reverberação.

Finalizamos esse texto trazendo algumas das reflexões propostas por Lúcia Santaella (2015) a partir da relação dos jovens com a conectividade em rede. A autora menciona que a atração que as redes digitais exercem sobre os jovens e a simbiose que se desenvolve na interação dos dispositivos com seus corpos e mentes como a grande característica de nosso tempo. Conforme a autora:

Nos nervos do seu sistema sensório motor, na agilidade de suas mentes distribuídas, na nova economia da atenção que manejam, nas suas competências em lidar com a hipermobilidade dos deslocamentos físicos em consonância com as conexões informacionais, são os jovens que compreendem de que estofo é verdadeiramente feito o tempo presente. É preciso estar atento a eles. Ao que têm para nos ensinar (2015, p 43).

Parafraseando Santaela (2015) poderíamos afirmar que no mundo digital em rede que vivemos e no qual nos aventuramos diariamente, ainda temos muito a aprender na interação com os adolescentes de hoje.

Referências

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Cara, M. (2013). A imagem das adolescentes na Web: a busca pela corporiedade espetacular (Tese de doutorado, Programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótic). Pontificia Universidad Católica de São Paulo.

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Santaella, L. (2015) Os jovens como termômetros do Zeitgeist. In: Rocha, C.; Santaella, L. A onipresença nas redes (pp. 31-35). – Goiânia: FUNAPE: MEDIA LAB/ CIAR/ GRÁFICA UFG.

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Notas

1 Pensar que os jovens de hoje não são somente consumidores, mas, também, produtores de conteúdos, principalmente a partir do surgimento da Web 2.0, nos remete ao conceito de “prossumidor” cunhado por Alvin Tofler na década de 80. De acordo com o autor com os avanços tecnológicos as pessoas deixam de ser espectadoras passivas e passam, cada vez com mais intensidade, a serem produtores de conteúdos na internet, praticamente sem gastos. Tofler, cita como exemplo dessa nova demanda a criação do Linux (1991) pelo jovem finlandês Linus Torvalds. Fazendo de Torvalds produtor e consumidor desse novo conteúdo.
2 Nome fictício para preservar a identidade da aluna.
3 Em inglês emotion (emoção) + icons (ícones).
4 Desde 24 de fevereiro de 2016 o Facebook acrescentou outras possibilidades de interação com as postagens e publicações. Além da opção “curtir”, os usuários podem expressar suas emoções com quatro emoticons que significam, “amei”, “haha”, “triste”, ou raiva “grrr”. Reportagem veiculada pelo site G1 “Facebook libera cinco novos botões alternativos ao ‘curtir’, disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/02/facebook-libera-cinco-novos-botoes-alternativos-ao-curtir.html Acessada em 07 nov 2016.
5 Para preservar a identidade da aluna, cobrimos seus olhos nas duas fotos. As outras edições foram realizadas pela própria estudante.
6 O Snapchat é um aplicativo criado em 2011 por Evan Spiegel, disponível para download em aparelhos celulares Android, iOS. A partir dessa ferramenta os usuários podem compartilhar vídeos e fotos, em tempo real. A particularidade deste aplicativo é que os vídeos e as imagens enviados para seus os contatos, só poderão ser vistos por alguns segundos, depois disso, eles são excluídos pelo programa automaticamente. Além disso, é possível adicionar na imagens filtros como, emojis (carinhas que expressam sentimentos e outros tipos de desenhos), geofilters (recurso para localização) e também textos. Recursos muito parecidos com esses atualmente estão disponível no aplicativo WhatsAp e no site de relacionamento Instagram.
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