Ensino de Matemática, Diversas Possibilidades

Educação Financeira: um estudo multicasos sobre a adequação de algumas escolas e a percepção de seus coordenadores pedagógicos

Financial Education: a multi-case study on the adequacy of some schools and the perception of their pedagogical coordinators

Educación financiera: un estudio de casos múltiples sobre la adecuación de algunas escuelas y la percepción de sus coordinadores pedagógicos

Andressa Crema Correa [1]
Fundação Getúlio Vargas, Brasil
Pâmela Amado Tristão [2]
Universidade Federal de Santa Maria , Brasil

Revista de Educação Matemática

Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil

ISSN: 2526-9062

ISSN-e: 1676-8868

Periodicidade: Cuatrimestral

vol. 18, e021026, 2021

sbem.sp.revista@gmail.com

Recepção: 25 Novembro 2020

Aprovação: 02 Junho 2021

Publicado: 05 Junho 2021



DOI: https://doi.org/10.37001/remat25269062v18id496

Copyright Revista de Educação Matemática 2021.

Resumo: A educação financeira tem recebido destaque nos últimos anos, podendo-se destacar a inclusão do tema na grade curricular nas escolas brasileiras. Nesse escopo, a pesquisa objetivou analisar a percepção dos coordenadores pedagógicos acerca do ensino de educação financeira para alunos da rede privada de ensino fundamental em um município da região central do Rio Grande do Sul. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa e descritiva, por meio da realização de entrevistas semiestruturadas com as responsáveis pela coordenação do ensino das escolas que abordam a educação financeira em sua grade curricular. Os resultados evidenciaram que a inclusão da educação financeira na grade curricular das escolas é recente, encontrando-se ainda em período de aperfeiçoamento. Na maioria das escolas, o tema não acompanha os alunos desde as series iniciais, além disso, os resultados evidenciaram que o tema é abordado de forma prática e fragmentado durante o ensino fundamental, de forma a instigar o aluno ao aprendizado e na busca de interação junto à família com as tarefas de casa.

Palavras-chave: Educação Financeira nas Escolas, Adequação das Práticas Escolares, Percepção dos Coordenadores.

Abstract: Financial education has been emphasized in the recent years by the theme inclusion in the curriculum of Brazilian schools. In this scope, this study aimed to analyze the perception of pedagogical coordinators about financial education taught to students in private elementary school network in the Midwest of Rio Grande do Sul. To do so, a qualitative and descriptive research was carried out based on a multiple case by semi-structured interviews with those responsible for coordinating the schools that have financial education in their curriculum. The results showed that the inclusion of financial education in the schools’ curriculum is recent and need some improvement. In most schools analyzed the theme has not followed the students since elementary levels; in addition, the results showed the use of a practical and fragmented approach along elementary school aiming the interaction with the students’ family with the homework.

Keywords: Financial Education in Schools, Adequacy of School Practices, Coordinators’ Perception.

Resumen: La educación financiera ha cobrado protagonismo en los últimos años, con énfasis en la inclusión del tema en el currículo de las escuelas brasileñas. En este ámbito, la investigación tuvo como objetivo analizar la percepción de los coordinadores pedagógicos sobre la enseñanza de la educación financiera a los estudiantes de la red de escuelas primarias privadas en una ciudad de la región central de Rio Grande do Sul. Para ello, una investigación cualitativa y descriptiva Se llevó a cabo, con el estudio de múltiples casos, mediante la realización de entrevistas semiestructuradas con los responsables de coordinar la docencia de las escuelas que abordan la educación financiera en su currículo. Los resultados mostraron que la inclusión de la educación financiera en el plan de estudios de las escuelas es reciente y aún se encuentra en un período de mejora. En la mayoría de las escuelas, el tema no ha seguido a los estudiantes desde los grados iniciales, además, los resultados mostraron que el tema se aborda de manera práctica y fragmentada durante la escuela primaria con el fin de instigar al estudiante a aprender y, en la búsqueda de interacción con la familia con la tarea.

Palabras clave: Educación financiera en las escuelas, Adecuación de las prácticas escolares, Percepción de los coordinadores.

1. Introdução

O conceito relacionado a finanças ultrapassa, hoje em dia, o mundo empresarial e chega ao ambiente familiar como forma de planejamento e controle dos recursos financeiros diários. A relevância da gestão dos recursos, tanto familiar quanto pessoal está voltada ao comportamento dos indivíduos, haja visto que suas decisões financeiras são influenciadas por diversos fatores como conhecimento sobre taxas de juros, inflação e rentabilidade. Nesse contexto, é possível mencionar a importância do tema no contexto familiar e pessoal, o qual recebe destaque por meio da educação financeira que, conforme a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Organization for Economic Co-operation and Development- OECD, 2005) consiste no processo em que consumidores/avaliadores melhoram sua compreensão em relação aos conceitos e produtos financeiros, de maneira a buscar orientação e instrução para desenvolver confiança e competência mediante oportunidades e riscos.

Nesse contexto, é estabelecida a educação financeira infantil e de jovens, a qual objetiva ensinar o manejo do dinheiro de forma equilibrada e sustentável, adicionando aos currículos escolares assuntos relacionados a gestão financeira e consumo. Embora essa realidade não seja efetivamente encontrada em uma larga parcela das escolas brasileiras, esse cenário tem apresentado mudanças haja visto o esforço de entidades para incluir a educação financeira à grade curricular de ensino. Dentre elas se destacam as ações da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), instituída pelo decreto nº 7.397, de 22 de dezembro de 2010 e alterações exigidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por meio do (Parecer CNE/CEB nº 11/2010 e Resolução CNE/CEB nº 7/201023), homologada posteriormente pelo MEC em 2018.

Essa última estipula que, dentre outras diretrizes, todas as escolas brasileiras, públicas e privadas, devem abordar a educação financeira por meio de conceitos como taxas de juros, inflação, aplicações financeiras e investimentos desde o ensino infantil, passando pelo ensino fundamental e médio. Mediante a importância do tema, bem como sua adoção no ambiente escolar, diante das alterações exigidas, a presente pesquisa teve como objetivo geral analisar a percepção[3] dos coordenadores pedagógicos acerca do ensino de educação financeira para alunos da rede privada de ensino fundamental em um município da região central do estado do Rio Grande do Sul.

A relevância do estudo da educação financeira está pautada na capacidade de proporcionar aos que dela se beneficiem, elementos teóricos essenciais para a tomada de decisão financeira sobre aspectos práticos (DORNELA et al., 2014), de maneira a conscientizar os indivíduos a saber dosar seus gastos, diminuindo a possibilidade de passar por dificuldades financeiras em alguma parte da vida (ZUPAN, 2009). Para Caldas (2011) e Destefani (2015), a necessidade de adoção das práticas de educação financeiras em escolas surge em função de que muitas das compras da família são, hoje em dia, influenciadas pelas crianças, envoltos por uma cultura extremamente consumista, evidenciando a necessidade de que eles saibam como devem ou não gastar seu dinheiro e de sua família.

Ademais, tem-se ainda como motivação para a pesquisa, os altos níveis de inadimplência dos brasileiros observados nos últimos anos. Segundo os dados emitidos pelo Relatório da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC-CNC, 2014), aproximadamente 62% das famílias brasileiras afirmaram ter algum tipo de dívida, o que representa, em números absolutos, 9 milhões de pessoas. Ainda de acordo com os dados da pesquisa, 20% das famílias possuíam contas em atraso, das quais muitas não tinham condições de quitá-las. Diante do cenário brasileiro atual, ensinar o consumo consciente é fundamental (SOUZA, 2012).

Os fatores elucidados recentemente têm motivado o interesse de pesquisa sobre o referido tema, os quais envolvem a compreensão e práticas de educação financeira em diversos os níveis, sobremaneira, na infância. Dentre as pesquisas já realizadas, cabe mencionar o trabalho de Souza (2012), ao enfatizar a educação financeira como ferramenta a ser aplicada desde a infância, construindo bases equilibradas de relação com o dinheiro na vida adulta e; Dornela et al. (2014), os quais concluíram pela importância do ensino do tema para que crianças e jovens possam ter uma vida adulta financeiramente saudável, tornando-os ao longo de seu desenvolvimento, mais responsáveis, conscientes e comprometidos com o futuro. Recentemente, Ramon e Trevisan (2019) ao analisar o ensino da educação financeira nas redes pública e privada, evidenciaram a dificuldade dos alunos na aplicação dos conceitos relacionados ao tema.

Mediante o exposto, a presente pesquisa inova pelo fato de questionar os coordenadores pedagógicos sobre o ensino de educação financeira nas escolas da rede privada de ensino que possuem o tema em sua grade curricular, verificando a importância da educação financeira para desenvolvimento econômico e social dos alunos, bem como sua adequação em função das alterações solicitadas pela BNCC. É possível ainda argumentar sobre a relação do tema de pesquisa com o desenvolvimento econômico do país, visto que o conhecimento na área auxilia na formação de indivíduos financeiramente conscientes, influenciando positivamente no desenvolvimento econômico do país.

O estudo está organizado em cinco sessões. Após essa breve introdução, é apresentado o referencial teórico que embasa a pesquisa. A sessão três apresenta os procedimentos metodológicos para o alcance do objetivo da pesquisa. Posteriormente, a sessão quatro apresenta a discussão dos principais resultados e, por fim, são apresentadas as conclusões e limitações do estudo.

2. Educação Financeira

A educação financeira visa a compreensão do funcionamento do dinheiro, tornando-se, portanto, requisito fundamental para os indivíduos inseridos em um sistema capitalista, sendo necessária a conscientização das pessoas sobre como dosar seus gastos, de maneira a minimizar a possibilidade de passar por dificuldades financeiras em alguma parte da vida (ZUPAN, 2009; LIMA et al., 2016). Para Campos et al. (2015) sua adoção é capaz de promover o desenvolvimento econômico, haja visto que a qualidade das decisões financeiras dos indivíduos influencia a economia como um todo, uma vez que tais questões estão relacionadas aos níveis de endividamento e inadimplência pessoal, assim como na capacidade de investimento.

Para Teixeira (2015), a educação financeira está voltada não apenas a aprender a economizar, cortar gastos, poupar e acumular dinheiro, mas também, buscar por melhor qualidade de vida, de maneira a prover segurança material necessária para a garantia de eventuais imprevistos. Nesse interim, é possível inferir que indivíduos educados financeiramente sejam capazes de mudar suas preferências e administrar seu comportamento de consumo de forma eficiente, gerando então, economias; de forma a buscar melhor qualidade de vida e proporcionando segurança material necessária para obter garantia para eventuais imprevistos (TEIXEIRA, 2015). De maneira contrária, a falta de conhecimento sobre finanças, para Dornela et al. (2014), muitas vezes, tem por consequência o excesso de endividamento.

Especificamente no Brasil, é possível afirmar que até poucos anos atrás o tema tinha nenhuma ou pouca ênfase. Para Souza (2012) o tema passou a ganhar destaque por meio de iniciativas de órgãos públicos e de fomento ao ensino, fazendo com que a discussão sobre educação financeira ocorresse em âmbito escolar e, ainda de maneira muito limitada no âmbito familiar; seguindo a tendência de países desenvolvidos, os quais implantaram a disciplina de educação financeira em seus currículos escolares (ZUPAN, 2009),

É possível inferir que o Brasil, ainda que a passos lentos, caminha em direção à disseminação da educação financeira, haja visto que, embora o sistema educacional brasileiro tenha sido insuficiente no aspecto relacionado à educação financeira e econômica no final dos anos 90 e início dos anos 2000, quando não era observada preocupação em relação ao tema (DETONI e LIMA, 2009); tem tentado disseminar a educação financeira de maneira mais significativa nos anos recentes. A exemplo disso, é possível citar a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) e alterações exigidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que objetivam a promoção da educação financeira e previdenciária por meio de ações voltadas a inclusão nas escolas.

A ENEF busca contribuir para o fortalecimento da cidadania, de maneira a proporcionar ações que ajudem na tomada de decisões financeiras permitindo a interligação entre quatro pontos principais: a) Disseminar a educação financeira e previdenciária; b) Promover a tomada de decisões conscientes e autônomas e; c) Aumentar a eficiência e solidez do sistema financeiro brasileiro e; d) Fortalecer a cidadania. Especificamente a BNCC, homologada pelo Ministério da Educação (MEC) em 2018, enfatiza a exploração da educação financeira como tema transversal, a ser abordada de maneira interdisciplinar em diferentes disciplinas.

Dessa forma, conceitos básicos de economia e finanças devem visar a educação financeira dos alunos, favorecendo, além de questões sobre consumo, trabalho e dinheiro, um estudo interdisciplinar, envolvendo as dimensões culturais, sócias, políticas e psicológicas (BRASIL, 2018). O documento evidencia, igualmente, as habilidades a serem desenvolvidas em âmbito escolar que envolvem resolver e elaborar questões de proporcionalidade, sem fazer uso da “regra de três”, utilizando estratégias pessoais, cálculo mental e calculadora em contextos de educação financeira, entre outros. (BRASIL, 2018, p. 301).

É debatida ainda, a necessidade de elaboração e resolução de problemas que envolvam porcentagens, com a ideia de aplicação de percentuais sucessivos e a determinação das taxas percentuais, com o uso de tecnologias digitais no contexto da educação financeira (BRASIL, 2018, p. 317), abrangendo ainda, conceitos matemáticos no planejamento, execução e análise de ações envolvendo a utilização de aplicativos e criação de planilhas para controle de orçamento familiar, cálculos de juros simples e compostos para guiar a tomada de decisões (BRASIL, 2018, p.534).

Mediante os argumentos recentemente apresentados, se torna evidente que os conceitos relacionados à educação financeira não devem se limitar apenas aos indivíduos com ganho salarial, já que, para Ramon e Trevisan (2019), abordar o assunto entre crianças e jovens passa a ser fundamental para a economia do país e para a qualidade de vida futura.

A educação financeira voltada às crianças e jovens possibilita para D’Aquino (2008) o conhecimento de como ganhar dinheiro, ser capaz de poupar e saber como gastar de forma eficiente. Assim, tem-se na educação financeira infantil e de jovens um importante passo na tentativa de transformar sociedades financeiramente despreparadas, dando origem a uma geração de investidores e consumidores mais conscientes e responsáveis (KASSARDJIAN, 2013). Para o autor, esse deve ser o primeiro passo na tentativa de transformar sociedades financeiramente despreparadas, em uma geração de investidores e consumidores conscientes, criando bases para que na vida adulta, na qual as crianças e jovens possam ter uma relação saudável, equilibrada e responsável com o dinheiro.

Souza (2012) defende a inclusão do estudo do tema nos currículos escolares, sendo necessária a doção de abordagens didáticas que possibilitem a compreensão da criança, de forma que os objetivos de aprendizado possam evoluir a cada serie. Para Detoni e Lima (2009), defende que quando aplicados os conhecimentos adjacentes à educação financeira, como inflação, taxa de juros, rendimento, endividamento etc., estes poderão ser utilizados em demais fases da vida dos indivíduos, preparando-os para o futuro. Souza (2012) afirma que, se as noções básicas de finanças fossem passadas em sala de aula, os estudantes deixariam a escola tendo o conhecimento de como ganhar dinheiro e, principalmente, sabendo o que fazer com ele depois de tê-lo ganho. Em consonância, Campos (2011) sugere que o tema seja abordado nas escolas através de um espaço de discussão sob diferentes perspectivas em que os alunos possam debater e escutar os argumentos dos demais, propiciando a interação de crianças e adolescentes, objetivando o destaque do tema na fase adulta.

A educação financeira em âmbito escolar, mais do que nunca, precisa ser valorizada, já que os tempos mudaram e para o sustento da família, pai e mãe trabalham fora estando o papel de educar está cada vez mais voltado às escolas.

3. Metodologia

Tendo em vista o objetivo de identificar a percepção dos coordenadores pedagógicos acerca do ensino da educação financeira em âmbito escolar, a pesquisa é de natureza qualitativa que segundo Richardson (1999, p. 90): “Pode ser caracterizada como a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelo entrevistado”.

Quanto aos objetivos, a pesquisa classifica-se como descritiva, pois procurou analisar de forma sucinta relações entre variáveis com o intuito de desvendar a ocorrência do fenômeno em estudo, para isso, contendo registros a respeito do que foi observado, não podendo haver qualquer tipo de manipulação (CERVO et al., 2009), apresentando descrição das características de uma determinada população, visando descobrir a existência de associações entre variáveis (GIL, 2002). Também, quanto aos objetivos a presente pesquisa é classificada como exploratória, pois permite maior familiaridade com o problema (GIL, 2002).

Quanto ao procedimento, a pesquisa consiste em um estudo de caso múltiplo que conforme Marconi e Lakatos (2003), tem como procedimento de pesquisa a investigação de um ou mais fenômenos dentro de um contexto local. Complementarmente, Yin (2001) afirma que o estudo de caso múltiplo enfrenta uma situação única em que terá muitas variáveis de interesse.

Para a definição da população e amostra de escolas para o presente estudo, foi necessário recorrer à Coordenadoria Regional da Educação do município estudado com o objetivo de identificar as escolhas privadas ofertantes do ensino fundamental, que totalizam dezesseis. Constatou-se, por meio do contato com a direção escolar e coordenadoria pedagógica, que seis delas abordam a educação financeira no conteúdo programático de algumas disciplinas. Dessas seis escolas particulares de ensino fundamental que abordam a educação financeira e, portanto, poderiam constituir a amostra de pesquisa do presente estudo, apenas três delas mostraram-se interessadas em participar da presente pesquisa.

Cabe mencionar ainda que, objetivando a manutenção dos princípios éticos da pesquisa, foi evidenciado aos respondentes que aceiraram participar da pesquisa de forma voluntária, que não se tratava de uma pesquisa com a existência de respostas certas ou erradas e ainda, que informações como o nome e localização da escola, bem como informações relacionadas aos coordenadores pedagógicos não seriam divulgados de forma explícita, evitando a identificação das escolas e dos coordenadores. Para tanto, optou-se por identificar as escolas como Escola 1, Escola 2 e Escola 3.

Para a coleta de dados junto às escolas que aceitaram participar da pesquisa, foi realizada entrevista semiestruturada, na qual foram abordadas perguntas relacionadas ao tema, realizadas diretamente aos coordenadores pedagógicos das escolas que compõem a amostra. O roteiro de entrevista foi dividido em três blocos, o primeiro abrangeu o perfil do docente entrevistado e da escola; o segundo abordou perguntas relacionadas ao ensino da educação financeira na escola e; por fim, o terceiro e último bloco, foi composto por perguntas relacionadas à percepção do ensino de educação financeira pelo coordenador pedagógico. As entrevistas foram realizadas ao longo de duas semanas, as quais tiveram duração de, em média, 25 minutos cada uma.

As evidências ou dados obtidos por meio das entrevistas foram analisados de forma qualitativa e interpretativa. Dessa forma, as entrevistas realizadas foram gravadas e, posteriormente transcritas e, as informações fornecidas utilizadas para possibilitar o contraste entre o conhecimento empírico-científico acerca do ensino da educação financeira e a abordagem utilizada nas escolas estudadas, bem como objetivando a coleta de informações que permitissem expor a percepção dos entrevistados acerca do tema.

Para a análise do conteúdo dessas transcrições foi utilizado o método de análise de conteúdo que, para Bardin (2011), refere-se a um conjunto de técnicas de análise das comunicações cujo objetivo é obter procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens que permitam a inferência de conhecimento relativos às condições de produção e recepção. A escolha pela realização desta análise ocorreu em função das características dos dados obtidos, bem como pela possibilidade de identificar em trechos das falas, fragmentos que possam ser utilizados de forma a confrontar os aspectos teóricos/científicos e práticos do ensino da educação financeira, uma vez que de acordo com Câmara (2013), ao abordar tal método o pesquisador busca compreender as características, estruturas e modelos que estão por trás dos fragmentos das mensagens tornados em consideração.

A síntese dos resultados é apresentada na seção posterior nas análises realizadas a partir dos dados coletados na empresa pesquisada.

4. Resultados

Sendo o objetivo da presente pesquisa analisar a percepção dos coordenadores pedagógicos acerca do ensino de educação financeira para alunos da rede privada de ensino fundamental em um município do Rio Grande do Sul, este capítulo tem por finalidade analisar os resultados obtidos por meio da realização das entrevistas semiestruturadas com as coordenadores das escolas que abordam a educação financeira e ainda, discutir acerca da preparação das instituições pesquisadas quanto à implantação da obrigatoriedade do ensino do tema.

Inicialmente, foi realizado um levantamento do número de escolas privadas que possuem o ensino de educação financeira em sua grade curricular. Conforme exposto no capítulo anterior, foi realizada pesquisa junto Coordenadoria Regional da Educação do município estudado, a qual evidenciou a existência de dezesseis escolas ofertantes do ensino fundamental. Foi realizado então, um levantamento junto aos coordenadores pedagógicos destas acerca do ensino e abordagem da educação financeira na grade curricular, a qual evidenciou um total de seis escolas.

A etapa posterior consistiu na realização das entrevistas semiestruturadas com as coordenadoras pedagógicas destas escolas, sendo possível a realização dessa etapa com apenas três escolas, cujos coordenadores mostraram-se interessados em participar da pesquisa. Para tanto, utilizou-se um roteiro de perguntas dividido em três blocos; o primeiro se referiu ao perfil da escola e do coordenador pedagógico; o segundo abordou perguntas relacionadas ao ensino de educação financeira na escola e, por fim, o terceiro sobre a percepção dos coordenadores pedagógicos acerca do ensino do tema nas escolas.

Conforme exposto, questões relacionadas aos perfis dos coordenadores e, também das escolas foram abordadas no primeiro bloco. As informações encontram-se apresentados no Quadro 01, que expõe o perfil das entrevistadas, sendo todas do gênero feminino. Evidencia-se maior tempo de atuação nas escolas das respondentes das escolas 1 e 2, ao passo que a coordenadora pedagógica da terceira escola possui maior experiência no cargo. Em termos de formação, a coordenadora da escola 2 possui formação complementar na área, além da graduação em pedagogia. Em relação ao perfil das instituições, as escolas 2 e 3 apresentam maior número de alunos, tanto total, quanto matriculados no ensino fundamental.

Quadro 01
Perfil dos coordenadores pedagógicos e da escola
Coordenador pedagógico Escola 1 Escola 2 Escola 3
Gênero: Feminino Feminino Feminino
Área de formação: Pedagogia Magistério, Pedagogia, Tecnologia Educacional e Espec. em alfabetização. Pedagogia
Tempo de atuação na instituição: 19 anos 19 anos 7 anos
Tempo de atuação no cargo: 1 ano 4 anos 7 anos
Instituição Escola 1 Escola 2 Escola 3
Número de alunos: 266 1461 1043
Número de alunos no ensino fundamental: 266 829 755
Fonte: Elaborado pelos autores com base na entrevista

O segundo bloco do roteiro de perguntas, apresentadas no Quadro 02, apresenta os principais pontos da entrevista acerca do ensino de educação financeira e as atividades relacionadas ao tema ministrado nas escolas.

Com base nos argumentos obtidos por meio dos questionamentos realizados, pode-se inferir que as escolas 1 e 3 justificaram que a inclusão do tema na grade curricular se deve ao fato de que a escola mantenedora a nível Brasil incluiu o tema, obrigando as demais unidades (dentre elas as estudadas) a abordar o tema da mesma forma. A escola 1, por sua vez, inseriu a disciplina a partir do ano de 2018.

Quadro 02
O ensino de educação financeira
Pergunta Escola 1 Escola 2 Escola 3
De quem foi à iniciativa para inserir o tema Educação Financeira na grade curricular da instituição? “...algumas escolas da rede já utilizavam...” “...observação referente aos valores monetários altos que as crianças traziam para comprar lanche e os cuidados com seus objetos pessoais...” “...faz parte da matriz brasileira...”
Existe uma disciplina específica para Educação Financeira na instituição? “...ela está dentro da disciplina de matemática...” “...dentro do conteúdo programático da disciplina de matemática...” “...ela está dentro da disciplina de matemática...”
Há quanto tempo a abordagem faz parte da grade curricular da instituição? 2 anos 3 anos 4 anos
Qual a metodologia de estudo adotada? Como o tema é abordado em sala de aula? “...não existe uma regra fixa...” “...vídeos, palestras, supermercado online, loja simulada física...” “...impostômetro, cálculo de imposto em cima de diversos produtos...”
Quais os conteúdos referentes ao tema são ensinados para os alunos? “... economia e poupança, planejamento financeiro, valor das coisas e investimento e lucro...” “... valor do dinheiro, comparação de preço, eu e o dinheiro, custos familiares e educação fiscal; números decimais, regra de três e a porcentagem...” “...educação fiscal...”
Como a disciplina é dividida ao longo do Ensino Fundamental? “... a partir do sexto ano são 16 atividades durante o ano em cada serie...” “...inicia no terceiro ano...” “... é matéria do sexto ano...”
De que modo o professor qualifica-se para abordar o tema em sala de aula? “...estudo do material e pesquisas extras em cima dos temas abordados...” “...semanalmente os professores reúnem-se para decidir as atividades abordadas...” “...é rotina da professora a educação fiscal...”
Fonte: Elaborado pelos autores com base na entrevista

A respondente da escola 2, por sua vez, salienta que há algum tempo já havia interesse em abordar temas mais práticos e relevantes na atualidade, principalmente, devido à comportamentos específicos dos alunos, como alto consumismo e baixa valorização dos itens pessoais utilizados na escola. O alto consumismo dentre o público infantil observado pela coordenadora que representa a escola 2 corrobora aspectos abordados ao longo da discussão teórica deste estudo e ainda, confirma o argumento de Destefani (2015), a qual afirma ser este um dos principais motivos pelo qual temas relacionados ao dinheiro levaram especialistas a incentivar a abordagem da educação financeira desde a infância e juventude. Cabe ainda ressaltar as consequências deste comportamento, ainda de acordo com a autora, acarretam o consumo desenfreado e descontrole das finanças, principais causas do endividamento da maioria das famílias brasileiras.

Destaca-se ainda, que nas três escolas o conteúdo de educação financeira é abordado na disciplina de matemática, por meio da adoção de diferentes construtos, como poupança, valor do dinheiro, investimento e lucro, custos familiares, entre outros. Esses resultados vão ao encontro dos argumentos de Teixeira (2015) ao afirmar que, na maioria das escolas o ensino da educação financeira é contextualizado na disciplina de matemática, não havendo uma disciplina específica que aborde o tema com mais particularidade. Embora seja notório um esforço por parte das escolas para a adoção do tema, seguindo as exigências da ENEF e BNCC, Ramon e Trevisan (2019) afirmam não ser suficiente a relação da educação financeira com matemática, ou matemática financeira, especificamente, sendo igualmente necessário, fazer a conexão desta com o uso de planejamento, controle e atitudes financeiras.

Embora Teixeira (2015) defenda a necessidade de abordar a educação financeira desde o início da escola básica; as falas das respondentes evidenciaram uma situação contrária, na qual a abordagem do tema pode ser considerada tardia, ao ser discutida apenas nas séries finais do ensino fundamental. Os efeitos da adoção tardia evidenciada pelas escolas pesquisadas, não se diferencia da realidade vivenciada nas escolas brasileiras, dificultando para Campos (2011), o processo de aprendizagem e assimilação dos conteúdos relacionados.

Quando questionadas sobre à metodologia de estudo adotada, as três escolas mostraram partir da prática para ensinar a educação financeira aos alunos. A escola 1 utiliza como aula prática no fim de cada capítulo, atividades dentro e fora da sala de aula, debatendo a importância de organizar o dinheiro, corroborando a adoção de atividades práticas e debates, que, para Campos (2011) facilitam a relação entre a teoria e a prática adotada por eles. Adicionalmente, para Souza (2012), o tema deve ser ensinado através de exemplificações da vida cotidiana para que a criança aprenda a lidar com o dinheiro bem como seja estimulada a solidariedade. Prática esta, identificada na escola 2, ao abordar o tema no terceiro ano do ensino fundamental através de vídeos, palestras e aulas práticas como por exemplo. A escola faz uso da dinâmica de “o supermercado online”, na qual os alunos possuem um valor em reais para compras virtuais e uma loja simulada na escola. Por meio dessas ferramentas são abordados temas como preços pagos e a prioridade de compra dos produtos. Nesta mesma escola, a educação financeira é contemplada no quinto ano do ensino fundamental ao serem ensinados os com números decimais.

Na escola 3, em acordo com Kassardjian (2013), que expõe a necessidade de abordar conceitos como inflação e impostos, o estudo da educação financeira é voltado para o sexto ano do ensino fundamental, abordando o tema educação fiscal ao serem ministrados conteúdos como números naturais, através do impostômetro e cálculo de imposto para diversos produtos e serviços como conta de luz, gasolina etc. Tal prática é realizada por meio de jogos interativos. Cabe ressaltar, no entanto, que a prática é considerada tardia pelos argumentos de Souza (2012), ao defender o ensino do tema desde as series iniciais até o final do ensino médio.

Em relação aos conteúdos ministrados em sala de aula, a escola 1 segue como temática “economia e poupança” no sexto ano do ensino fundamental, instigando a criança a ser responsável, organizada e comprometida, abordando temas como orçamento familiar e elementos do marketing como produto, preço, praça e promoção. No sétimo ano, o foco é o planejamento financeiro cotidiano relacionando a economia brasileira e o nível de endividamento. No ano seguinte, conceitos como consumo consciente e sua influência para a economia são abordadas juntamente com conceitos acerca de planejamento financeiro, compras em cartão de débito e crédito e, contas bancárias. No último ano do ensino fundamental, é realizada uma conexão mais estreita com os conceitos abordados ao longo do período em que os temas adjacentes à educação financeira são abordados, constituindo-se uma visão de planejamento financeiro pessoal futuro, obtido por meio de investimentos de curto, médio e longo prazo, bem como sua relação com custo e retorno. A continuidade de conteúdos observadas nas práticas adotadas pela escola 1, não foram evidenciadas pelas escolas 2 e 3, na qual os conteúdos abordados são selecionados pelos professores ano a ano, de acordo com a sua familiaridade com eles.

No que tange à qualificação dos professores, as coordenadoras das escolas 2 e 3 afirmaram que os docentes das disciplinas possuem formação em matemática. Embora a fala das coordenadoras tenha explicitado que os profissionais que abordam o tema se reúnam com certa regularidade, objetivando a preparação de aulas mais práticas e interativas, com sequência de conteúdo, cabe frisar o importante papel do professor, cujo foco deve ser, para Cunha (2020), motivar os alunos e seus familiares na assimilação dos conteúdos e mudanças de comportamento. Para que o conteúdo seja transmitido adequadamente, é imprescindível que os docentes entendam a importância do controle financeiro pessoal e prevejam os resultados que essa atitude pode trazer a curto, médio e longo prazo (CVM, s/d.a., p. 99). Em suma, a mediação docente deve proporcionar um ambiente de aprendizagem favorável, levando os alunos ao pensar crítico quanto à aspectos matemáticos ou não (PESSOA et al., 2018).

O Quadro 03 evidencia os resultados do terceiro bloco de perguntas por meio de trechos das falas as respondentes. Neste bloco, as coordenadoras foram questionadas quanto à sua percepção sobre a abordagem do conteúdo e, possíveis resultados futuros.

A avaliação dos coordenadores em relação à percepção dos alunos quanto aos conteúdos abordados relacionados à educação financeira, nas escolas estudadas, evidenciou aceitação e entusiasmo deles, visto ser o ensino da disciplina abordado por meio de atividades lúdicas e práticas, na qual os alunos mostram-se, normalmente, mais atentos. Especificamente a coordenadora da escola 1 ressaltou que os alunos têm interesse no tema visto ser um conteúdo novo para estes, muitas vezes nunca abordado em suas residências. A posição das famílias, relatado pela coordenadora da escola 1, evidencia o papel dos familiares na formação dos alunos, já que para Dornela et. al (2014), muitas vezes os pais apoiam o consumo errôneo como forma de suprir a distância ocasionada pela longa jornada de trabalho. Nessa situação, os pais não costumam informar seus filhos sobre a origem do capital e, principalmente, não conversam sobre planejar o futuro.

Quadro 03
Percepção dos coordenadores pedagógicos acerca do ensino de educação financeira
Pergunta Escola 1 Escola 2 Escola 3
Como você avalia a aceitação dos alunos nas disciplinas? “...eles gostam, pois é um conteúdo novo muitas vezes nunca citado em casa...” “...os alunos mostram-se animados em aulas mais práticas trazendo, exemplos de casa...” “...os alunos gostam muito do tema em função de ser uma contextualização de temas comuns em sala de aula...”
Como os alunos são avaliados quanto ao seu desempenho? “...apenas a participação nas atividades...” “...as avaliações são por trabalho e a partir do quinto ano, abordado em testes e provas...” “...avaliação por meio de pesquisas, testes e provas...”
Na sua opinião, quais os benefícios que a educação financeira ministrada nas escolas pode trazer para sociedade? “...a criança precisa saber de onde vem o dinheiro, se é possível gastar ou não para, então, saber como organizar a vida financeira...” “...fundamental! O ideal seria que todas as escolas abordassem esse tema desde o maternal, para assim, construirmos uma vida mais sustentável...” “...vivemos em um mundo consumista e capitalista, sendo necessário repassar às crianças o verdadeiro valor das coisas...”
Fonte: Elaborado pelos autores com base na entrevista

Diferentemente da escola 1, na escola 2 foi evidenciada a participação dos alunos ao trazerem exemplos da vida cotidiana em casa para a sala de aula. Para Silva (2014), a exemplificação dos pais em relação às finanças pessoais incluindo a criança em decisões financeiras importantes possibilita a associação dos temas. Complementarmente, Macedo et. al (2011), defendem a interação familiar por meio de conversas em um ambiente saudável.

Os resultados evidenciam ainda, similaridade com os resultados obtidos com as primeiras ações implementadas em escolas, entre os anos de 2010 e 2011, que apesar de envolver o ensino médio, mostraram resultados positivos, levando de acordo com a (B3- BM&FBovespa, 2012) maior proficiência e autonomia financeira e intenção de poupar, ensinando o comportamento de gastos aprimoradas e a importância da poupança, elevando consideravelmente a participação dos alunos nas finanças domiciliares.

Em termos de avaliação, os alunos são avaliados por meio da realização de atividades nas três escolas pesquisadas. Especificamente na escola 1 não são aplicados testes ou provas, diferentemente da escola 2, em que as provas sobre educação financeira iniciam a partir do quinto ano, prática semelhante à adotada pela escola 3.

No que corresponde à opinião dos coordenadores pedagógicos quanto aos benefícios da abordagem dos temas, a respondente da escola 1 ressalta a inexistência do diálogo em casa sobre o tema, reforçando a necessidade de abordar temas como a origem do dinheiro para que os alunos se tornem adultos financeiramente conscientes. Ao afirmar que a inclusão do tema é recente, a coordenadora enfatiza a participação dos alunos e o papel da escola como formador intelectual de uma criança, reforçando o argumento de que ao longo do período de convívio escolas a criança forma seu intelectual (KASSARDJIAN, 2013). A coordenadora da escola 2, por sua vez, acredita ser a abordagem do tema fundamental e de importante para a formação do aluno, já que a criança costuma ver o mundo mais contextualizado, abordando temas como este se formam cidadãos mais conscientes e tolerantes, cita.

Frente às práticas adotadas e a relevância evidenciada pela fala das coordenadoras participantes da pesquisa, cabe frisar que a educação financeira infantil, mesmo que assegurada em lei, se encontra em estágios iniciais nas escolas. Tal evidência pode ser constata pelo fato de não ter sido encontrado um número representativo de escolas que abordem o tema. Fato esse que reitera importância de estudos relacionados ao tema, assim como a soma de esforços para a reforma do ensino e a inclusão da disciplina de educação financeira, de forma a propiciar que crianças e jovens aprendam a diferenciar as necessidades de desejos e a perceber as limitações do dinheiro, estimulando um futuro financeiro melhor para suas famílias.

5. Considerações finais

A educação financeira tem ganho destaque nos últimos anos, em especial mediante iniciativas de órgãos relacionados a educação, cujo esforços têm como objetivo de aumentar o conhecimento e as competências financeiras dos estudantes e crianças nas escolas. Mediante essas alterações, as escolas têm de se adaptar e realizar a inclusão do tema em sua grade curricular, o que ainda tem se apresentado como desafio no ambiente escolar.

Frente aos desafios encontrados pelas escola na inclusão do tema, a presente pesquisa buscou analisar a percepção dos coordenadores pedagógicos acerca do ensino de educação financeira para alunos da rede privada de ensino fundamental em um município da região central do estado do Rio Grande do Sul, utilizando-se de uma abordagem qualitativa por meio da realização de um estudo multicascos, ao realizar uma entrevista semiestruturada com coordenadoras pedagógicas de três escolas com o ensino da educação financeira em sua grade curricular.

Ao confrontar a literatura sobre o ensino da educação financeira com os resultados obtidos desta pesquisa os quais, embora não possam ser generalizados para o ensino do tema como um todo, assim como não permitam traçar as características de ensino a nível nacional, permitem sugerir a existência de uma lacuna no processo ensino-aprendizagem da educação financeira, haja visto que ainda estão sendo dados os primeiros passos para a abordagem do tema e de assuntos relacionados.

Apesar disso, é possível afirmar que, dentre as escolas estudadas, as práticas corroboram a necessidade de atividades que possam interagir entre o ensino do tema e o dia a dia dos alunos, defendida por diversos autores, já que nas escolas em que o tema faz parte da grade curricular, a abordagem ocorre de maneira prática, utilizando-se de exemplificações da vida cotidiana dos alunos, de maneira a instigar a criança a aprender.

Os resultados evidenciaram ainda que a abordagem do tema acabe sendo dificultada por fatores relacionada à escassez de materiais didático-pedagógicos para serem utilizados como fonte de pesquisa, o que acarreta a dificuldade de sequenciamento dos conteúdos com o passar das séries escolares em que os alunos se encontram, ficando à escolha de cada professor o tema estudado de acordo com a sua afinidade com o assunto. Apesar das dificuldades expostas, a fala das entrevistadas evidencia a importância do tema para a formação intelectual da criança e a construção de uma sociedade mais educada financeiramente, haja visto que o estudo do tema formará indivíduos mais organizados financeiramente sabendo administrar sua vida cotidiana e profissional, sabendo lidar com a rede de consumo, reduzindo nível de endividamento do país.

Ao analisar os achados da pesquisa, sobressai-se ainda, a necessidade de um conjunto de práticas que levem a discussão crítica do tema, além da mera resolução de exercícios de matemática financeira, tonando-se ainda mais relevante o papel dos professores na mediação e fomento de discussões e questionamentos dos alunos nos ambientes de educação financeira, colaborando na formação de indivíduos mais conscientes sobre em suas tomadas de decisão.

Como limitação para a elaboração do presente estudo, cita-se o fato de poucas escolas terem incluído a abordagem do tema no decorrer das disciplinas, o que dificulta analisar a forma, por outro lado, propicia largo campo para pesquisas futuras ao comparar a abordagem na rede público e privada, de maneira a identificar as discrepâncias encontradas com o objetivo de proporcionar pareamento entre os temas abordados. Seria interessante ainda, identificar dentre as famílias dos alunos que têm o ensino do tema as mudanças em termos de consumo, gastos e poupança.

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Notas

[3] Conceitua-se percepção, para Davidoff (1983) como o processo de organizar e interpretar os dados sensoriais recebidos para desenvolver a consciência de si mesmo e do ambiente. Dessa forma, a palavra percepção é utilizada neste estudo, conforme descrito por Matos e Jardilino (2016), para informar a maneira como os respondentes percebem, avaliam e agem com relação a um determinado fenômeno, especificamente o ensino da educação financeira.

Autor notes

[1] Pós-Graduada em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Endereço para correspondência: Av. Nossa Senhora das Dores, 903, Santa Maria/RS, CEP: 97050-530.
[2] Doutora em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande (PPGA/FURG). Endereço para correspondência: Av. Itália, Km 8, s/n, Rio Grande/RS, CEP: 96201-900.

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