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Resolução de Problemas nas aulas de matemática dos anos iniciais: um estudo junto aos professores polivalentes
Maria Teresa Merino Ruz Mastroianni; Gerson Pastre de Oliveira
Maria Teresa Merino Ruz Mastroianni; Gerson Pastre de Oliveira
Resolução de Problemas nas aulas de matemática dos anos iniciais: um estudo junto aos professores polivalentes
PROBLEM SOLVING IN MATHEMATICS CLASSES AT PRIMARY EDUCATION LEVEL: AN INVESTIGATION WITH TEACHERS
RESOLUCIÓN DE PROBLEMAS EN LAS CLASES DE MATEMÁTICA DE LOS AÑOS INICIALES: UN ESTUDIO JUNTO A LOS PROFESORES POLIVALENTES
Revista de Educação Matemática, vol. 16, núm. 22, 2019
Sociedade Brasileira de Educação Matemática
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Resumen: El presente trabajo trae los resultados de una investigación realizada junto a las profesoras polivalentes de los años iniciales de una escuela de la red privada de São Paulo que investigó cuáles son sus concepciones acerca del tema Resolución de Problemas, buscando comprender de qué manera ejercen influencia en su práctica. El cuadro teórico recurre a las ideas de Guy Brousseau, específicamente aquellas relativas a la teoría de las situaciones didácticas (TSD) y al concepto de contrato didáctico. La investigación, de abordaje cualitativo, se valió de dos instrumentos distintos: un cuestionario objetivando el análisis de esas concepciones y la posterior observación de las clases de esas profesoras, buscando un enfrentamiento entre discurso y práctica. Los resultados apuntaron que los sujetos comprenden la importancia de su papel problematizador en las clases y valoran el pensamiento matemático de los estudiantes; sin embargo, todavía tienen cierta dificultad en organizar un milieu antagonista, capaz de provocar desequilibrios y avances autónomos en la construcción del conocimiento. Además, se identificaron algunos efectos del contrato didáctico, debidamente descritos.

Palabras clave: resolución de problemas,educación matemática,teoría de las situaciones didácticas,contrato didáctico,maestros de primaria..

Resumo: O presente trabalho traz os resultados de uma pesquisa realizada junto às professoras polivalentes dos anos iniciais de uma escola da rede privada de São Paulo que investigou quais são suas concepções a respeito do tema Resolução de Problemas, buscando compreender de que maneira exercem influência em sua prática. O quadro teórico recorre às ideias de Guy Brousseau, especificamente aquelas relativas à teoria das situações didáticas (TSD) e ao conceito de contrato didático. A investigação, de abordagem qualitativa, valeu-se de dois instrumentos distintos: um questionário objetivando a análise dessas concepções e a posterior observação das aulas dessas professoras, visando um confronto entre discurso e prática. Os resultados apontaram que os sujeitos compreendem a importância de seu papel problematizador nas aulas e valorizam o pensamento matemático dos alunos, contudo ainda têm certa dificuldade em organizar um milieu antagonista, capaz de provocar desequilíbrios e avanços autônomos na construção do conhecimento. Identificou-se, ainda, alguns efeitos do contrato didático, devidamente descritos.

Palavras-chave: Resolução de Problemas, Educação Matemática, Teoria das Situações Didáticas, Contrato Didático, Professoras Polivalentes..

Abstract: The present work presents the results of a research carried out with teachers of primary education of a private school located in the city of Sao Paulo. The abovementioned research investigated teachers? conceptions about problem solving approach, trying to understand how this concept exert influence in their practice. The theoretical framework was composed by ideas of Guy Brousseau, specifically those concerning the theory of didactic situations (TDS) and the concept of didactic contract. This qualitative research consisted of two distinct instruments: a questionnaire aiming at the analysis of these conceptions and the subsequent observation of the classes of these teachers, aiming at a confrontation between discourse and practice. The results showed that the subjects understand the importance of their problematizing role in the classes and value the mathematical thinking of the students; however, they still have some difficulty in organizing an antagonistic milieu, capable of provoking imbalances and autonomous advances in knowledge construction. Some effects of the didactic contract were also identified and described.

Keywords: problem solving, mathematics education, theory of didatic situations, didatic contract, primary teachers.

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Artigos Científicos

Resolução de Problemas nas aulas de matemática dos anos iniciais: um estudo junto aos professores polivalentes

PROBLEM SOLVING IN MATHEMATICS CLASSES AT PRIMARY EDUCATION LEVEL: AN INVESTIGATION WITH TEACHERS

RESOLUCIÓN DE PROBLEMAS EN LAS CLASES DE MATEMÁTICA DE LOS AÑOS INICIALES: UN ESTUDIO JUNTO A LOS PROFESORES POLIVALENTES

Maria Teresa Merino Ruz Mastroianni
Pontifícia Universidade Católica PUC- SP, Brasil
Gerson Pastre de Oliveira
Pontifícia Universidade Católica PUC-SP, Brasil
Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 1676-8868
ISSN-e: 2526-9062
Periodicidad: Cuatrimestral
vol. 16, núm. 22, 2019

Recepción: 23 Octubre 2017

Aprobación: 13 Diciembre 2017

Publicación: 01 Mayo 2019


Introdução

Os fatores que geraram o tema do trabalho que aqui relatamos originaram-se da observação exercida, na prática e em pesquisa, de aulas de Matemática dos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma escola da rede particular de São Paulo. A constatação de que muitos alunos chegavam ao final deste ciclo ainda dependentes de comentários do professor para resolver certos problemas, tornou-se, na verdade, uma inquietação. Habituados a ?buscar pistas? no enunciado para descobrirem qual operação deveriam fazer como principal recurso de resolução, mostravam-se inseguros em relação ao movimento de investigar ou mostrar procedimentos pessoais e elaborar conjecturas. As argumentações e confrontações que deveriam estar em pleno exercício, mesmo quando incentivadas, nem sempre aconteciam como prática estabelecida nas aulas.

Buscando respostas para estas observações, foi realizada, anteriormente, uma pesquisa nessa escola, no final do ano de 2009, com alunos do 5º ano do Ensino Fundamental. No estudo, após colocá-los em uma situação de resolução de problemas, foi realizada uma entrevista individual com alguns alunos, buscando entender qual a dificuldade na leitura dos problemas e porquê solicitavam constantemente ajuda da professora para compreensão dos mesmos.

Embora o foco deste estudo se direcionasse para a autonomia da leitura em problemas matemáticos ao final dos anos iniciais, os dados coletados trouxeram outros elementos, que acabaram por gerar novas questões. Esta é uma característica observável em pesquisas qualitativas: respostas obtidas podem trazer à tona outros ângulos do fenômeno analisado, indicando novos caminhos e sublinhando fatos que até então não se mostravam relevantes no cenário observado.

No âmbito destas constatações, o interesse e o foco investigativo foram direcionados para o trabalho docente, ou seja, para as professoras polivalentes e as formas como empregavam estratégias didáticas relacionadas ao processo de resolução de problemas com seus alunos. De modo geral, estas inquietações estavam ligadas à forma pela qual as docentes administravam o processo de ensino sob a perspectiva de uma trajetória na qual seus alunos estavam engajados na proposição e validação de conjecturas ligadas aos problemas em resolução.

Dessa forma, tornaram-se esses dados, vindos da voz dos próprios sujeitos de uma pesquisa qualitativa, um ponto de partida para nova investigação, direcionando o foco, dessa vez, para o professor. Podemos dizer que uma investigação sobre a atividade discente e processos de resolução de problemas gerou, indiretamente, um estudo sobre a resolução de problemas como estratégia de ensino.

A partir desse movimento é que o aspecto metodológico da resolução de problemas se delineou como uma nova hipótese e encaminhou o segundo movimento de pesquisa, ou seja, a investigação que aqui descrevemos. Preliminarmente, havíamos percebido que os resultados obtidos com os alunos trouxeram questões que apontavam com grande nitidez para a vigência e influência de um contrato didático, no sentido destacado por Brousseau (2008), e que mais adiante esclarecemos, o qual é preciso compreender de forma mais aprofundada.

Enfim, este contexto contribuiu para a eleição do quadro teórico da investigação, que inclui o conceito de contrato didático e elementos da Teoria das Situações Didáticas ( BROUSSEAU, 2008), além de contribuir para o delineamento das questões de pesquisa:

? Quais efeitos do contrato didático ocorrem na prática de professoras polivalentes dos anos iniciais de uma escola da rede particular de São Paulo, do ponto de vista do trabalho didático com resolução de problemas nas aulas de Matemática?

? De que forma as estratégias utilizadas para a resolução de problemas matemáticos por essas professoras podem ser posicionadas do ponto de vista da Teoria das Situações Didáticas?

Para responder a estes questionamentos, buscamos, inicialmente, compreender as principais ideias e proposições acerca do tema ?resolução de problemas?, de modo a posicionar nossos procedimentos de pesquisa de forma consistente. Este esforço se encontra sintetizado a seguir.

Resolução de problemas: ideias e proposições

É comum encontrarmos em relatórios de pesquisa, no cenário da educação brasileira, que, para a maioria dos alunos, resolver um problema significa fazer cálculos com os números encontrados no enunciado, buscando, já em uma primeira leitura, as palavras que indiquem as operações a serem utilizadas para a resolução. Também em nossa pesquisa anterior, realizada junto aos alunos do 5ºano, este foi um dos fatos constatados.

Este padrão nos levou a pensar se não seria desta forma que o trabalho com resolução de problemas era conduzido, ou seja, voltado para a aquisição de procedimentos/roteiros eficazes, disponíveis ao alcance do aluno para atingir uma meta, um resultado. Entretanto, podemos questionar como e quando utilizar estes procedimentos de maneira autônoma.

Neste sentido, para Echeverría e Pozo (1998),

a aprendizagem da solução de problemas somente se transformará em autônoma e espontânea se transportada para o âmbito do cotidiano, se for gerada no aluno a atitude de procurar respostas para suas próprias perguntas/problemas, se ele se habituar a questionar-se ao invés de receber somente respostas já elaboradas por outros, seja pelo livro-texto, pelo professor ou pela televisão. O verdadeiro objetivo final da aprendizagem da solução de problemas é fazer com que o aluno adquira o hábito de propor-se problemas e de resolvê-los de forma a aprender. ( p.15)

Dessa forma, muitos dos problemasque são apresentados aos alunos podem ser caracterizados como pseudoproblemas, ou seja, meros exercícios de aplicação de rotinas aprendidas por emprego e repetição, praticamente automatizadas, ?sem que o aluno saiba discernir o sentido do que está fazendo e, por conseguinte, sem que possa transferi-lo ou generalizá-lo de forma autônoma a situações novas? ( ECHEVERRÍA e POZO, 1998, p.15).

Ao contrário destes exemplos, um problema deve aguçar no estudante o desejo de resolvê-lo, porque este sente algum obstáculo nesta tarefa. De acordo com Charnay (1996,p.46), ?só há um problema se o aluno perceber uma dificuldade: uma determinada situação, que ?provoca problema? [...] há então, uma ideia de obstáculo a ser superado?. Sendo assim, então, em que momento um problema é realmente um problema ou deixa de sê-lo para caracterizar-se como exercício?

Para Echeverría e Pozo (1988), ?um problema se diferencia de um exercício, na medida em que, neste último caso, dispomos e utilizamos mecanismos que nos levam, de forma imediata à solução? (p.16). Os autores sublinham, ainda, a ideia de que a mesma situação pode, para um sujeito, representar um problema, mas para outro não.

Refletindo sobre essas questões, podemos compreender a importância que a escolha de atividades feita pelo professor tem no contexto de estratégias voltadas para a resolução de problemas, juntamente com a abordagem que este faz ao trabalhar estas atividades. Para Brousseau (2008), as concepções atuais do ensino exigirão do professor que provoque no aluno ? por meio da seleção sensata dos ?problemas? propostos ? as adaptações desejadas.

Além disso, outro aspecto emergiu de nossa fonte de dados: o da organização didática. Deste ponto de vista, adotamos a Teoria das Situações Didáticas (TSD) como referencial, no esforço de compreender, a partir da análise dos dados, os procedimentos levados a efeito pelos professores ao trabalhar com resolução de problemas em suas aulas de Matemática.

Elementos da Teoria das Situações Didáticas

A teoria em questão apoia-se em três hipóteses principais, a saber:

· O aluno aprende adaptando-se a um milieu que é fator de dificuldades, de contradições, de desequilíbrio. Esse saber, fruto da adaptação do aluno, manifesta-se pelas respostas novas, que são a prova da aprendizagem;

· O milieu não munido de intenções didáticas é insuficiente para permitir a aquisição de conhecimentos matemáticos pelo aprendiz. Para que haja esta intencionalidade didática, o professor deve criar e organizar um milieu no qual serão desenvolvidas as situações suscetíveis de provocar essas aprendizagens;

· Esse milieu e essas situações devem engajar fortemente os saberes matemáticos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. ( BROUSSEAU, 1986, P.32).

Notamos, em Brousseau (2008), a importância atribuída à organização do milieu,considerado o ambiente onde ocorrem as interações e retroações relativas à aprendizagem, e que deve ser planejado como um sistema antagonista no qual o sujeito age. É nele que se provocam mudanças visando desestabilizar o sistema didático e o surgimento de conflitos, contradições e possibilidades de construção de novos conhecimentos. Para isto concorre, preponderantemente, a intencionalidade do professor no planejamento das situações, vistas como:

O conjunto de relações estabelecidas explicitamente e/ou implicitamente entre um aluno ou um grupo de alunos, um certo milieu (contendo eventualmente instrumentos ou objetos) e um sistema educativo (o professor) para que esses alunos adquiram um saber constituído ou em constituição (BROUSSEAU, 1978, apudALMOLOUD, 2010 p.33).

Ainda segundo Brousseau (2008), nos processos de ensino e de aprendizagem, deve haver condições para que o aluno realize, ele mesmo, suas aproximações sobre determinados procedimentos e raciocínios que não são e nem deveriam ser explicitados pelo professor. Para esse autor, o que caracteriza uma situação didática, no caso da Matemática, é a natureza específica do trabalho com a resolução de problemas, ou seja, os processos investigativos que o aluno percorre para buscar a solução de algum problema, exercício ou atividade.

Assim, na prática pedagógica, não se trata de permanecer no nível da transmissão de um conhecimento; deve-se, sobretudo, trabalhar com a apresentação e com a devolução de bons problemas, ou seja, ?uma situação didática se caracteriza pelo jogo de interações do aluno com os problemas colocados pelo professor? ( ALMOULOUD, 2010, p.34). A forma como o docente propõe os problemas é chamada de devolução, no sentido de transferência de responsabilidade (o aluno tomando o problema como dele), e seu objetivo deve ser o de promover uma interação rica e que oportunize o desenvolvimento da autonomia do estudante. Desta forma, o professor deve evitar a apresentação precoce de resultados envolvendo conceitos formalizados e, sempre que possível, promover a simulação de um ambiente de pesquisa que permita aos alunos vivenciarem momentos de investigação, simulação e elaboração de hipóteses.

Nesta etapa do processo, há a necessidade de que os alunos trabalhem independentemente das intervenções diretas do professor. O aluno deve tentar superar, por seu próprio esforço, certas passagens que conduzem o raciocínio na direção de sua aprendizagem. São essas deduções racionais do aluno, realizadas sem o controle didático explícito, que caracterizam as chamadas situações adidáticas. É o momento em que o aluno se apropria das situações, como se fosse um pesquisador buscando a solução, com seus próprios passos, sem a ajuda de seu orientador (papel do professor). Desta forma, do ponto de vista da TSD, são os problemas e o processo pelo qual se buscam conjecturas e propostas de resolução que fazem movimentar o processo de aprendizagem. Ainda aqui, o papel do professor na escolha destas atividades é essencial, pois deve garantir três características fundamentais, de acordo com Brousseau (1986), apudAlmouloud (2010, p. 33):

· Permitir que o aluno aja, reflita, fale e evolua por conta própria;

· Ensejar que o estudante construa os novos conhecimentos de forma inteiramente justificada pela lógica interna da situação, ou seja, sem apelo a razões didáticas;

· Criar condições, via mediação, para que o aluno seja o principal agente na construção dos conhecimentos, a partir do problema em questão.

Ainda segundo Brousseau (1986), o trabalho dos estudantes ao longo de um percurso típico de aprendizagem envolve a passagem por dialéticas adidáticas distintas e interligadas, próprias à construção do conhecimento:

· Dialética de Ação: o aluno empenhado na solução de um problema realiza determinadas ações mais imediatas, que resultam na produção de um conhecimento de natureza mais operacional. Ocorre o predomínio do aspecto experimental do conhecimento.

· Dialética de Formulação: o aluno já utiliza, na solução do problema estudado, alguns modelos ou esquemas teóricos explícitos, além de mostrar um evidente trabalho com informações teóricas de uma forma bem mais elaborada, podendo ainda utilizar uma linguagem mais apropriada para viabilizar esse uso da teoria. Faz afirmações relativas à sua interação com o problema, mas ainda sem a intenção de julgamento da validade. Elabora conjecturas.

· Dialética de Validação: o aluno utiliza mecanismos de prova em que o saber é usado com a finalidade de validar suas conjecturas. Nessas situações, então, é preciso elaborar algum tipo de prova daquilo que já se afirmou, de outra forma, pelas dialéticas precedentes. Podem servir para confirmar, contestar ou rejeitar proposições.

Como o processo nessas situações adidáticas é, geralmente, muito amplo, faz-se necessária uma fase de institucionalização do saber,que deve ser conduzida pelo professor. Essa fase visa dar acabamento ao conhecimento elaborado pelos alunos ou mesmo trabalhar no sentido de descartar possíveis aspectos equivocados na perspectiva do conhecimento de referência. Neste momento, não se está mais numa situação adidática, pois o controle sobre o saber volta para o professor. Assim, cabe a ele organizar a síntese do conhecimento, procurando elevá-lo a um estatuto de saber que não dependa mais dos aspectos subjetivos e particulares, de modo a permitir sua confirmação face ao estatuto formal do saber matemático e sua consequente apropriação como patrimônio cognitivo de determinado grupo de estudantes.

Dentre as características consideráveis no âmbito deste processo, uma das mais relevantes é a que envolve a compreensão de que o mesmo ocorre sobre a égide de um contrato didático, sobre o qual é importante discorrer.

O Contrato Didático

Brousseau (1996) define o contrato didático como o conjunto de comportamentos específicos do professor que são esperados pelos alunos e o conjunto de comportamentos característicos dos alunos que são esperados pelo professor. Esta relação está sujeita a muitas regras e convenções, que acabam funcionando como cláusulas de um contrato. Assim, na definição do autor, esse contrato é:

uma relação que determina - explicitamente em pequena parte, mas sobretudo implicitamente ? aquilo que cada parceiro, professor e aluno, tem a responsabilidade de gerir e pelo qual será, de uma maneira ou de outra, responsável perante o outro. Este sistema de obrigações recíprocas assemelha-se a um contrato. Aquilo que aqui nos interessa é o contrato didático, ou seja, a parte deste contrato que é específica do ?conteúdo?: o conhecimento matemático visado ( BROUSSEAU, 1996, p.51).

As obrigações recíprocas que ocorrem neste meio quase nunca são explícitas, porém revelam-se principalmente quando ocorre sua transgressão, ou seja, quando ocorrem rupturas neste contrato. Dessa forma, quando o professor se depara com dificuldades ou apresenta insucessos em suas ações, ambas as partes se comportam como se estivessem unidas por um contrato que acaba de ser quebrado: ?cada um supõe compromissos por parte do outro ? um, de explicar, o outro, de entender ? e os dois tentam encontrar as cláusulas e as sanções de quebra? ( BROUSSEAU, 2008, p.76.).

A negociação contínua desse contrato pode ter por consequência, às vezes, a descaracterização dos conteúdos matemáticos e dos objetivos de aprendizagem, principalmente na manifestação do desejo do professor de que os alunos acertem os desafios propostos. Nesse sentido, tende a facilitar a tarefa de diferentes maneiras: várias e repetidas explicações, proposta de problemas que são decompostos em subquestões, ensino de pequenos truques, algoritmos e técnicas de memorização etc. São estas descaracterizações conhecidas como efeitosdo contrato didático, possuidores de natureza deletéria do ponto de vista da aprendizagem. Brousseau (1986) descreve tais constrições, que vão desde o uso de dicas e ?ajustes? para que o aluno não erre (efeito Topaze), até o uso abusivo de analogias, passando pela tendência de atribuir à qualquer manifestação do aluno, mesmo de caráter completamente trivial, o status de saber organizado, o que permitiria ao professor minimizar o tratamento de eventuais equívocos ligados ao processo de aprendizagem (efeito Jourdain).

Segundo Ricardo, Slongo e Pietrocola (2003), Brousseau faz alusão à dimensão paradoxal que permeia o contrato didático. O professor tem responsabilidades em seu papel, bem distintas do aluno, e como gerenciador deste contrato, deve respeitar seu desenvolvimento cognitivo. Vivencia uma situação em que, ao mesmo tempo em que sua mediação na relação didática se faz necessária, esta não pode revogar as condições indispensáveis para o processo de apropriação do conhecimento. O professor procura reestruturar o problema, devolvendo-o ao educando; entretanto, tal ?proximidade? provoca a constante tentação de ajudar o aluno a ser bem-sucedido, quando se trata de aprender (PERRENOUD, 1999 apud RICARDO, SLONGO e PIETROCOLA, 2003 ).

Assim, os pressupostos da TSD e as noções explicitadas na ideia de contrato didático compõem o quadro teórico da investigação que aqui relatamos, o que nos permite prosseguir, indicando os procedimentos adotados para levá-la a efeito.

Metodologia

Para responder aos questionamentos realizados nesta investigação, optamos por uma pesquisa que se caracteriza como qualitativa. Como nossas questões nasceram da própria atuação em sala de aula, é para ela que voltamos nossas lentes de observação, procurando entender os fenômenos que perpassam as aulas de Matemática dos anos iniciais, do ponto de vista da Teoria das Situações Didáticas e em particular, como se manifestam os fenômenos relativos ao contrato didático, suas rupturas e negociações, levando em conta todo o dinamismo que ocorre nesse ambiente. Outro ponto que justifica a escolha pela abordagem qualitativa é sua essência descritiva e processual, fundamental para a compreensão dos fenômenos que queremos investigar.

A escola na qual se desenvolveu a investigação pertence à rede particular de ensino e situa-se na zona oeste do Município de São Paulo. É uma escola cujos alunos/egressos obtêm boas pontuações no ENEM e nos vestibulares, e que vem, por meio de iniciativas de formação continuada dos professores, buscando aperfeiçoar seu sistema de ensino.

Os sujeitos da pesquisa aqui apresentada são seis professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Quanto à formação, quatro delas são graduadas em Pedagogia, uma em Psicologia e uma em Artes. Todas possuem especializações acadêmicas, sendo três em Psicopedagogia, uma em Neuroeducação, uma em Educação Ambiental e uma em Neurociência e Transtornos de Aprendizagem. Todas lecionam há mais de vinte anos nos anos iniciais. Os dados analisados no trabalho foram obtidos, principalmente, por meio de observações de aulas dadas pelos sujeitos da pesquisa. Além disso, um questionário com seis perguntas foi distribuído entre os mesmos. Estas questões, expostas no Quadro1, não foram o principal objeto de análise deste artigo, mas algumas respostas dadas pelas professoras surgem nas análises como elementos de confronto entre o discurso e a prática. Destacamos as respostas de uma das questões, as quais julgamos que fariam sentido na análise das aulas que optamos por destacar neste trabalho.

Ao propormos inicialmente os questionários, buscamos desvelar os perfis de cada professor, bem como investigar como compreendem estratégias didáticas ligadas à resolução de problemas, ou seja, quais suas crenças e concepções sobre o que são e como aplicá-las em suas aulas, e a maneira como anunciam suas atitudes a esse respeito em sua prática. Esse instrumento busca revelar o dinamismo interno das situações, considerando os pontos de vista dos sujeitos e a lógica que vislumbram nas vivências de suas práticas. Neste artigo, direcionamos, incialmente, o foco sobre a questão cinco, para depois estendermos a análise para excertos significativos das aulas observadas.

Quadro 1
O Questionário Aplicado às Professoras

dados da pesquisa

Sobre a questão cinco

As respostas dadas à questão cinco, cujo enunciado é ?Em aulas de Matemática, em sua opinião, o que é um problema? ?, revelaram três professoras que relacionam problemas a desafios, duas professoras que relacionam problemas a um conteúdo ou método e uma professora que relaciona problemas à habilidade (ou falta dela) de quem problematiza uma situação. Organizamos as respostas no Quadro 2.

Quadro 2
Respostas da Questão: ?Na sua opinião, o que é um problema??

dados da pesquisa

A resposta de três das professoras a esta pergunta (Joyce, Carmem e Maria Clara 1) vai ao encontro das ideias de muitos autores, como Charnay (1996), já mencionado neste texto, ao indicar as percepções de dificuldade e de superação de obstáculos como caracterizadoras de atividades que poderiam ser vistas como problemas, ou como Lester (1993 apudEcheverría e Pozzo, 1988, p.15), ao asseverar que ?uma situação em que um indivíduo ou um grupo quer ou precisa resolver e para a qual não dispõe de um caminho rápido e direto que o leve à solução?. Esta concordância também surge se compararmos as falas e suas ideias subjacentes à proposta de Onuchic (1999), que destaca, como fator preponderante à categorização da atividade como problema, o desconhecimento inicial quanto ao método de resolução por parte do aprendiz.

Para além do discurso, entretanto, é necessário observarmos se, na prática, os participantes da pesquisa também se utilizam de um modelo desafiador na condução das atividades sob sua regência. Isto porque, de acordo com Echeverría e Pozo (1998), muitos alunos acreditam haver somente uma forma de resolver as tarefas e desafios matemáticos, considerando a Matemática uma ciência ?acabada e fechada em si mesma?, não permitindo qualquer tipo de criação ou mesmo inovação. Neste sentido, a atuação do professor, ao examinar de forma conjunta diferentes procedimentos trazidos por diferentes alunos e incorporá-los à discussão, pode contribuir para quebrar essa imagem e incentivar a autonomia nessas situações, fugindo do estigma da obrigatoriedade de aplicação de conteúdos já estudados na resolução, de maneira isolada.

Por outro lado, as respostas de Marília e Fernanda trazem implícita esta abordagem, na qual os conceitos aprendidos são os que devem ser colocados em prática na hora da resolução de um problema e que deve haver um método para isso. Identificamos aqui, a concepção influenciada pelos trabalhos de Polya (2006), que vê a resolução de problemas como um processo em que se aplicam conhecimentos previamente adquiridos a situações novas. Ainda que este discurso propugne uma valorização mais do processo de resolução do que da resposta em si, as implicações, em termos de ensino, passam a ser um olhar mais centralizado em procedimentos ou passos utilizados para se chegar à solução; contudo, esse olhar não incide para o desenvolvimento de conceitos por meio da resolução de problemas nas aulas de Matemática, como na modelagem matemática, de acordo com as ideias de English e Sriraman (2010).

A resposta da professora Ana traz à tona a problematização feita pelo professor, porém, não é esclarecedora no sentido de distinguir problemas de exercícios. Se ?tudo pode ser um problema?, exercícios que não são desafiadores e não mobilizam o aluno não poderiam estar inclusos aí, embora ela diferencie-os como sistematizaçãoe chame-os de treino.

Como já se mencionou, neste trabalho, destacamos os excertos significativos de uma das cinco aulas observadas, escolhida por ilustrar alguns dos fenômenos discutidos.

Análises relativas à observação
A prática da professora Marília: uma aula no quinto ano

Esta professora optou por usar uma aula prevista no planejamento mensal do quinto ano, pelo qual é responsável. A proposta do documento era que ela trouxesse para os alunos um problema de travessia 2, a fim de variar o repertório de problemas não convencionais trabalhados com eles. O enunciado do problema era o seguinte: ?Era uma vez um pai e dois filhos. O pai tinha 80 kg, o menino, 40 kg e a menina, 35 kg. Eles tinham de atravessar um rio. Por sorte, os três sabiam remar e encontraram um bote na margem. Só que, junto ao bote, havia um aviso assustador: Não se afogue! O bote suporta, no máximo, 85 kg. Faça deduções, elabore hipóteses e descubra: nessas condições, de que maneira os três poderão atravessar o rio utilizando o bote? Escreva e explique sua resposta?.

Quando chegamos, os alunos do quinto ano já estavam organizados em duplas.

P: Coloquem o nome e a série. Bom hoje a gente vai fazer um problema... Qual é o nome que está escrito no alto da folha?

C: Desafio!

P:Na verdade é um desafio porque vocês vão ver que é um problema...Todos os problemas a gente resolve com conta, com o algoritmo? Sim ou Não? [Alguns alunos disseram sim, outros não]

P: Alguma vez vocês já resolveram algum problema que não tenha algoritmo, ou conta pra gente fazer?

[Alguns alunos disseram que sim]

P: Então, acontece às vezes, né? [Alguns responderam sim e outros falaram não]

P: Vamos ver.... Então a gente tem um problema aqui, que vocês vão discutir com a sua dupla. É um problema de... na verdade de lógica, pra gente pensar como é que a gente vai fazer esta situação-problema. Porque muitas vezes, o que que acontece: vocês sempre estão buscando que conta é pra fazer... Então, é pra gente pensar um pouquinho que nem sempre a gente precisa, pra resolver algum problema, fazer uma conta, que é o que vai acontecer aqui. Então na dupla, vocês vão ler o problema. Eu vou passar pra ver a discussão de vocês na dupla, que é importante; e, depois, a gente vê se vem pra lousa pra gente colocar soluções diferentes que apareceram aí. Tudo bem?

Consideramos que a professora, em seu discurso, enfatizou a importância das interações entre os alunos nas duplas, valorizando o processo investigativo. Procurou desmistificar para os alunos uma crença relativa ao contrato didático, de acordo com as ideias de Chevallard (1988), na qual os alunos entendem que, em Matemática, resolve-se um problema efetuando-se operações e que a tarefa deles é encontrar a boa operação e efetuá-la corretamente. Porém, antecipou que este era um problema que não seria resolvido pelo algoritmo, prevendo algumas ações e estratégias que deveriam ser mobilizadas por eles. Em sua mediação, enquanto se esperava a ocorrência da dialética de Formulação,de acordo com Brousseau (1988), ela deveria evitar intervir sobre o conteúdo.

Ainda nesse sentido, compreendemos que ela nomeou este problema como sendo de lógica, para reforçar a ideia de que não precisariam usar algoritmos para a resolução. No final da aula, alegou estar em dúvida se este era mesmo um problema de lógica, pois não apresentava nenhum tipo de tabela, como são os problemas deste tipo com os quais já trabalhou. A este respeito, podemos recordar a resposta dada por ela à segunda pergunta do questionário, sobre a forma pela qual desenvolve este trabalho: em algumas resoluções os alunos sentam em dupla. Os alunos recebem uns 5 problemas (convencional) e iniciam a resolução. Chamo alguns alunos para colocarem suas resoluções na lousa, discutimos cada uma delas. Também trabalhei com problemas de lógica.

No confronto entre seu discurso e sua prática, percebemos que compreende o tipo de problema mencionado (lógica) como não-convencional, pelo fato de permitir estratégias diferenciadas de resolução ao invés de operações matemáticas.

Stancanelli (2001), de fato, classifica problemas de lógica de maneira análoga a esta ideia. De outro modo, porém, podemos observar que o problema apresentado pressupõe algum raciocínio numérico e emprega operações de adição, o que indica que tais problemas não precisam representar opostos diametrais em relação aos chamados problemas numéricos:

Problemas de Lógica ? são problemas que fornecem uma proposta de resolução cuja base não é numérica, que exigem raciocínio dedutivo e propiciam uma experiência rica para o desenvolvimento de operações de pensamento como previsão e checagem, levantamento de hipóteses, busca de suposições, análise e classificação ( STANCANELLI, 2001, p. 114)

Podemos observar, na sequência de trechos extraídos da aula 3, que a professora, ao ouvir as argumentações dos alunos, contesta suas respostas e resoluções, cobrando-lhes a operação ou cálculo como validação da resposta, passando-lhe despercebida a dicotomia com seu discurso inicial.

[A classe estava barulhenta, mas todos estavam envolvidos na discussão. A professora começou a passar pelas duplas, perguntando como estavam resolvendo]

P: Já... Como vocês pensaram?

A1: Primeiro, vão eles dois. Aí depois volta a menina. Aí depois a menina fica aqui e o pai vai. Aí depois volta o menino e pega a menina e os dois vão juntos.

P: Ahn ... e aí? Faz a conta pra gente ver se é isso mesmo...Será que deu? Porque eles têm.... Têm, olha lá, o quilo olha... vê se dá...faz a conta... deu setenta e cinco quilos?

A2: Eles têm setenta e cinco quilos.

P: Como você pode comprovar isso, com conta ou escrevendo...pensem aí na resposta.

[Os alunos somam quarenta quilos mais trinta e cinco quilos...Depois observou outra dupla que discutia e a chamou]

A3: Professora, vem aqui. Professora, vai o filho e depois o pai?

A4: Mas o bote vai estar do outro lado...

A3: É.?Só se o pai for remando primeiro...

A4: Ah, porque esse pai não faz um regime...? [risos]

P: Oh, vamos lá; calma, fala de novo, quem vai primeiro?

A3: O pai.

P: Tá. E a minha pergunta foi: e como que o barco vai voltar? [Silêncio...] pensem de novo...

A3: Acho que já sei...vai os dois meninos... Aí vai... volta um...

A4: Aí um menino fica aqui - [aponta pro outro lado do rio] - aí vai o pai, aí volta a criança e volta... eeeeee [comemoraram] [A professora foi em outra dupla]

P: Vamos lá, como é que é?

A5: Vão os dois meninos, aí volta um...

P: Volta um qualquer? Pode ser um ou o outro?

A5: É. Não... não sei...é, volta um qualquer.

P: Por que que pode ser um ou outro? ´

A5: Por que cabe no bote, dá pra segurar...

P: Ah, tá por causa do peso...

A5:Ai volta o menino por exemplo, aí vai o pai, ai volta a menina, aí pega o menino e vai...

P:Tá bom...Legal! Agora tem que registrar. Vamos ver como vocês conseguem escrever isso... E o quilo, deu? Vocês olharam isso? Fizeram a conta dos quilos?

A: Primeiro vamos somar... [e começaram a fazer os cálculos] [A professora foi em outra dupla, muitos já tinham resolvido, mas estavam, a pedido dela, registrando a resposta no espaço]

P: Vocês terminaram? Explica pra mim como vocês pensaram?

A6: Vamos explicar pra ela, vai. Vai as duas crianças, aí volta a menina, aí vai o pai depois, aí volta o menino e pega o outro menino.

P: E não passou o peso em nenhum momento?

A: Não.

P: Como vocês podem mostrar pra mim que não passou?

A6: Porque 40 + 35 = 75, então aí volta 35 que é da menina, aí vai o pai que é 80, sozinho, que cabe... depois volta o menininho que é 40 e depois pega a menininha que é 35 e vai, que dá 75.

[As duplas chegavam todas à solução e, como viram alguns explicando, queriam também explicar. A professora perguntou em uma dupla]

P: Vocês chegaram à conclusão juntos?

A7: Mais ou menos.

P: Mais ou menos? Como que foi essa discussão.

A8: É foi junto.

P:Tá bom vocês falaram pra mim, como é que é? Fica a menina... e volta o menino?

A8: Não, fica o menino e volta a menina.

P: E pode ser o contrário ou não? Em vez de ficar o menino, fica a menina e vai o outro? Dá certo isso? Sim ou não?

A8: Sim.

P: Por que que daria?

A8: Porque ficaria assim, parecido.

P: Então vamos lá. Vocês olharam o peso dele?

A7: Sim o pai oitenta, ela trinta e cinco e ele quarenta.

P: Então faz diferença voltar um ou outro, um primeiro ou o outro ou tanto faz?

A7: Ah, tanto faz.

P: Por que tanto faz? Que conta você tem que fazer pra saber se é tanto faz?

A7: Quarenta mais trinta... e cinco...

P: Mais? Pensa..., quem que vai junto na volta? Quanto é o peso do pai?

A8: Oitenta.

P: Então você tem que contar o peso do pai mais...

A8: Mas aí não daria porque passaria...porque o pai tem oitenta, aí passaria, caberia só mais cinco...

P: Exatamente! Por isso que ele tem que ir...? [os dois alunos responderam juntos: ?Sozinho! ?]

P: Muito bem. [Questionou outras duplas que deram a resposta] Mas não passa o peso?

A9:Não porque o pai é oitenta e o pai já está lá, e eles dois juntos dá setenta e cinco quilos, daí eles voltam... [Mais uma dupla anunciou a resposta correta. Ela fez o mesmo questionamento, perguntando se fazia diferença voltar um ou outro. A professora ouviu ainda mais duplas que queriam contar como resolveram. A classe estava barulhenta pois os que já tinham resolvido contado e registrado conversavam. Em todas as duplas que ouviu fez a mesma pergunta (se fazia diferença uma ou outra das crianças voltarem)

A análise das mediações da professora com as duplas nos leva a pensar que ela dá espaço para os alunos interagirem com seus pares e argumentarem entre si, mas acaba por induzi-los ao que considera como validação da resposta. Constatamos também, em nossa análise, que a professora tinha pouco repertório de questionamentos para este problema: praticamente um único foi feito aos alunos, que era perguntar sobre a ordem dos garotos na volta da travessia. A uma dupla, perguntou sobre como o barco voltaria, fazendo-os refletir sobre a resposta que tinham produzido. Além destes, somente a verificação pelo cálculo foi sugerida. Isso nos leva a refletir sobre a argumentação de Brousseau (2008) quando se refere à seleção sensata dos problemas propostos, os quais devem fazer, pela própria dinâmica da situação, que o aluno evolua. O professor deve ter consciência da escolha feita e avaliar o grau de dificuldade ou de desafio na proposta.

Além disso, ao intervir desta forma, a professora põe em questão todo o trabalho envidado pelos alunos na dialética de validação. Ao antecipar etapas da institucionalização, a professora cria prejuízos para a proposta de construção do conhecimento. Esta tentativa de obter justificativas formais indica a resistência que a docente apresenta a um contrato didático distinto daquele que prevê respostas em certo formato para as questões propostas. Finalmente, ao fornecer ?pistas? e apontar antecipações por meio de dicas em sua fala com os estudantes, incorre no efeito do contrato didático denominado Topaze ( Brousseau, 2008), ou seja, no momento em que o aluno encontra alguma dificuldade, o professor tende a criar condições para que o aluno supere esta dificuldade e avance, esquecendo-se, porém, do engajamento que deveria ter o discente nesse processo. Neste caso, então,

A resposta que o aluno deve dar é previamente determinada. O professor escolhe as perguntas que a podem provocar. É claro que os conhecimentos necessários para a produção dessas respostas mudam de significação. Fazendo perguntas cada vez mais fáceis, tenta obter o máximo de significação do máximo de alunos ( BROUSSEAU, 2008, p.80).

Como todas as duplas já tinham respondido, não havia mais o que contestar. A professora procurou-nos e disse:

P: Acho que já deu... esse problema deu pista que foi fácil, dá pra procurar outros mais difíceis... Eu ia fazer o Painel de Solução mas não tem mais sentido. [Optou por fazer um fechamento da aula focando na forma em como registraram as conclusões]

P: Pessoal, atenção ? [disse para a classe chamando a atenção de todos que iam parando de conversar].- Eu fui passando pra ver as resoluções e percebi que todos vocês chegaram à solução do problema. Só que cada um registrou, ou escreveu, lógico, da sua maneira. Aí eu queria que vocês fossem me falando como cada um registrou para eu ir escrevendo na lousa. Aí vocês vão perguntar: é pra apagar o que eu fiz, pra copiar o que você fez na lousa? Não. Esse que eu vou por na lousa, vou escrever num papel pra gente ter depois a resposta de todos vocês; a gente vai tentar montar uma resposta comum, da classe. Então não apaguem nada do que vocês escreveram: (...)

Os alunos foram falando os passos da resolução e ela foi escrevendo na lousa. Alguns solicitaram pequenas mudanças, apenas troca de palavras. Nesse registro não houve nenhuma menção numérica, apenas a sequência de ações realizadas pelas personagens. Todavia, oralmente, na elaboração do texto coletivo, retomou a pergunta sobre a ordem das crianças na volta do bote e os cálculos com os pesos. A classe repetia em coro, já muito dispersos.

Observamos que a professora teve a percepção de que o Painel de Soluções 4 era desnecessário e refletiu sobre o grau de dificuldade desta e de uma próxima atividade. Quando ia encerrar, um aluno levantou a mão dizendo que este problema foi fácil porque já haviam feito um bem mais difícil na aula de computação. A professora novamente deu voz aos alunos:

P: Então, o Paulo falou que na aula de computação vocês fizeram um problema de travessia. Quem disse que foi mais difícil que esse?

A10: Era mais difícil porque tinha um tempo pra fazer.

P: Ah, tinha um tempo... E tinha essa questão dos quilos?

C: Não.

P: Agora eu sei porque vocês acharam este tão fácil, porque já fizeram um mais difícil...

Neste encerramento, notamos mais uma vez a valorização, por esta professora, dos processos de raciocínio e pensamento dos alunos. A docente oferece também uma discussão coletiva sobre o texto final, lançando a ideia de que não devem apagar o seu, mas compará-lo. No final, então, a institucionalização conseguiu recuperar alguns elementos importantes do trabalho investigativo.

Não podemos deixar de mencionar uma dificuldade na gestão do trabalho didático por esta professora: Brousseau (2008) indica que a estruturação de situações ricas, do ponto de vista da atividade cognitiva dos alunos, depende, em grande parte, da seleção de bons problemas. Tal seleção foi prejudicada aqui, uma vez que aspectos característicos do problema enquanto estruturador de um milieu antagonista não existiram: os alunos já haviam trabalhado com problemas semelhantes, em condições ainda mais adversas.

Dessa forma, pudemos inferir nesta situação que, para este sujeito, faltou clareza quanto ao que ensinar, o que acaba prejudicando a intencionalidade didática essencial ao milieu, tornando-o insuficiente para provocar no aluno o processo dialético de construção de conhecimentos que se pretende que ocorra.

Resta afirmar, também, que a escolha da aula aqui analisada serviu como forma de sintetizar e ilustrar os dados disponíveis e analisados no processo mais amplo de pesquisa ( MASTROIANNI, 2014); além disso, o posicionamento da professora em questão pode ser visto como típico, no sentido de expressar a forma como o grupo de sujeitos encara e pratica a resolução de problemas em aulas de Matemática.

Considerações Finais

A observação (e respectiva análise) da aula aqui apresentada como recorte de um cenário mais amplo, permitem indicar uma síntese, com destaque para os principais aspectos que foram alvo de nossa investigação. No geral, as ideias que emergiram da prática, principalmente, e da fala dos sujeitos, subsidiariamente, destacam que a professora cuja aula foi observada reconhece a importância da resolução de problemas como estratégia didática ou método de ensino. Entretanto, as dicotomias entre o trabalho promotor de autonomia, advindo do discurso, e a prática direcionadora e pouco favorável às descobertas, surgiram em vários momentos.

Na fala dos sujeitos, foram destacados aspectos diferenciais e importantes da resolução de problemas como método de ensino, bem como a importância de problematizar e propor desafios nas aulas de Matemática como forma de incentivar o processo investigativo e o trânsito dos alunos por dialéticas que os habilitariam a uma aprendizagem autônoma e solidificada. Entretanto, um primeiro paradoxo pode ser percebido quando todas as professoras localizam em suas aulas momentos específicos para a realização deste trabalho, previstos no planejamento, ou seja, partes da abordagem didática ligadas a esta prática, enquanto o restante do tempo didático permaneceria disponível às abordagens vistas como tradicionais.

Além disso, nas aulas ou momentos destinados a esta abordagem, pudemos perceber que se preocupam em ensinar os alunos a resolver problemas,tendo como foco o uso de heurísticas, estratégias e outras ferramentas. Percebemos também que, de maneira geral, entendem como dificuldade a não aplicabilidade imediata dos conteúdos aprendidos nas resoluções, o que nos leva a pensar que acreditam na utilização da resolução de problemas depois da formalização dos conceitos, como abordagem instituída implicitamente em sua prática, e não para introdução dos mesmos. Portanto, neste aspecto há um descompasso entre seu discurso e a prática na sala de aula. Andrade e Onuchic (1998) enfatizam que, de modo geral, o professor ao atuar no ensino de Matemática, não tem clareza da distinção entre resolução de problemas tratada como metodologia de ensino ou como aplicação de algoritmos e procedimentos. A ocorrência de efeitos de contrato didático destinados a propor relaxamentos para a condição antagonista do milieu indicam, também, uma ruptura indesejada no trabalho dos alunos ao longo das dialéticas de ação, formulação e validação, propostas por Brousseau (1986).

As observações das aulas, de um modo geral, e da que descrevemos aqui, em particular, trouxeram um panorama sobre a prática da resolução de problemas nos anos iniciais desta instituição e fizeram emergir alguns aspectos que condizem com nossos focos de observação na problemática investigada, os quais gostaríamos de salientar, por agregarem sentido às questões geradoras desse estudo. Deste modo, destacamos nas aulas dos sujeitos desta pesquisa:

· A apresentação de problemas aos alunos e não a devolução dos mesmos;

· A escolha de exercícios pelo professor, no lugar de problemas;

· Os problemas propostos foram resolvidos, majoritariamente, por operações ou algoritmos;

· Ocorreu, nas aulas observadas, um processo de resolução solitário, diferente da proposta de Brousseu (2008), que indica a importância das interações investigativas. Apesar de estarem organizados em duplas, muitos alunos resolveram o problema sem trocar informações com os parceiros; em alguns casos, o processo de realização foi individual e silencioso;

· Painel de soluções no final, em boa parte dos casos, ou intervenção institucionalizadora docente;

· Postura do professor sempre pronta a valorizar o pensamento do aluno, mesmo quando tal pensamento contém erros;

· Ausência do papel mediador do professor durante o processo investigativo; seu protagonismo nessa situação ocorre na plenária final;

· Ocorre uma correção coletiva e exposição de resultados em alguns momentos no painel de soluções; há um direcionamento na discussão, por parte do professor, no sentido de encontrar e corrigir os erros. A expectativa pelas respostas certas é notória e o foco em tratar o erro fica mais em evidência na proposta do que a priorização de discussões e confrontações pela turma;

· Elementos reveladores da prevalência de um contrato didático de caráter prescritivo, de acordo com Brousseau (2008), e a ocorrência de alguns de seus efeitos;

· No fechamento da aula, intuitivamente, as posturas metodológicas das professoras aproximam-se do modelo da dialética de institucionalização, porém, nem sempre ocorre a construção de novos significados.

Destacamos ainda que os sujeitos desta investigação tendem a valorizar o pensamento dos estudantes, porém é notável a dimensão paradoxal, vivenciada por eles, com relação ao contrato didático ( RICARDO, SLONGO e PIETROCOLA, 2003). Este paradoxo permeia suas mediações como gerenciadores do contrato. Assim, o foco das mediações, que permanece na correção dos enganos, desimpedimento dos entraves, esclarecimento dos erros e fala organizada, frequentemente se encerra na figura do professor. Nessa instância, muitas vezes pudemos evidenciar que o professor, sem perceber, se apropria da fala do aluno, explicitando seus raciocínios, entendimentos e até mesmo suas dúvidas.

Enfim, podemos concluir que os professores polivalentes, sujeitos dessa pesquisa, entendem a relevância de seu papel problematizador nas aulas de matemática, contudo, ainda é difícil para eles organizar um milieu antagonista, que provoque desequilíbrios e adaptações nos estudantes. Os alunos, por sua vez, acabaram se acostumando a deixar o processo investigativo ser conduzido pelo professor no final, desistindo de insistir diante dos entraves que aparecem no caminho.

Mediante a natureza de todas essas reflexões e a partir da literatura consultada sobre a prática da resolução de problemas, concepções dos professores a esse respeito e demais assuntos abordados neste trabalho, compreendemos a importância da utilização do espaço da sala de aula como ambiente voltado à investigação dos problemas relacionados ao ensino e aprendizagem na matemática. Segundo Weisz (2000), a análise de situações de sala de aula é, talvez, a estratégia que mais dados fornece para a reflexão. De acordo com a autora, este procedimento cria questões que dão sentido ao estudo da bibliografia, nos fazendo enxergar outras perspectivas, ajudando a refletir e criar propostas de intervenção. Assim, podemos concluir que, com base em ações ligadas às pesquisas como a que aqui apresentamos, outras contribuições podem ser feitas, no sentido de estudar, propor e refletir sobre estratégias didáticas que priorizem a construção do conhecimento do aluno com base em cenários que favoreçam sua autonomia. Este parece ser um contributo desta investigação à área de Educação Matemática, que pode se ampliar à medida que outros trabalhos prossigam nesta seara.

Material suplementario
Referências
ALMOULOUD, S. A . Fundamentos da didática da matemática. Curitiba: UFPR, 2010.
BROUSSEAU, G. Introdução ao Estudo das Situações Didáticas. São Paulo: Ática, 2008.
BROUSSEAU, G. Fundamentos e Métodos da Didática da Matemática. In:, BRUN, J (Org.). Didática das Matemáticas. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.
BROUSSEAU, Guy Introdução ao Estudo das Situações Didáticas- Conteúdos e Métodos de Ensino. São Paulo, Ática, 2008.
CHARNAY, Ronald. Aprendendo (com) a resolução de problemas. In: PARRA, C; SAIZ, I (Org.). Didática da matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artmed, 1996.
ECHEVERRÍA, M. P; POZO, J. I. Aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprende.. In: POZO, J. I. (Org.) A solução de problemas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.
ENGLISH, L, SRIRAMAN, B. Theories of Mathematics Education:Seeking New Frontiers. Amsterdã: Springer, 2010.
MASTROIANNI, M.T. M.R. Resolução de problemas nas aulas de Matemática: um estudo junto aos professores dos anos iniciais. 2014. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.
ONUCHIC, L.R. Ensino-Aprendizagem de matemática através da resolução de problemas. In: BICUDO, M. A. V. (Org). Pesquisa em Educação Matemática. São Paulo: UNESP, p. 199-218, 1999.
POLYA, G. A Arte de Resolver Problemas. Rio de Janeiro: Interciência, 2006.
PONTE, João Pedro da. Investigações Matemáticas na sala de aula. João Pedro da Ponte, Joana Brocardo, Hélia Oliveira. ? Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
RICARDO, E; SLONGO, I; PIETROCOLA, M. A perturbação do contrato didático e o gerenciamento dos paradoxos.Revista Investigações em Ensino de Ciências,v.8, n.2, ago.2003. Disponível em: http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol8/n2/v8_n2_a4.html. Acesso em: 10/12/2014.
SILVA, B. A. O Contrato Didático. In: MACHADO, S. D. A. (Org.).Educação Matemática: uma (nova) introdução. São Paulo: EDUC, 2010.
STANCANELLI, R . Conhecendo diferentes tipos de problema. In: SMOLE, K.S., DINIZ, M.I. Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática.Artmed, Porto Alegre, 2001.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
WEISZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo, Ática, 2000.
Notas
Notas
1 Os nomes mencionados neste trabalho são fictícios e foram usados desta forma para preservar a identidade dos sujeitos
2 Esse tipo de problema é assim denominado pelo grupo que faz assessoria externa aos professores. De forma geral, são problemas envolvendo espaços de estados, com operadores, estados iniciais e finais e operações que levam (ou não) aos estados finais, por meio de heurísticas.
3 Optamos, nesta transcrição e nas demais, pela manutenção das falas originais, sem corrigir os eventuais erros gramaticais, que registram integralmente o que foi dito.
4 Segundo explicações dos sujeitos, o painel de soluções consiste em uma plenária, apresentada sempre ao final do trabalho com os problemas, na qual são discutidas as soluções apresentadas por cada aluno ou grupo envolvido.
Notas de autor
Doutoranda em Educação Matemática pela PUC-SP, Mestre Profissional Em Ensino de Matemática, PUC-SP (2014), Especialização em Fundamentos do Ensino da Matemática, da área de Ciências Exatas e Tecnológicas, pela Universidade de Franca UNIFRAN, em parceria com o Grupo Mathema Formação e Pesquisa. Professora e Assessora Pedagógica da Educação Infantil e Ensino Fundamental 1 no Colégio Albert Sabin.
Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), líder do grupo de pesquisa ?Educação e Tecnologia? (Edutec/UNIP), membro do grupo de pesquisa "Processo de Ensino e Aprendizagem em Matemática" (PEA-MAT), mestre e doutor em Educação (USP). Atua como docente nas áreas de Ciência da Computação,
Quadro 1
O Questionário Aplicado às Professoras

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Quadro 2
Respostas da Questão: ?Na sua opinião, o que é um problema??

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