Artigos Científicos

Como ajudar Laura a comprar um carro: uma Sequência Didática para a Educação Financeira de alunos do Ensino Médio

How to help Laura buy a car: a Didactic Sequence for the Financial Education of students of High School

Cómo ayudar a Laura a comprar un coche: una Secuencia de Enseñanza para la Educación Financiera de estudiantes de la Escuela Secundaria

Aline Amanda Sodré
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Brasil
Marger da Conceição Ventura Viana
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Brasil
Edmilson Minoru Torisu
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Brasil

Revista de Educação Matemática

Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil

ISSN: 2526-9062

ISSN-e: 1676-8868

Periodicidade: Cuatrimestral

vol. 17, núm. 1, 2020

sbem.sp.revista@gmail.com

Recepção: 14 Outubro 2019

Aprovação: 10 Janeiro 2020

Publicado: 16 Fevereiro 2020



DOI: https://doi.org/10.37001/remat25269062v17id308

Copyright Revista de Educação Matemática 2020.

Resumo: Educar-se financeiramente parece ser necessidade premente de muitas pessoas ao redor do mundo a fim de resolver problemas relacionados ao mau uso do dinheiro. Este artigo apresenta o recorte de uma pesquisa de Mestrado em Educação Matemática, de cunho qualitativo, cujo objetivo foi desvelar contribuições de uma sequência didática para a Educação Financeira de alunos do primeiro ano do Ensino Médio. Assim, os dados foram coletados por meio do registro dessas atividades, de gravações em áudio e do questionário. As análises mostraram que essa sequência didática, da forma como foi organizada, permitiu que os alunos tivessem, entre outros ganhos, introdução ao universo do dinheiro para tomar posições sobre questões financeiras, e autonomia para tomar decisões e posições críticas sobre questões financeiras da vida pessoal, familiar e social.

Palavras-chave: Educação Financeira, Sequências Didáticas, Educação Matemática.

Abstract: Financial education seems to be a urgent need for many people around the world in order to solve problems related to the misuse of money. This article presents a cut of a master's research in Mathematics Education, of qualitative nature, whose objective was to unveil contributions of a didactic sequence for the Financial Education of first year students of the High School. The data were collected through records of the activities that composed the sequence, audio recordings and questionnaire. The analysis showed that the sequence, as it was organized, allowed students, among other things: Introduction to the universe of money to take positions on financial issues and Autonomy for making decisions and critical positions on financial matters of personal life, family and social.

Keywords: Financial Education, Didactic Sequence, Mathematics Education.

Resumen: Educarse financieramente parece ser una necesidad apremiante para muchas personas en todo el mundo para resolver problemas relacionados con el mal uso del dinero. Este artículo presenta un recorte de una investigación cualitativa de una maestría en Educación Matemática, cuyo objetivo era revelar las contribuciones de una secuencia didáctica a la Educación Financiera de los estudiantes de primer año de secundaria. Los datos fueron recolectados a través de registros de las actividades que componían la secuencia, grabaciones de audio y cuestionarios. El análisis mostró que la secuencia, como estaba organizada, permitía a los estudiantes, entre otras cosas: Introducción al universo del dinero para tomar posiciones en asuntos financieros y Autonomía para la toma de decisiones y posiciones críticas en asuntos financieros de la vida personal, familiar y social.

Palabras clave: Educación Financiera, Secuencias Didácticas, Educación Matemática.

Introdução

Educar-se financeiramente parece ser necessidade de muitas pessoas, em qualquer ponto do mundo, a fim de resolver problemas relacionados ao mau uso do dinheiro. O presidente do Banco Central do Brasil, por exemplo, em entrevista concedida a um site de notícias, em 14 de maio de 2018, disse: "uma melhor educação financeira implica uma demanda e uso mais responsável e adequado do crédito, um menor risco de endividamento excessivo e, portanto, uma menor inadimplência". Portanto uma população educada financeiramente pode contribuir, de forma importante, para a saúde da economia do país.

Preocupado com a questão, o Governo Federal estabeleceu, em dezembro de 2010, pelo Decreto Presidencial n.o 7397, a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), cujo objetivo é “estimular na população o consumo responsável, assegurando a conscientização dos riscos assumidos pelos consumidores nos processos de endividamento” (GONÇALVES, 2015, p.1). Para isso, ele se inspirou no conceito de Educação Financeira da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), segundo a qual “a Educação Financeira deve começar na escola. As pessoas devem ser educadas sobre assuntos financeiros o mais cedo possível em suas vidas” (OCDE, 2005). Trata-se de uma área importante para a vida dos alunos, pois os ajuda a gerir seu dinheiro durante o desenvolvimento como cidadãos e influencia hábitos e atitudes financeiras. Sendo assim, conclui-se que estudar conteúdos da Matemática Financeira na escola, visando à Educação Financeira, é fundamental na formação dos alunos no sentido de capacitá-los para tomar decisões que, no conjunto, podem impactar economicamente a sociedade.

Nos últimos anos, várias pesquisas em Educação Matemática têm se preocupado em trazer à discussão a necessidade da Educação Financeira na escola (SILVA; POWELL, 2013; RASCHEN, 2016; DIAS, 2015). Isso demonstra, em alguma medida, a importância da discussão do tema no âmbito acadêmico, com esperadas consequências nos âmbitos escolar e social.

Em vista disso, este artigo apresenta o recorte de uma dissertação do Mestrado em Educação Matemática cujo objetivo foi investigar contribuições de sequências didáticas, segundo a Teoria das Situações Didáticas, no processo de Educação Financeira de alunos do 1.º ano do Ensino Médio. O texto está dividido da seguinte maneira: na primeira seção, apresentamos uma discussão sobre Educação Financeira Escolar; na segunda seção, apresentamos, de forma sucinta, a teoria desenvolvida por Guy Brousseau e, na terceira seção, apresentamos a metodologia. Foram escolhidos os dados de duas situações da parte empírica para análise à luz do referencial teórico adotado. Por fim, apresentamos as Considerações Finais.

Educação Financeira Escolar

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) de 2000 têm o objetivo de estabelecer uma organização no ensino da Matemática de forma que, ao considerar alunos que possuem “diferentes motivações, interesses e capacidades”, criem “condições para a sua inserção num mundo em mudança” e contribuam “para desenvolver as capacidades que deles serão exigidas em sua vida social e profissional” (BRASIL, 2000, p.40).

Uma das áreas da Matemática que podem trazer significado para os alunos, na vida social e profissional, é a Matemática Financeira, que tem “importância para a apropriação dos significados nas relações econômicas e financeiras e o desenvolvimento do raciocínio lógico” (SCHNEIDER, 2008, p. 31). Entretanto o significado dos conceitos aprendidos na Matemática Financeira só ocorre quando são apresentados em situações-problema que sejam, pelo menos, próximas de situações reais da vida dos alunos. Portanto não devem ser apresentados de forma mecânica e superficial, com exercícios-padrão focados apenas na fórmula, priorizando os cálculos, como denuncia Schneider (2008).

Em outras palavras: a Matemática Financeira, nas escolas, deve visar à Educação Financeira, ou seja, uma educação que leve a construir o perfil de cidadãos capazes de lidar com os desafios decorrentes de um cenário financeiro em constante mudança. Os argumentos são vários:

Muitos jovens estão gastando muito, por exemplo, com telefonia móvel; crianças e jovens estão sendo o público alvo da publicidade e do marketing; estudantes mais velhos terão que considerar as implicações financeiras e tomar decisões sobre a continuidade de seus estudos; os jovens estão, cada vez mais, tomando decisões financeiras que podem influenciar no seu futuro, por exemplo, expondo-se ao risco de acumular dívidas significativas e são financeiramente menos capazes de gerenciar suas finanças do que os mais velhos (enfrentando atualmente maiores desafios financeiros do que a geração dos seus pais, quando estavam com a mesma idade) (MUNDY, 2008 apud POWELL; SILVA, 2014, p. 11).

Entretanto é importante ressaltar que há várias categorias de consumidores e que os estudantes, por várias razões, não possuem o perfil de consumidores adultos. Sendo assim, a escola deve adequar os objetivos da Educação Financeira a esse público particular. Por isso, para sugerir que, no âmbito escolar, o foco da Educação Financeira não sejam os consumidores de forma geral, mas os alunos, Silva e Powell (2013) criaram a Educação Financeira Escolar, caracterizando-a da seguinte forma:

A Educação Financeira Escolar constitui-se de um conjunto de informações através do qual os estudantes são introduzidos no universo do dinheiro e estimulados a produzir uma compreensão sobre finanças e economia, através de um processo de ensino, que os torne aptos a analisar, fazer julgamentos fundamentados, tomar decisões e ter posições críticas sobre questões financeiras que envolvam sua vida pessoal, familiar e da sociedade em que vivem (SILVA; POWELL, 2013, p.13).

O conjunto de informações mencionado pode incluir conceitos da Matemática Financeira, mas em contexto próximo da realidade. E deve ser planejado pelo professor de acordo com conhecimentos e sustentação teórica que considere adequados. Sendo assim, neste estudo os contextos tiveram como base a Teoria das Situações Didáticas, com o objetivo de levar os estudantes a discutir, planejar e resolver problemas relacionados a finanças.

Apresenta-se, na próxima seção, a Teoria das Situações Didáticas.

Teoria das Situações Didáticas

Viana (2002) destaca que a Didática é uma ciência, um campo do saber cujo objeto é o processo de ensino/aprendizagem. E Parra e Saiz (1996) consideram que as especificidades de cada área autorizam falar em Didática por área. No caso da Matemática, pode-se falar em Didática da Matemática, que nasceu na França na década de 60 e “teve sua origem a partir da atividade desenvolvida basicamente por matemáticos, no Instituto de Investigação acerca do Ensino das Matemáticas” (GÁLVEZ, 1996, p. 26). E Guy Brousseau, educador matemático francês[4], foi o principal responsável por fazer avançar a Didática da Matemática, sobretudo por ter elaborado a Teoria das Situações Didáticas (TSD).

De acordo com essa teoria de aprendizagem, a interação entre professor, aluno e meio didático é que promove a aprendizagem. Em ambiente no qual ocorre essa interação, um dos sujeitos deve ter a intenção de modificar o repertório de conhecimentos do outro. No caso do professor, ele utiliza o meio para facilitar a construção do conhecimento pelo aluno. Cada conhecimento ou saber pode ser determinado por uma situação (BROUSSEAU, 2008).

Brousseau (2008) define situação como “modelo de interação de um sujeito com um meio (milieu) específico que determina um certo conhecimento, como o recurso de que o sujeito dispõe para alcançar ou conservar um estado favorável” (BROUSSEAU, 2008, p.19). O meio é considerado como “subsistema autônomo, antagônico ao sujeito” (BROUSSEAU, 2008, p.21), ou seja, aquilo que desafia o aluno de forma que ele interaja com os problemas de modo autônomo e que abrange “peças de um jogo, um desafio, um problema, inclusive exercício, fichas, etc.” (BROUSSEAU, 2008, p.22). O autor considera o meio como um dispositivo. Segundo Raschen (2016), o meio permite ao aluno condição de, a “partir da interação com este dispositivo que, juntamente com as regras e a elaboração e validação de conjecturas, permitirá ao aluno chegar à solução do problema proposto e, assim, Brousseau afirma que houve aprendizagem” (RASCHEN, 2016, p. 56).

A seguir, apresenta-se esquematicamente a teoria de Brousseau.

 Teoria das
Situações Didáticas
Figura 1
Teoria das Situações Didáticas
Brousseau (2008)

No esquema, podem-se perceber três relações: relação saber-professor, relação saber-aluno e relação professor-aluno. Segundo Silva (2015), a relação saber-professor determina, no processo de ensino/aprendizagem, a presença de certo saber escolar ligado a “outros componentes que fazem parte do sistema didático, como métodos e objetivos de ensino e posições teóricas” (SILVA 2015, p.52). Na relação saber-aluno, “são considerados os conhecimentos prévios sobre o que se quer ensinar, as hipóteses relacionadas ao novo saber, o progresso do aluno mediante a aquisição do conhecimento ensinado, entre outros aspectos” (SILVA, 2015, p.52). A relação professor-aluno “é caracterizada pelo diálogo constante entre professor e aluno, na realização do processo de ensino-aprendizagem de um saber escolar, visando à evolução do comportamento discente em função dos objetivos propostos” (SILVA, 2015, p.52).

Brousseau (2008) considera que cada conhecimento matemático tem, pelo menos, uma situação que o caracteriza e o diferencia dos demais. Além disso, distingue dois tipos de situação: a situação adidática e a situação didática. Para ele, situação didática é “todo contexto que cerca o aluno, nele incluídos o professor e o sistema educacional” (BROUSSEAU, 2008, p.21). O autor considera “a aprendizagem como uma modificação do conhecimento que o aluno deve produzir por si mesmo” e evidencia essa mudança quando afirma que

Uma interação torna-se didática se, e somente se, um dos sujeitos demonstra a intenção de modificar o sistema de conhecimentos do outro (os meios de decisão, o vocabulário, as formas de argumentação, as referências culturais) (BROUSSEAU, 2008, p. 53).

Dessa forma, quando as interações acontecem em um meio considerado de situação de aprendizagem e o aluno as administra com a ajuda do professor, ocorre uma situação didática. “Essas interações constituem o momento de estabelecer relações entre conhecimentos ou de transformar conhecimentos em saberes” (BROUSSEAU, 2008, p.58). De acordo com Brousseau (1996):

Para fazer funcionar um conhecimento no aluno, o professor busca uma situação apropriada; para que seja uma situação de aprendizagem, é necessário que a resposta inicial que o aluno pensa frente à pergunta formulada não seja a que desejamos ensinar-lhe: se fosse necessário possuir o conhecimento a ser ensinado para poder responder, não se trataria de uma situação de aprendizagem. A “resposta inicial” só deve permitir ao aluno utilizar uma estratégia de base com a ajuda de seus conhecimentos anteriores (BROUSSEAU, 1996, p. 49).

Portanto, ao propor uma situação adequada de aprendizagem, o professor deve levar o aluno a aceitar o desafio. Este vai percorrer o próprio caminho na busca pela solução, sem a interferência do professor. Assim, a situação em que o aluno trabalha em grupo com os colegas sem interferência do professor é denominada adidática.

Mas, segundo Freitas (2008), toda situação adidática pode ser considerada, na verdade, didática, pois se refere ao momento em que o professor propõe ao aluno um problema com determinado conteúdo e deixa para ele a responsabilidade de buscar sua própria solução, como um “pesquisador que busca encontrar a solução sem ajuda do mestre” (FREITAS, 2008, p.85).

Na situação adidática, o aluno evoca conhecimentos anteriores e procura, por si só, resolver o problema fora do contexto de ensino. Ocorre aprendizagem, mas com a ausência do professor ou apenas com a interferência necessária.

Quanto à tipologia, podem-se considerar os seguintes tipos de situação didática:

Situação de devolução: o professor cede ao aluno parte da responsabilidade pela aprendizagem, incluindo-o no jogo e assumindo os riscos por esse ato (POMMER, 2008).

Situação de ação: o aluno está empenhado em encontrar solução para um problema e executa ações nessa direção. É operacional. Por exemplo: em um jogo, a cada jogada o participante cria estratégias, testando-as até encontrar uma que julgue a melhor para vencer. Portanto uma boa situação de ação não é somente uma situação de manipulação livre ou de uso de uma lista de instruções para o seu desenvolvimento. Ela deve permitir ao aluno julgar o resultado de sua ação, ajustando, se necessário, sem a intervenção do professor, graças à retroação do milieu. Assim, o aluno pode melhorar ou abandonar o modelo para criar um outro (ALMOULOUD, 2007).

Situação de simulação ou formulação: o aluno apresenta sua estratégia (obtida na situação de ação), entrando em contato com o milieu de duas maneiras. Na primeira, ele comunica a estratégia aos colegas, que podem aceitá-la, ou não. Na segunda, ele a evoca em nova jogada, testando-a para saber se será exitosa, ou não.

[...] ocorre troca de informação entre o aluno e o milieu, com a utilização de uma linguagem mais adequada, sem a obrigatoriedade do uso explícito de linguagem matemática formal, podendo ocorrer ambiguidade, redundância, uso de metáforas, criação de termos semiológicos novos, falta de pertinência e de eficácia na mensagem, dentro de retroações contínuas; os alunos procuram modificar a linguagem que utilizam habitualmente, adequando-a às informações que devem comunicar (POMMER, 2008, P. 7).

Situação de validação: o aluno tenta, com provas, convencer os colegas de que sua estratégia está correta ou pode se convencer de que está errada. É o momento de socialização do saber, oral ou escrito. De acordo com Brousseau (2008), as razões que o aluno apresenta para convencer os colegas ou os que ele aceita para se convencer de que está errado devem ser elucidadas, construídas, testadas, debatidas e acordadas. Não basta apresentar uma informação. É necessário apresentar uma demonstração.

Situação de institucionalização: o professor avalia os trabalhos dos alunos (deixando o que está correto e explicando o que não convém) e estabelece o carácter objetivo e universal do conhecimento. Ele institui, então, o estatuto cognitivo do saber, validando-o e apresentando-o à turma.

É importante lembrar que, entre essas situações, a de devolução, a de ação, a de formulação e a validação caracterizam a situação adidática. A de institucionalização caracteriza a situação didática.

Vale ressaltar mais uma vez que a responsabilidade de propor as situações de aprendizagem mais adequadas é do professor. O papel do aluno é tentar, de alguma forma, encontrar uma solução para essa situação. As regras bem definidas às quais os atores do processo se submetem compõem o que, na teoria de Brousseau, é denominado contrato didático. Os contratos didáticos são particulares, locais, dependendo do tipo de planejamento do professor, do público, etc.

Numa situação de ensino preparada e realizada pelo professor, o aluno em geral tem a tarefa de resolver o problema que lhe é apresentado, por meio da interpretação das questões colocadas, das informações fornecidas, das exigências impostas, que são a maneira de ensinar do professor. Esses hábitos específicos do professor esperados pelo aluno, e os comportamentos deste, esperados pelo professor, constituem o contrato didático (BROUSSEAU, 2008, p.9).

Outro assunto destacado na Teoria das Situações Didáticas é a importância atribuída ao erro, algo natural que faz parte na busca do saber. De acordo com Teixeira e Passos (2013), quando o aluno comete um erro que é identificado, surge “valiosa fonte de informação para a elaboração de boas questões ou para novas situações problemas que possam atender, mais claramente, os objetivos desejáveis” (TEIXEIRA E PASSOS, 2013, p. 158). Para Brousseau (2008), os erros

permitem evidenciar os obstáculos, os quais, em um sujeito, estão unidos por uma fonte comum: uma maneira de conhecer; uma concepção característica, coerente, embora incorreta; um ‘conhecimento’ anterior bem-sucedido na totalidade de um domínio de ações” (BROUSSEAU, 2008, p.49).

Portanto obstáculos e erros estão associados. Os erros são efeitos de conhecimentos anteriores que, em dado momento, se mostram falsos, tornando-se obstáculos na construção da aprendizagem do aluno (BROUSSEAU, 2008). O fenômeno gera equívocos e dificuldades importantes e invisíveis porque os obstáculos se escondem no interior de saberes que funcionam, mas não podem ser generalizados para o objeto matemático que deve ser aprendido. Esse tipo de obstáculo é denominado obstáculo epistemológico.

A seguir, apresentamos aspectos metodológicos desta pesquisa.

Aspectos Metodológicos

Considerando a importância das sequências didáticas no processo de ensino/aprendizagem da Matemática, foi elaborada uma sequência referente a juros compostos, com enfoque na Educação Financeira no Ensino Médio. A relevância da abordagem é a possibilidade de refletir criticamente sobre o processo de ensino/aprendizagem da Matemática Financeira, com problemas contextualizados e apropriados para promover a Educação Financeira do aluno, contribuindo para o exercício da cidadania. Para isso, é importante que ele seja ouvido sobre análises e conclusões em cada deliberação adotada ou aceita no contexto do problema (HERMÍNIO, 2008).

Assim, realizou-se um estudo de caso de cunho qualitativo no qual o aluno e sua aprendizagem são o foco, pois, de acordo com Viana (2016), esse tipo de abordagem pode ser utilizado para descobrir e refinar perguntas, podendo ou não provar hipóteses no processo de interpretação dos dados. Além disso, numa pesquisa qualitativa, o pesquisador é instrumento fundamental, fazendo observações, analisando o comportamento do aluno e usando o diário de campo para anotar e interpretar episódios ocorridos durante as aulas, de forma que o ambiente natural seja fonte direta de dados (GODOY, 1995).

Como a pesquisa qualitativa é descritiva, com a palavra escrita ocupando lugar de destaque, para a produção de dados foram utilizados os registros documentais feitos pelos participantes das atividades realizadas, as anotações feitas pela pesquisadora no diário de campo, além de fotografias e gravações em áudio e vídeo. Esses instrumentos ajudaram na captação do ocorrido na situação didática, pois numa pesquisa qualitativa o processo é mais importante que o produto (GODOY, 1995).

Portanto, com base na Teoria das Situações Didáticas, foi priorizado o desenvolvimento das atividades realizadas pelos participantes da pesquisa, comportamentos e formas de apresentação de soluções. Como num estudo qualitativo a preocupação essencial do investigador se situa no significado que as pessoas dão às coisas e à vida, a pesquisadora procurou perceber os pontos de vista dos participantes, na busca de compreender a sequência didática na perspectiva dos alunos.

Tendo também por base Godoy (1995), o enfoque, na análise dos dados, foi indutivo. E, não se partindo de hipóteses, não houve busca de dados ou evidências, para corroborá-las ou negá-las. Como os focos de interesse se tornaram diretos e específicos no transcorrer da investigação, a análise foi sendo construída à medida que os dados iam sendo produzidos.

O estudo foi realizado em uma turma do 1.º ano do Ensino Médio, 19 alunos, classe média baixa, de uma escola de médio porte pertencente à rede privada de ensino de Contagem, município localizado na região metropolitana de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil.

Inicialmente, foi solicitado aos alunos e aos seus pais, por meio do Termo de Conhecimento Livre e Esclarecido (TCLE), consentimento para a gravação em áudio e vídeo de seus filhos. Depois esses alunos responderam ao questionário inicial, que permitiu traçar o seu perfil de cada um para construção da atividade diagnóstica. A seguir, o projeto da pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética na Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), sendo aprovado sob o número 2.258.136.

A atividade diagnóstica, Conhecimentos Básicos de Matemática Financeira, foi produzida com o intuito de avaliar o conhecimento prévio desses alunos em relação a alguns conteúdos da Matemática Financeira.

Para a sequência didática, foram realizados 9 encontros. E as atividades formuladas tiveram por motivação a narrativa de um fato fictício. Sabe-se que esse tipo de texto atrai as pessoas, independentemente de idade, sexo, classe social e nível de formação. A conciliação desse recurso, com o ensino de algum tópico de Matemática contribui para que os alunos se interessem pelo tema, compreendam sua importância e, desse modo, tenham maior facilidade de assimilação (TREVIZAN, 2015, p. 34).

Para isso, foi criada a personagem Laura, que passa por circunstâncias em que deve tomar decisões sobre gastos, consumo, financiamento e investimento de dinheiro. O objetivo foi permitir que os participantes identificassem um contexto similar ao do seu cotidiano e que dessem significado ao conhecimento matemático a ser adquirido. Vale, pois, destacar o que diz Cruz (2006) citado por Postman (2002): “[...] a razão por que os estudantes estão desencantados, entediados e distraídos não é a carência, entre os professores, de métodos e máquinas interessantes e sim que tanto estudantes quanto professores não contam com uma narrativa que empreste significado profundo às suas lições” (POSTMAN, 2002, p. 55).

Na próxima seção, apresentamos a descrição e análise de duas dessas nove atividades planejadas.

Dados e Análises

Os 4 encontros iniciais foram preparatórios. No primeiro, foi apresentado o objetivo da pesquisa a esses alunos e entregue, a cada um, o TCLE. No segundo, foi aplicado o questionário, que buscou avaliar o perfil dos participantes, incluídos os conhecimentos relacionados ao uso de dinheiro e informações acerca de como sua família lidava com as finanças. O terceiro foi dedicado à atividade diagnóstica, para avaliar o conhecimento de conteúdos da Matemática Financeira. No quarto, houve discussão da atividade do terceiro encontro.

Conforme foi informado, essas atividades da sequência didática tiveram como motivadora uma narrativa cuja personagem é fictícia, Laura. É o que se mostra a seguir.

Laura é uma jovem que, desde a adolescência, quis ganhar o próprio dinheiro, fazendo bombons para vender na escola. Todo o capital que ganhava, fosse da venda dos bonbons, fosse de presente dos tios e avós, ela guardava em casa, num cofre que ganhou do avô aos 13 anos. Aos 18 anos, já tinha guardado R$ 7.000,00. Laura fez o Ensino Médio num Colégio Técnico e, depois de formada, conseguiu estágio, ganhando um salário mínimo, no valor de R$937,00. Ao mesmo tempo, começou a fazer um curso noturno de graduação em Engenharia Elétrica. No início, Laura achou tranquilo trabalhar durante o dia e ir para faculdade à noite. Porém, no decorrer dos meses, percebeu que estava ficando cansativo pegar ônibus, que sempre se atrasava. Então começou a pensar na possibilidade de comprar um carro, para fazer a locomoção entre casa, estágio e faculdade. Ela se lembrou das economias guardadas em casa e começou a analisar a possibilidade de usar esse dinheiro para comprar o carro.

A sequência de atividades foi construída no sentido de levar esses alunos, tornados participantes, a adquirir conhecimentos relacionados ao uso do dinheiro em situações possíveis de ocorrer na realidade. Entretanto o processo foi paulatino. A Atividade 1, a Atividade 2, a Atividade 3, a Atividade 4 e a Atividade 5 foram pensadas para que eles chegassem à fórmula de juros compostos. A Atividade 5 vai ser descrita e analisada à luz da Teoria das Situações Didáticas. Vale ressaltar que as atividades anteriores permitiram aos participantes relembrar e reelaborar conceitos importantes da Matemática Financeira, como capital, juros, taxas, montante, porcentagem.

Atividade 5

Laura tem um colega no estágio que apresentou para ela outras formas de investir o dinheiro. Percebeu que poderia aplicar os R$ 7.000,00, ou seja, investir o dinheiro de forma que tivesse um rendimento à taxa de 9% a. a. (ao ano). Qual será o montante que Laura vai ter, se deixar o dinheiro nessa aplicação por 5 anos?

Para responder a essa pergunta, preencha a tabela apresentada a seguir.

Atividade 5
Atividade 5
Atividade 5

Resposta: ______________________________________________________________

Calcule o montante em 12 anos, sem usar a tabela citada acima.

Qual é o montante em t anos?

Considerando M um montante qualquer, C um capital qualquer, t o tempo e i a taxa de juros, escreva uma fórmula que ajude a calcular o valor final de uma aplicação em juros compostos.

A realização da atividade ocorreu em dois dias: 01/11/17 e 07/11/2017. Os participantes foram divididos em grupos e identificados pela sigla An, onde n representa o número identificador de cada um. Ao aceitarem o convite feito pela professora para assumir a responsabilidade de resolver a situação proposta, entendendo que possuíam condições para isso, criou-se uma situação de devolução. Feita a devolução, ou seja, após o convite ser aceito, a situação proposta se converteu em problema para os participantes (POMMER, 2008).

Para encontrar solução para o item a da atividade, os participantes conversaram entre si. Segue-se parte desse diálogo.

A5: A tabela aqui vai até os cinco anos.

A1: Você vai multiplicando por 9% que dá 0,09. Você multiplica e vai achar um valor. Aí esse valor você vai adicionar nos sete mil. Aí você faz sete mil seiscentos e trinta vezes 9%. Aí você vai achar outro valor. Aí esse valor que você achar você vai adicionar nos sete mil seiscentos e trinta. Aí você vai adicionando assim e multiplicando por 9%.

A5: A gente entendeu.

Pode-se notar que A1 explicou aos colegas um caminho que considerava adequado para resolver a questão. Mesmo sendo uma situação de ação, em que se elegia “um procedimento de resolução dentro de um esquema de adaptação, através da interação com o milieu” (POMMER, 2008, p. 7), tratava-se de uma situação de formulação, assim caracterizada: “ocorre troca de informação entre o aluno e o milieu, através da utilização de uma linguagem mais adequada” (POMMER, 2008, p. 7). Mas não tinha de ser formal, em termos matemáticos.

A fala de A5 (“A gente entendeu”) parecia informar que o grupo aceitava a solução apresentada por A1. A aceitação pode ser considerada situação de validação, na qual “os alunos tentam convencer os interlocutores da veracidade das afirmações” (POMMER, 2008, p. 8).

O diálogo seguiu. Porém direcionado à solução do item b da atividade: “Calcule o montante em 12 anos, sem usar a tabela citada acima”

A1: Calcule o montante em 12 anos. Sem usar a tabela acima.

A4: Mas aqui a gente vai ter que fazer tipo uma fórmula. Não vai adiantar não.

A5: Vamos pensar aqui. Se a gente fizer sete mil.

A15: Sete mil não mano.

A5: Não, nove mil oitocentos e cinquenta.

A1: Eu já achei 5 anos. Você concorda comigo que dez anos vai ser o dobro disso aqui?

A5: Não.

A15: Não.

A5: Se a gente pegar os sete mil vezes 9% vezes 12. Não dá certo não?

A1: Não.

A5: Uai, tenta. Vamos ver se vai dar certo.

A15: Tenta.

A1: Então, 12 anos.

A15: Não, mas o valor vai aumentando.

A1: então eu tenho que fazendo assim, o valor vai aumentando.

A5: Faz ai. Sete mil vezes 9% vezes 12. Faz ai.

A4: Então vamos calcular aqui pra ver se vai dar certo.

Após a leitura feita por A1 do que era solicitado no item b, A4 percebeu que a solução não seria a utilizada no item a, pois não poderiam fazer uso da tabela. Novamente a situação de ação e a de formulação se confundiam. Ao mesmo tempo que propunham um caminho para resolver a questão, expunham suas ideias ao grupo, que podia concordar, ou não, com elas. A proposta de A5, considerando o capital inicial como R$ 7.000,00, foi logo rebatida por A15. A resposta dele (“Sete mil não mano”) significava que a proposta de A5 não foi aceita, sendo necessário achar outra O próprio A5 percebeu a recusa e, num recurso de retroação, sugeriu outro capital inicial. Mas o grupo parecia ignorá-lo.

Na sequência do diálogo ocorreu um fato interessante. A1 percebeu que o grupo já havia calculado o montante em 5 anos e logo sugeriu, em forma de pergunta, que, para encontrar o montante em 10 anos, bastava multiplicar o resultado por 2, como se montante e tempo fossem, no caso, diretamente proporcionais. A5 e A15 logo contestaram esse raciocínio e isso retroalimentou o sistema, fazendo surgir novas ações e formulações, como as de A5, que sugeriu multiplicar 7000 por 9% e, em seguida, por 12. A1 não acreditou na eficácia da ideia de A5 para a solução. Contudo A5 insistiu para que sua ideia fosse acatada (“Uai, tenta. Vamos ver se vai dar certo”). Era uma tentativa de validá-la mediante cálculos. Dessa forma, recebia apoio de A15, A4 e A1 para testar se sua ideia estava correta para resolver a questão.

A estratégia inicial dos participantes poderia ter sido a de usar a tabela, antes útil e eficiente para o cálculo do montante em 5 anos. Afinal, a resposta inicial tem sempre uma estratégia de base, que é aquela que disponibiliza os conhecimentos prévios como ferramenta (BROUSSEAU, 1996). Mas logo os participantes perceberam que esse uso, além de não permitido, parecia ser infrutífero, de acordo com o enunciado. Isso ficou evidente na primeira fala de A4, que até se arriscou a dizer que era necessário usar uma fórmula.

A análise já feita dos itens a e b da atividade mostrou o protagonismo dos participantes na procura de soluções com mínima interferência do professor, o que é característico da situação adidática. Além disso, situações de devolução, ação, formulação e validação que ocorreram caracterizam a situação adidática (POMMER, 2008).

Os dados apresentados a seguir mostram acertos e erros nas respostas aos itens a, b e c da Atividade 5 (Figura 2, Figura 3 e Figura 4).

Solução do item a
da Atividade 5
Figura 2
Solução do item a da Atividade 5
autor

Solução do item b
da Atividade 5
Figura 3
Solução do item b da Atividade 5
autor

Solução do item c
da Atividade 5
Figura 4
Solução do item c da Atividade 5
autor

Após o trabalho dos grupos em cada item, a pesquisadora promovia uma discussão geral com a turma, descartando aquilo que estava errado e considerando aquilo que estava correto, institucionalizando o saber:

[...] o significado social estabelecido do saber que foi vivenciado por eles, nas situações de ação, formulação e validação, ou seja, conforme explica Pais (2001), é o momento em que sob a orientação do professor, procede-se a passagem do conhecimento particular construído pelos alunos, ao nível de conhecimento científico, estabelecido historicamente e culturalmente (BELTRÃO; SOUZA; SILVA, 2010, p. 339).

No caso do item d, não houve grupo que tivesse apresentado resposta correta. Na Figura 5, na Figura 6 e na Figura 7, apresentamos exemplos de respostas dadas a esse item.

Solução do item d
da Atividade 5
Figura 5
Solução do item d da Atividade 5
autor

Solução do item d
da Atividade 5
Figura 6
Solução do item d da Atividade 5
autor

Solução do item d da
Atividade 5
Figura 7
Solução do item d da Atividade 5
autor

Esses exemplos de respostas mostram que as fórmulas apresentadas pelos participantes para o cálculo de juros compostos se aproximavam, em alguma medida, da fórmula de juros simples já conhecida. Se funcionou para um caso, por que uma pequena adaptação não funcionaria para outro? É como se a fórmula de juros simples, conhecimento adquirido anteriormente que funcionava em algumas situações específicas, persistisse e engendrasse erros em outras. Aproximava-se do que tem sido denominado obstáculo epistemológico. Não era uma dificuldade. Era um conhecimento que tentava “adaptar-se localmente, modificar-se, otimizar-se num campo reduzido [...]” (IGLIORI, 1999), mas que resultou em erro.

Diante dessa situação, a pesquisadora mostrou aos participantes os erros que haviam sido cometidos e apresentou a fórmula correta para juros compostos, considerando os resultados obtidos nos itens anteriores da Atividade 5.

Eles não chegaram à fórmula correta dos juros compostos. Entretanto essas atividades anteriores, baseadas em uma situação semirreal[5] que envolvia dinheiro, compras e decisões no campo financeiro, permitiram aos participantes experimentar uma investigação que, como processo, trouxe ganho no que se referia à relação com finanças. Lembra-se que essas atividades foram elaboradas com o objetivo de utilizar algo próximo dos estudantes. Esse tipo de preocupação é importante porque permite que “possam dar sentido ao conhecimento, através da contextualização e personalização do saber, num movimento de vivenciar o conhecimento pelo aluno” (POMMER, 2008, p. 4).

Atividade 6

Depois de analisar a forma de investir o dinheiro, Laura começou a pesquisar sobre a compra de carro. (Ela realmente achava que seria prático ter um carro.) Mas ainda não estava certa de que comprar era melhor do que guardar ou investir. Fazendo algumas pesquisas sobre veículos, encontrou um carro no valor de R$18.200,00 e do jeito que ela queria, econômico. Supondo que Laura fosse comprar esse carro e considerando que ela tinha apenas R$ 7.000,00, o que você acha que ela podia fazer para conseguir o restante do dinheiro?

A atividade foi realizada por todos os grupos, que discutiram bastante para chegar a uma proposta. Parte do diálogo travado em um dos grupos está reproduzido, a seguir:

A8: Ela quer um carro de 18 mil, ela dá entrada de 7 mil e parcela o resto.

A3: Ela compra um carro usado mais barato. O que é econômico pra ela. Ela só tem sete mil. Dezoito mil e duzentos menos 7 mil dá onze mil. Esses onze mil ela pode dividir e fazer em uma parcela que ela consegue...

A16: Ela pode trabalhar.

A8: Trabalhar! O dinheiro não vai cair do céu.

A3: Ou então ela continua juntando dinheiro.

A16: Empréstimo. Por que empréstimo não pode? Pode? Empréstimo é legal só que ela vai ter que pagar muito mais. Mas empréstimo é legal. Porque aí pelo menos ela vai conseguir comprar o carro de uma vez só.

A13: Ela também pode guardar uns 200,00 por mês.

A16: Nossa!!! Isso tudo?

A13: Uai, se ela ganha 600,00 e guarda 200,00 dá pra ela viver com o resto.

A16: Eu acho que é empréstimo. Porque aí ela paga tudo de uma vez só que depois ela vai ter que pagar mais. Mas pelo menos o carro ela já vai ter. É isso.

Observou-se uma situação de formulação quando A8 propôs como alternativa uma entrada e o parcelamento do restante. A3 parecia concordar com a proposta de A8 e ainda ponderou que a divisão do restante da dívida devia ser feita de modo que Laura pudesse pagar. A3, numa situação de formulação, sugeriu que Laura juntasse o dinheiro. Essa ideia não foi continuada. Em seguida, A16 propôs um empréstimo e o avaliou de forma crítica, considerando um ponto forte e outro fraco: Laura pagaria o carro integralmente à loja, mas, por outro lado, ao quitar o empréstimo, teria desembolsado muito mais. Outra proposta de poupança surgiu e A16 insistiu que o empréstimo era a melhor saída. O grupo finalizou o diálogo considerando três possibilidades: Laura pedir um empréstimo, guardar uma quantia todo mês e trabalhar para pagar as prestações do carro.

Outras atividades foram propostas ainda tendo Laura como protagonista. Em todas elas os participantes deveriam propor alternativas para situações semirreais que eles mesmos poderiam vivenciar, todas envolvendo tomada de decisões com dinheiro

Considerações Finais

O objetivo deste artigo foi investigar contribuições de sequências didáticas, segundo a Teoria das Situações Didáticas, para o processo de Educação Financeira de alunos do 1º ano do Ensino Médio. Conforme Silva (2015), essas situações que Brousseau propõe são etapas que parecem formar uma boa ordem para a construção do conhecimento dos alunos. Para Pommer (2008), permitem uma contribuição significativa no encaminhamento de propostas metodológicas em sala de aula.

A situação didática proposta na pesquisa apoiou-se numa prática pedagógica que permitiu que os participantes trabalhassem em grupo, realizando uma sequência didática organizada pela pesquisadora e tivessem liberdade de expressar diversas opiniões e conhecimentos. Em vista disso, podemos destacar, entre as contribuições da sequência didática para a Educação Financeira, as três apresentadas a seguir.

Introdução ao universo do dinheiro para tomar posições sobre questões financeiras - Os resultados evidenciaram dificuldades vivenciadas pelos participantes na aquisição dos conhecimentos e erros por eles cometidos. Isso permitiu que a pesquisadora, por meio da situação de institucionalização, discutisse os conceitos e cálculos referentes à Matemática Financeira, contribuindo para que entendessem de forma mais clara e pudessem, de acordo com Silva e Powell (2013), compreender o básico sobre finanças, utilizando seus conhecimentos para fundamentar decisões. Verificou-se também que os participantes tiveram dificuldade em conceituar juros e taxa de juros. A pesquisadora aproveitou o momento da discussão para apresentar melhor esses conceitos. Assim, erros e dificuldades contribuíram para que os participantes pudessem apropriar-se dos saberes de forma a aplicá-los em situações financeiras frequentes no cotidiano.

Apropriação do saber para tomada de decisões críticas sobre questões financeiras - Foi verificado que os participantes conseguiram compreender conceitos importantes da Matemática Financeira. Embora alguns tivessem mostrado dificuldades no desenvolvimento das atividades, a maioria compreendeu o que estava sendo solicitado e respondeu às questões de forma satisfatória. E que a aprendizagem aconteceu principalmente nas situações de formalização e validação, quando os participantes interagiam entre si, mostrando uns aos outros seus conhecimentos, explicando suas estratégias e demonstrando a forma como haviam feito. Esse tipo de aprendizagem também foi observado na situação de institucionalização, quando a pesquisadora valorizou as respostas, mostrando os acertos e incentivando a exposição oral entre os grupos. Considerada a Educação Financeira dos participantes, verificou-se que eles desenvolveram uma capacidade de analisar criticamente as situações vividas por Laura (personagem fictícia da narrativa motivadora), posicionando-se e tomando decisões de acordo com o que aprenderam.

Autonomia para tomada de decisões e posições críticas sobre questões financeiras da vida pessoal, familiar e social - Em relação à autonomia e à interação dos participantes, foi observado que demonstraram/desenvolveram a capacidade de resolver problemas usando as próprias estratégias, buscando informações entre si, tentando entender o que foi solicitado nas atividades, sem precisar da ajuda da pesquisadora, colaborando na formação em Educação Financeira. Essa sequência didática permitiu que compreendessem que, caso necessitassem tomar uma decisão diante de uma situação financeira, poderiam usar os conhecimentos prévios ou buscar novas informações.

É importante destacar que a estratégia de preparar e realizar atividades em etapas, com diferentes graus de dificuldades, para buscar os conhecimentos prévios dos alunos, foi particularmente relevante para o desenvolvimento de conteúdos da Matemática Financeira, visando a práticas financeiras e econômicas existentes em situações do cotidiano. Portanto se sugere que isso seja feito sempre.

Por outro lado, pelos registros documentais de momentos de validação, em que os participantes expuseram suas respostas, houve certa confusão quanto a juros simples e juros compostos. Portanto se recomenda esta alteração: uma sequência didática elaborada de forma a abordar primeiramente juros simples, começando com atividades que motivem reflexões.

Em vista do que foi discutido, os resultados desta pesquisa mostram que as situações didáticas podem ser ferramentas para o ensino da Matemática Financeira. Além disso, ela suscita a discussão do uso das situações didáticas no ensino de outros conteúdos. É possível, pois, concluir que esta sequência didática sobre juros compostos, seguindo a Teoria das Situações Didáticas, trouxe contribuições à Educação Financeira dos participantes.

Surgiu, portanto, um dos caminhos pelos quais os professores podem seguir, a fim de introduzir a Educação Financeira na sala de aula de Matemática, para desenvolver nos alunos a capacidade de compreender o mundo que os cerca, tornando-os cidadãos conscientes e críticos da responsabilidade e das consequências de suas decisões financeiras.

Referências

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Notas

[1] Mestre em Educação Matemática pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto. Professora da Rede Privada de Ensino da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. E-mail: alisodre@gmail.com.
[2] Doutora em Educação Matemática pelo Instituto Central de Ciências Pedagógicas (ICCP) – Ministério da Educação - Cuba. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Exatas e Biológicas (ICEB) – UFOP – Rua Quatro, 786, sala 1-13, Bauxita, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. E-mail: margerv@terra.com.br.
[3] Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto. Endereço para correspondência: Instituto de Ciências Exatas e Biológicas (ICEB) – UFOP – Rua Quatro, 786, sala 1-09, Bauxita, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. E-mail: etorisu@gmail.com.
[4] Brousseau nasceu em Marrocos. Pelas contribuições na área da Educação Matemática, recebeu, em 2003, a medalha Félix Klein.
[5] Situação que simula fatos que podem ocorrer na realidade.

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