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Black Power - Sua relevância para as Índias Ocidentais
Walter Rodney; Ana Catarina Zema; Peterson Mendes Martins
Walter Rodney; Ana Catarina Zema; Peterson Mendes Martins
Black Power - Sua relevância para as Índias Ocidentais
Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, vol. 13, núm. 2, 2019
Universidade de Brasília
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Clássicos das Ciências Sociais Latino-Americanas

Black Power - Sua relevância para as Índias Ocidentais

Walter Rodney
University of West Indies, Jamaica
Ana Catarina Zema
Universidade de Brasília, Brasil
Grupo de Trabalho do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), Argentina
Peterson Mendes Martins
Universidade de Brasília, Brasil
Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, vol. 13, núm. 2, 2019
Universidade de Brasília

Recepção: 04 Maio 2019

Aprovação: 03 Julho 2019

Black Power - Sua relevância para as Índias Ocidentais[1]

Cerca de quinze dias atrás eu tive a oportunidade de falar sobre o Black Power para um público neste campus[2]. Naquele momento, a consciência entre os estudantes sobre a questão racial havia se intensificado por causa de vários incidentes no cenário mundial - notadamente, os enforcamentos na Rodésia[3] e o assassinato do Dr. Martin Luther King. De fato, essa consciência cresceu de tal forma que algumas pessoas começaram a organizar um movimento do Black Power. Minha presença aqui testemunha minha total simpatia pelos objetivos deles.

O tópico nesta ocasião não é apenas “Black Power”, mas “Black Power e você”. O Black Power pode ser visto como um movimento e uma ideologia que brota da realidade da opressão dos negros pelos brancos dentro do mundo imperialista como um todo. Agora precisamos ser específicos ao definir o cenário nas Índias Ocidentais e os papéis particulares que ocupamos na sociedade. Você e eu temos que decidir se queremos pensar como negros ou permanecer sendo uma versão suja do branco. (Eu explicarei o significado completo disto mais tarde).

Recentemente, houve uma declaração pública na Scope[4] em que o Black Power foi chamado de “supremacia negra”. Isso pode ter sido um erro genuíno ou uma falsificação deliberada. Black Power é um chamado aos povos negros para que abandonem a dominação branca e retomem o manejo de seus próprios destinos. Isso significa que os negros desfrutariam de poder compatível com seus números no mundo e em determinadas localidades. Sempre que um negro oprimido grita por igualdade, ele é chamado de racista. Isso foi dito sobre Marcus Garvey em seus dias. Imagine isso! Somos tão inferiores que se demandamos igualdade de oportunidades e poder, isso é escandalosamente racista! Os negros que lutam por seus direitos devem estar atentos a este dispositivo de falsas acusações cujo objetivo é colocá-los na defensiva e, se possível, constrange-los ao silêncio. Como podemos ser, ao mesmo tempo, oprimidos e envergonhados? É nossa maior preocupação não ferir os sentimentos do opressor? As pessoas negras devem agora tomar a ofensiva e se existe alguém que deveria sentir constrangimento, são os brancos. Foram os negros que queimaram seis milhões de judeus? Quem exterminou milhões de habitantes indígenas nas Américas e na Austrália? Quem escravizou incontáveis milhões de africanos? O canibal capitalista branco sempre se alimentou dos povos negros do mundo. A sociedade imperialista capitalista branca é profunda e inequivocamente racista.

As Índias Ocidentais[5] sempre fizeram parte da sociedade capitalista branca. Nós temos sido a parte mais oprimida porque éramos uma sociedade escravista e o legado da escravidão ainda incide fortemente sobre o homem negro das Índias Ocidentais. Vou apontar brevemente cinco momentos importantes da nossa história social: (1) o desenvolvimento do racismo sob a escravidão; (2) libertação; (3) trabalho aprendiz indiano; (4) o ano de 1865 na Jamaica; (5) o ano de 1938 nas Índias Ocidentais.

Escravidão - Como C. L. R. James, Eric Williams e outros estudiosos das Índias Ocidentais apontaram, a escravidão nas Índias Ocidentais começou como um fenômeno econômico ao invés de racial. Mas rapidamente se tornou racista, pois toda mão de obra branca foi retirada dos campos, ficando o negro identificado com o trabalho escravo e o branco ligado à propriedade e ao domínio. Dessa situação em que os negros tinham um status inferior na prática, surgiram as teorias sociais e científicas relacionadas à suposta inferioridade inerente do homem negro, considerado como tendo sido criado para trazer água e cortar lenha para o homem branco. Esta teoria serviu então para racionalizar a exploração branca dos negros em toda a África e Ásia. As Índias Ocidentais e o sul dos EUA compartilham a distinção duvidosa de ser o terreno fértil para o racismo mundial. Naturalmente, nossa própria sociedade forneceu as mais altas expressões de racismo. Mesmo os negros foram convencidos de sua própria inferioridade, mas, apesar disso, felizmente somos capazes das expressões mais intensas quando reconhecemos que fomos enganados pelos homens brancos. O Black Power reconhece tanto a realidade da opressão negra e da autonegação quanto o potencial para a revolta.

Libertação - No final do século XVIII, a Grã-Bretanha tinha conseguido a maior parte do que queria com o trabalho dos negros nas Índias Ocidentais. A escravidão e o tráfico de africanos[6] haviam tornado a Grã-Bretanha forte e, então, era hora de abandonar esses sistemas e tomar o caminho de novos empreendimentos. O tráfico de africanos escravizados e a escravidão assim acabaram; mas a Grã-Bretanha teve que pensar em como encurralar o pouco de gente que restava nos territórios e em como manter os brancos locais no poder. Eles decidiram, portanto, dar aos fazendeiros 20 milhões de Libras como compensação e garantir sua mão de obra negra nos próximos seis anos por meio de um sistema chamado aprendizado. Nesse período, a sociedade branca consolidou sua posição para assegurar que as relações escravistas persistissem em nossa sociedade. Os irmãos Rastafari sempre insistiram que os negros recebessem os prometidos 20 milhões de Libras no momento da libertação. Na realidade, de acordo com quaisquer padrões normais de justiça, nós, negros, deveríamos ter recebido os 20 milhões de Libras como compensação. Nós fomos os que foram abusados e prejudicados, caçados na África e brutalizados nas plantações. Na Europa, quando a servidão foi abolida, os servos geralmente herdaram a terra como compensação e por direito. Nas Índias Ocidentais, os exploradores foram compensados porque não podiam mais nos explorar da mesma maneira como antes. A propriedade branca tinha mais valor que a humanidade negra. Ainda tem - a propriedade branca tem mais valor do que a humanidade negra nas Índias Ocidentais britânicas hoje, especialmente aqui na Jamaica.

Trabalho aprendiz indiano – A Grã-Bretanha e os brancos das Índias Ocidentais tiveram que manter o sistema de plantação para manter a supremacia branca. Quando os africanos começaram a deixar as plantações para se estabelecerem como camponeses independentes, eles comprometeram a estrutura da plantação e, por isso, os indianos foram importados com contratos de trabalho aprendiz. Isso foi possível porque o poder branco controlava a maior parte do mundo e podia mover os povos não brancos como desejavam. Foi da Índia controlada pelos britânicos que o trabalho aprendiz foi obtido. Foi por causa do impacto das políticas públicas, comerciais e militares britânicas que estavam destruindo a vida e a cultura da Índia no século XIX e forçando as pessoas a fugir para outras partes do mundo para ganhar pão. Veja para onde os indianos fugiram - para as Índias Ocidentais! As Índias Ocidentais são um lugar que os negros querem deixar e não vir. É preciso, portanto, considerar a pressão do poder branco sobre a Índia que deu origem à migração dos indianos para as Índias Ocidentais. Os indianos foram trazidos para cá unicamente para o interesse da sociedade branca, em detrimento dos africanos que já viviam nas Índias Ocidentais e, muitas vezes, contra os seus próprios interesses, pois os indianos perceberam que a mão de obra aprendiz era uma forma de escravidão que acabou sendo extinta na Índia por causa da pressão da opinião dos indianos. As Índias Ocidentais deram uma contribuição única à história do sofrimento no mundo, e os indianos fizeram parte dessa contribuição desde que o trabalho aprendiz foi introduzido pela primeira vez. Este é outro aspecto da situação histórica que ainda está conosco.

1865 - Naquele ano, a Grã-Bretanha encontrou uma maneira de perpetuar o Poder Branco nas Índias Ocidentais depois de reprimir impiedosamente a revolta de nossos irmãos negros liderados por Paul Bogle. O governo britânico retirou a Constituição da Jamaica e colocou a ilha sob o controle completo do Departamento Colonial, uma manobra que foi racialmente motivada. A legislatura jamaicana estava então, em grande parte, nas mãos dos brancos locais com uma minoria mestiça[7], mas se as mudanças graduais continuassem, os mestiços teriam assumido o controle - e os negros seriam os próximos na fila. Consequentemente, o governo britânico pôs fim ao processo da tomada de poder político gradual pelos negros. Quando olhamos para o Império Britânico no século XIX, vemos uma nítida diferença entre colônias brancas e colônias negras. Nas colônias brancas como o Canadá e a Austrália, os ingleses estavam reconhecendo aos brancos, sua liberdade e autogoverno. Nas colônias negras das Índias Ocidentais, da África e da Ásia, os ingleses estavam ocupados tirando a liberdade política dos habitantes.

Na verdade, no nível constitucional, a Grã-Bretanha já havia revelado seu racismo nas Índias Ocidentais no início do século XIX, quando se recusou a dar aos mestiços o poder de governo em Trinidad, embora fossem a maioria dos cidadãos livres. Em 1865, na Jamaica, não foi a primeira nem a última vez em que a Grã-Bretanha deixou claro que seus “parentes e amigos” brancos seriam apoiados para manter o domínio sobre os negros.

1938 - A escravidão terminou em várias ilhas das Índias Ocidentais entre 1834 e 1835. Exatamente 100 anos depois (entre 1934 e 1938), os negros das Índias Ocidentais se revoltaram contra a hipocrisia da liberdade na sociedade. Os ingleses ficaram muito surpresos - há muito que haviam esquecido tudo sobre os negros das Índias Ocidentais Britânicas e enviaram uma Comissão Real para descobrir o que era aquela revolta. O relatório das condições era tão chocante que o governo britânico só o liberou depois da guerra, porque queriam que os negros das colônias combatessem as batalhas do homem branco. Quando a guerra terminou, ficou claro nas Índias Ocidentais e em toda a Ásia e África que algumas concessões teriam que ser feitas aos povos negros. Em geral, a questão para os imperialistas brancos era dar poder suficiente a certos grupos da sociedade colonial para impedir que toda a sociedade explodisse e manter os fundamentos da estrutura imperialista. Nas Índias Ocidentais Britânicas, eles tiveram que levar em consideração a questão de estratégia militar porque estamos sob o domínio do gigante imperialista do mundo, os EUA. Além disso, havia o novo e vital minério, a bauxita, que precisava ser protegida. A solução britânica era retirar-se sempre que possível e deixar o governo imperial nas mãos dos EUA, enquanto o governo local era entregue a uma pequena burguesia branca, mestiça e negra que era, culturalmente, criação da sociedade capitalista branca e que, portanto, apoiava o sistema imperialista branco porque ganhava pessoalmente e porque vinha sofrendo lavagem cerebral para contribuir com a opressão dos negros.

O Black Power nas Índias Ocidentais significa três coisas intimamente relacionadas: (i) a ruptura com o imperialismo que é historicamente branco racista; (ii) a pretensão de poder pelas massas negras nas ilhas; (iii) a reconstrução cultural da sociedade à imagem dos negros.

Eu irei antecipar certas questões sobre quem são os negros nas Índias Ocidentais, já que são, de fato, questões que me foram colocadas em outro lugar. Eu argumento que é o mundo branco que definiu quem são negros - se você não é branco, então você é negro. No entanto, é óbvio que a situação das Índias Ocidentais é complicada por fatores como a variedade de tipos raciais e misturas raciais e pelo processo de formação de classes. Temos, portanto, de notar não apenas o que o mundo branco diz, mas também como os indivíduos se percebem. Não obstante, podemos falar da massa da população das Índias Ocidentais como sendo negra - africana ou indiana. Parece ter havido algumas dúvidas sobre o último ponto, e alguns temem que o Black Power seja direcionado contra o indiano. Isso seria uma negação flagrante tanto da experiência histórica das Índias Ocidentais quanto da realidade da cena contemporânea.

Quando o indiano foi trazido para as Índias Ocidentais, ele encontrou o mesmo desprezo racial que os brancos aplicavam aos africanos. O indiano também foi reduzido a um único estereótipo - o de peão ou trabalhador. Ele também foi um lenhador e um servidor de água para o homem branco. Falei anteriormente da revolta dos negros nas Índias Ocidentais em 1938. Essa revolta envolveu africanos na Jamaica, africanos e indianos em Trinidad e Guiana. As revoltas na Guiana foram na verdade lideradas por trabalhadores indianos da produção de açúcar. Hoje, alguns indianos (assim como alguns africanos) aderiram à estrutura do poder branco em termos de atividade econômica e cultura; mas a realidade subjacente é que a pobreza existe entre africanos e indianos nas Índias Ocidentais e que o poder lhes é negado. O Black Power nas Índias Ocidentais, portanto, refere-se principalmente a pessoas que são reconhecidamente africanas ou indianas.

Os chineses, por outro lado, são um grupo antigo de trabalhadores que agora se tornou um baluarte da estrutura social branca das Índias Ocidentais. Os chineses da República Popular da China romperam há muito tempo e estão lutando contra o imperialismo branco, mas nossos chineses não têm nada a ver com esse movimento. Eles devem ser identificados com Chiang-Kai-Shek e não com o presidente Mao Tse-tung. Eles devem ser colocados no mesmo grupo que os lacaios do capitalismo e do imperialismo que podem ser encontrados em Hong Kong e Taiwan. Independentemente das circunstâncias em que os chineses vieram para as Índias Ocidentais, eles logo se tornaram (como um grupo) membros da classe exploradora. Eles terão que abandonar ou serem desprovidos dessa função antes que possam ser reintegrados a uma sociedade nas Índias Ocidentais, onde o homem negro anda com dignidade.

O mesmo se aplica aos mestiços, outro grupo sobre o qual fui questionado. O homem mestiço das Índias Ocidentais é caracterizado pela ambiguidade e ambivalência. No passado, ele se identificou com as massas negras quando isso lhe convinha e, no momento, alguns mestiços estão na vanguarda do movimento rumo à consciência negra; mas a grande maioria aceitou os subornos do imperialismo branco, muitas vezes superando os brancos em seu ódio e opressão aos negros. Garvey escreveu sobre os mestiços jamaicanos: "Fui abertamente odiado e perseguido por alguns desses homens da ilha que não queriam ser classificados como negros, mas brancos". Naturalmente, os negros das Índias Ocidentais conscientes como Garvey expressaram seu desgosto pelos mestiços, mas não há nada na experiência das Índias Ocidentais que sugira que os mestiços não sejam aceitos quando escolhem se identificar com os negros. Os acontecimentos do pós-1938, na verdade, mostraram exatamente o oposto. Parece-me, portanto, que não cabe ao movimento Black Power determinar a posição dos mestiços, vermelhos e dos chamados brancos das Índias Ocidentais - o movimento só pode manter a porta aberta e deixar que esses grupos façam sua escolha.

O Black Power não é racialmente intolerante. É a esperança do homem negro que ele tenha poder sobre seu próprio destino. Isto não é incompatível com uma sociedade multirracial onde cada indivíduo conta igualmente. Porque no momento em que o poder for distribuído equitativamente entre vários grupos étnicos, a própria relevância de fazer a distinção entre grupos será perdida. O que devemos objetar é a imagem atual de uma sociedade multirracial vivendo em harmonia - que é um mito destinado a justificar a exploração sofrida pelos mais negros de nossa população, nas mãos dos grupos de pele mais clara. Vejamos os números da composição racial da população jamaicana. De cada 100 jamaicanos,

76,8% são visivelmente africanos

0,8% europeu

1,1% indianos

0,6% chineses

0,1% sírios

91% têm sangue africano

l4,6 % afro-europeu

5,4 % outras misturas

Esta é uma sociedade negra onde os africanos preponderam. Além da mestiçagem, todos os outros grupos são numericamente insignificantes e, no entanto, a sociedade procura dar-lhes igual peso e, certamente, mais peso do que aos africanos. Se fôssemos à Grã-Bretanha, poderíamos facilmente encontrar grupos não-brancos nas proporções acima[8] - africanos e indianos, indianos e paquistaneses, turcos, árabes e outros orientais -, mas a Grã-Bretanha não é chamada de sociedade multirracial. Quando vamos para a Grã-Bretanha, não esperamos assumir todos os negócios imobiliários britânicos, todos os seus cinemas e a maior parte de seu comércio como os europeus, chineses e sírios fizeram aqui. Tudo o que pedimos é por algum trabalho e abrigo, e não podemos sequer conseguir isso. O Black Power deve proclamar que a Jamaica é uma sociedade negra - deveríamos levantar a bandeira da Black Star de Garvey e tratarmos todos os outros grupos da sociedade com esse entendimento - eles podem ter o direito básico de todos os indivíduos, mas nenhum privilégio de explorar africanos como foi o padrão durante a escravidão e tem sido desde então.

O atual governo sabe que a Jamaica é um país negro. É por isso que Garvey se tornou um herói nacional, pois eles estão tentando induzir os negros a pensar que o governo está com eles. O governo da Jamaica reconhece o Black Power – ele tem medo da potencial ira da população negra e africana em grande parte da Jamaica. É esse mesmo medo que os obrigou a declarar luto quando homens negros foram assassinados na Rodésia e quando Martin Luther King foi assassinado nos EUA. Mas os negros não precisam ser informados de que Garvey é um herói nacional - eles sabem disso. Eles também não precisam ser ordenados a lamentar quando os negros são assassinados pelo poder branco, porque eles lamentam todos os dias aqui na Jamaica, onde o poder branco os mantém ignorantes, desempregados, mal vestidos e mal alimentados. Eles vão parar de lamentar quando as coisas mudarem - e isso significa uma revolução, pois o primeiro passo é quebrar as correntes que nos ligam aos imperialistas brancos, e esse é um passo muito revolucionário, Cuba é o único país nas Índias Ocidentais e neste hemisfério que rompeu com o poder branco. É por isso que Stokely Carmichael pode visitar Cuba, mas ele não pode visitar Trinidad ou Jamaica. É por isso que Stokely pode chamar Fidel de “um dos homens mais negros das Américas” e é por isso que nossos líderes, em contraste, são categorizados como “brancos”.

Aqui eu não estou apenas brincando com palavras - estou ampliando a definição de Black Power, indicando a natureza de seu oposto, “Poder Branco”, e forneço uma ilustração prática do que o Black Power significa em uma comunidade particular das Índias Ocidentais onde já ocorreu. Poder Branco é o poder dos brancos sobre os negros sem qualquer participação dos negros. O Poder Branco governa o mundo imperialista como um todo. Em Cuba, os negros e mestiços somavam 1.585.073 de uma população de 5.829.029 em 1953 - ou seja, cerca de um quarto da população. Como os negros da Jamaica hoje, eles eram os mais pobres e mais desfavorecidos da ilha. Cubanos de pele mais clara detinham poder local, enquanto o poder real estava nas mãos dos imperialistas norte-americanos. Os cubanos negros lutaram ao lado de trabalhadores e camponeses cubanos brancos porque todos eram oprimidos. O Major Juan Almeida, um dos líderes mais destacados de Cuba hoje, foi um dos guerrilheiros originais da Sierra Maestra e é negro. Os cubanos negros desfrutam hoje de direitos políticos, econômicos e sociais e oportunidades exatamente iguais aos dos cubanos brancos. Ambos portam armas na milícia cubana como uma expressão de seus direitos básicos. Em outras palavras, o poder branco em Cuba terminou. A maioria da população branca naturalmente predomina numericamente na maioria das esferas de atividade, mas não detém o domínio sobre os negros sem levar em conta os interesses destes últimos. Os negros alcançaram o poder proporcional ao seu próprio número por seus próprios e heroicos esforços durante os dias de escravidão na luta contra os espanhóis e na luta contra o imperialismo. Tendo alcançado seus direitos, eles podem, de fato, esquecer a categoria “negro” e pensar simplesmente como cidadãos cubanos, como socialistas iguais e como homens. Na Jamaica, onde os negros são um número muito maior e não têm brancos ao seu lado como trabalhadores e camponeses oprimidos, serão os negros que, sozinhos, poderão carregar o peso da luta revolucionária.

Vamos dar uma olhada em nossa posição atual. A maioria de nós que estudou na U.W.I. é perceptivelmente negra e, no entanto, fazemos, inegavelmente, parte do sistema imperialista branco. Alguns são ativamente pró-imperiatistas. Eles não têm confiança em nada que não seja branco - eles falam coisas sem sentido sobre serem os negros preguiçosos, o mesmo absurdo que era dito sobre o negro jamaicano após a libertação, mesmo tendo ele ido ao Panamá e realizado a gigantesca tarefa de construir o Canal do Panamá, o mesmo absurdo que é dito sobre os desempregados das Índias Ocidentais hoje e, ainda assim, eles vão para a Inglaterra para conduzir em todo o sistema de transporte. A maioria de nós não chega aos mesmos extremos de desqualificar a nós mesmos e aos nossos irmãos negros, mas não dizemos nada contra o sistema, e isso significa que estamos consentindo com a exploração de nossos irmãos. Uma das maneiras que essa situação tem persistido, especialmente nos últimos tempos, é que ela deu a algumas pessoas, como eu e você, uma visão do progresso pessoal medido em termos do gramado da frente e do modelo mais recente de um enorme carro americano. Isso nos posicionou em seus grupos sociais e privou as massas negras de articular uma liderança. É por isso que, no início, enfatizei que nossa escolha era permanecer como parte do sistema branco ou romper com ele. Não há outra alternativa.

O Black Power nas Índias Ocidentais deve ter como objetivo transformar a intelligensia negra em servidores das massas negras. Black Power dentro da universidade e fora dela deve ter como objetivo a superação do imperialismo cultural branco. Os brancos nos dominaram tanto fisicamente quanto mentalmente. Este fato é revelado em praticamente qualquer estudo sociológico sério da região - o processo de lavagem cerebral foi tão estupendo que convenceu tantos homens negros de sua inferioridade. Vou simplesmente elaborar algumas ilustrações para lembra-los desse fato que negros como nós de Mona preferem esquecer.

O negro adulto em nossa sociedade das Índias Ocidentais está totalmente condicionado ao pensamento branco, porque esse é o treinamento que nos é dado desde a infância. A garotinha negra brinca com uma boneca branca, identificando-se com ela enquanto penteia o cabelo loiro. Solicitado a esboçar a figura de um homem ou mulher, o estudante negro instintivamente produz um homem branco ou uma mulher branca. Isto não é surpreendente, uma vez que, até recentemente, as ilustrações nos nossos livros didáticos eram todas figuras de europeus. As poucas mudanças que ocorreram mal tocam a superfície do problema. Os antilhanos de todas as cores ainda aspiram aos padrões europeus de vestuário e beleza. A linguagem usada pelos negros para nos descrever mostra como desprezamos nossa aparência africana. “Cabelo bom” significa cabelo europeu, “nariz bonito” significa nariz fino, “tez bonita” significa tez clara. Todos reconhecem o quanto essas expressões são incongruentes e ridículas, mas continuamos a usá-las e a expressar nosso apoio à suposição de que os europeus brancos têm o monopólio da beleza e de que o negro é a encarnação da feiura. É por isso que os defensores do Black Power acham necessário afirmar que BLACK IS BEAUTIFUL.

A mais profunda revelação do quanto a nossa sociedade está doente sobre a questão da raça é o nosso respeito por todos os símbolos brancos da religião cristã. Deus o Pai é branco, Deus o Filho é branco e, presumivelmente, Deus o Espírito Santo é branco também. Os discípulos e santos são brancos, todos os Querubins, Serafins e anjos são brancos - exceto Lúcifer, claro, que era negro, sendo a personificação do mal. Quando alguém pede que os negros rejeitem essas coisas, isso não é um ataque aos ensinamentos de Cristo ou aos ideais do cristianismo. O que temos que perguntar é: “Por que o cristianismo deve chegar a nós, todo embalado de branco?” A raça branca constitui cerca de 20% da população mundial, e ainda assim os povos não brancos devem aceitar que todos os que habitam no céu são brancos. Existem 650 milhões de chineses, então por que Deus e a maioria dos anjos não deveriam ser chineses? A verdade é que não há absolutamente nenhuma razão para que diferentes grupos raciais não se abasteçam com seus próprios símbolos religiosos. Uma imagem de Cristo pode ser vermelha, branca ou negra, dependendo das pessoas envolvidas. Quando os africanos adotam o conceito europeu de que a pureza e a bondade devem ser pintadas de branco e tudo o que é mau e amaldiçoado deve ser pintado de preto, então estamos flagrantemente nos auto-insultando.

Através da manipulação desta mídia de educação e comunicação, os brancos produziram pessoas negras que administram o sistema e perpetuam os valores brancos de “homens negros de bom coração”, como são chamados por elementos conscientes. Isso é verdade tanto para os indianos quanto para os africanos em nossa sociedade das Índias Ocidentais. De fato, a explicação básica da tragédia do confronto africano / indiano na Guiana e em Trinidad é o fato de que os europeus os mantiveram ambos cativos pelo modo europeu de ver as coisas. Quando um africano abusa de um indiano, ele repete tudo o que os homens brancos diziam sobre os trabalhadores aprendizes indianos “peões”; e, por sua vez, o indiano tomou emprestado dos brancos o estereótipo do “negro preguiçoso” para aplicar ao africano ao seu lado. É como se nenhum homem negro pudesse ver outro homem negro exceto através do olhar de uma pessoa branca. É hora de começarmos a ver através de nossos próprios olhos. O caminho para o Black Power aqui nas Índias Ocidentais e em qualquer outro lugar deve começar com uma reavaliação de nós mesmos como negros e com uma redefinição do mundo a partir de nosso próprio ponto de vista.

Material suplementar
Notas
Notas
[1] Publicado originalmente em RODNEY, Walter. The Groundings with my Brothers. Jamaica: Miguel Lome Publisher, [1969] 2001. Traduzido do original em inglês por Ana Catarina Zema, pós-doutoranda do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Pesquisadora do Grupo de Trabalho do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) sobre Pensamiento Crítico y Decolonizador Caribeño. E Peterson Mendes Martins, Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Africana e Diretor do Centro de Valorização da Cultura Negra (CVCN).
[2] University of West Indies, Mona/Jamaica.
[3] Rodésia foi um Estado não reconhecido durante a Guerra Fria situado no sul da África.

Renomeada Zimbabwe em 1980.

4] Scope é uma revista semanal sul-africana. A revista foi lançada na década de 1960 e ficou conhecida por desafiar as rígidas leis de censura da África do Sul do apartheid.
[5] Os tradutores optaram por manter a expressão “Índias Ocidentais” - mais fiel ao mundo anglófono do qual fazia parte Walter Rodney - do que “Antilhas” para “West Indies”.
[6] Seguindo a revisão historiográfica atual, adotamos aqui a expressão “tráfico de africanos” no lugar de “tráfico de escravos”.
[7] Adota-se aqui a expressão “mestiço” ao invés de “mulato” ou “pardo” para a tradução de “brown man”.
[8] Como os não negros na Jamaica. Nota do Editor.
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